Edição 117

Profissionalismo

Fraternidade e diálogo: compromisso de amor

Nildo Lage

Ao abrolharem no horizonte, prenunciando que revolucionariam o planeta, as tecnologias eram mitos, “coisas” de outro mundo. Aquelas “coisas” estadeadas nas tramas de ficção científica… Anúncios e prenúncios agitaram cabeças, mexeram com a imaginação daqueles que confiavam na eficácia das pesquisas científicas para desenvolverem ferramentas de “outro mundo”. De repente… Flash! Desabou, imergindo um planeta que operava entre válvulas e botões. Equipamentos digitais? Que “coisas” são essas?

Não teve jeito, o contemporâneo evolucionou, digitalizou a vida… Abordou os algoritmos da inteligência artificial… A máquina granjeou capacidade humana… Desafiando o Criador a desenvolver fluxogramas para freá-la e, assim, não ser sobrepujado pela própria criação. Sob o impacto dessa incursão, a humanidade estremeceu. Incoerente, resistiu; contemplou suas parafernálias com receio; relutou, esquivou-se… Seu brilho ascendeu, suas ferramentas seduziram… De tão hodiernas, tornaram-se convites para experimentar o novo, salientando recursos que instigam, convidam o humano a entrar na onda para explorar um universo abarrotado de inovações.

Ao primeiro contato, arrebatou. O humano não resistiu; experimentou; deslumbrou-se. Assumiu de vez que as ferramentas digitais aproximam ao restringir distâncias, pois redes sociais e apps são convites para encontrar o outro, desvendar o mundo do outro, por meio de relacionamentos virtuais que, muitas vezes, consumam-se em paixões avassaladoras, relacionamentos diuturnos.

Foi simplesmente magnífico, surpreendente… Era tudo o que a humanidade necessitava para esquadrinhar o próprio universo… A tecnologia investiu, abordou os “quatro” cantos da Terra, desenvolveu ambientes virtuais que alocam coisas, pessoas… Aperfeiçoou apps que monitoram, facilitam a vida, alargaram os recursos que permitem ao usuário das redes sociais se entreterem, relacionarem-se, observarem o outro, ouvirem o outro… Até sentirem o outro sem o tocarem. Esse envolvimento sem contatos físicos proporciona prazer e felicidade numa dimensão tal que amar o outro, compartilhar situações e até sofrer juntos são riscos que muitos optaram em não correr.

O fato é que quanto mais a tecnologia granjeia espaço na vida do humano, mais declina o nível do termômetro do calor humano… A fleuma auferiu um coeficiente tão baixo que muitos se tornaram vítima da hipotermia, devido à baixa temperatura nos ambientes virtuais, que congelam sentimentos, valores… o próprio desejo de estar com o outro fisicamente. Para a tribo dos “bolhas”, o universo online se converteu no hábitat, nessa bolha peculiar. A vida navega sem ser notada, sentida, pois viver artificialmente está se tornando para muitos mais que uma via de escape de conflitos e fracassos, todavia uma alternativa de vida. A evolução se viu impelida a avançar além-futuro para atender aos anseios mais íntimos e vem promovendo, à medida que se arremete, a segregação dos princípios e valores familiares, pois progrediu, estrategicamente, para preencher vazios, satisfazer vontades, atender a desejos e, por causa da Covid-19, instituir uma vida sem contatos para resguardar a própria vida. O humano engessou intenções e tirou proveito desse instante de isolamento para alargar o afastamento… Como aproximar é se enveredar pela zona vermelha, o físico perdeu terreno, e o digital alargou as suas extremidades para se conectar, ostentando a distância… Encontros, gestos, trocas de olhares… tão somente na tela.

mulheres_conversando_online_shutterstock_1403280503_[Convertido]-02Nessa fuga, muitos maquiam para camuflar marcas de fracassos, salientam valores que não têm, apresentam uma beleza esculpida pelas ferramentas digitais, adotam poses sedutoras, desfecham atitudes que inspiram confiança e, assim, aliciam adeptos, instituem suas tribos… Na era do “Exibo, logo existo”, corporifica-se a plataforma da família da nova era. A era do quero ficar com você, mas sem compromisso… E, assim, envolvem-se, relacionam-se, reproduzem-se… Em casos atípicos, decidem se juntar… Juntam tralhas, juntam crias de outras relações… Juntam-se aos sogros… Amontoam-se… Desentendem- -se… Dá-se início à nova temporada da série “Quero ser feliz do meu jeito!”. No primeiro capítulo, entra em cena o vazio existencial, que apresenta, em imagens 4-D, um mundo de magia; e, a partir do segundo capítulo, o período de dedo em riste: apontamentos de erros, falhas, acusações e trocas de farpas.

Como o enredo é escrito e reescrito pelos próprios personagens, é incomum, no decorrer das tramas, momentos em que o silêncio impera para permitir ecoar os sussurros da paz. O que se houve nos instantes de trégua são ecos de altercações; nos raros instantes em que as aparências salientam serenidade, o faz de conta surfa na mesma onda dos sentimentos engessados e, assim, reconciliam-se. Ao iniciar a nova fase, o pano de fundo é: “Vou suportar você, não sei até quando!”. Interesses individuais redirecionam o curso do longa-metragem Famílias Instituídas no Universo Online, que mescla inusitadas cenas de amor para confundir o telespectador e a sociedade… De tão líricas, chegam a dar a certeza de que se amam… E como o amor estabelece compromisso, oficializam… No instante seguinte, o equívoco… Foi atração e atração; prazer são instantes que nunca se prolongam. Nas cenas dos próximos capítulos, os personagens vibram sob os impactos do martelo do orgulho, que dita a sentença: “Chega! Já deu o que tinha que dar!”. A partir de então, não tem conversa: com apenas um ato cognominado divórcio dissolve tudo, e tudo o que resta é: “— Você é passado! Fica aí na sua que vou correr atrás da minha!”. E, assim, sei até quando!”. Interesses individuais redirecionam o curso do longa-metragem Famílias Instituídas no Universo Online, que mescla inusitadas cenas de amor para confundir o telespectador e a sociedade… De tão líricas, chegam a dar a certeza de que se amam… E como o amor estabelece compromisso, oficializam… No instante seguinte, o equívoco… Foi atração e atração; prazer são instantes que nunca se prolongam. Nas cenas dos próximos capítulos, os personagens vibram sob os impactos do martelo do orgulho, que dita a sentença: “Chega! Já deu o que tinha que dar!”. A partir de então, não tem conversa: com apenas um ato cognominado divórcio dissolve tudo, e tudo o que resta é: “— Você é passado! Fica aí na sua que vou correr atrás da minha!”. E, assim, do tudo chega ao fim com a mesma presteza com que se iniciou. Não houve amor, não houve perdão, não houve uma segunda chance, uma tentativa de recomeço. Fraternidade, diálogo… o que são? Compromisso de amor? Desconheço esse moço! Ainda sob as ameaças do coronavírus, o desamor e a violência imperam, e, devido à deficiência de diálogo, o motim que incita a desordem social não é refreado, pois seus agentes progridem ruindo o que resta dos resquícios do amor, dos valores familiares… a própria consanguinidade… Pois o seu agir é tão preciso que mescla tudo: valores, princípios, regras… Rompeu tudo: limites, razão… a própria essência humana… Incitando questionamentos que ecoam e silenciam: sem fraternidade, diálogo, compromisso de amor… É possível voltar ao primeiro amor… ao amor de Deus? Tais questionamentos emudecem, deixando somente reticências para que cada um as preencham com o novo enredo que ambiciona representar no palco da vida. O diluente tempo extingue o ontem para que uma nova história possa principiar hoje, pois ninguém quer perder tempo em replicar interrogações improfícuas. O novo mundo requer um novo humano, e esse humano se digitaliza para não se desconectar de um mundo que não interrompe a rotação para esperar os retardatários que tropeçaram ou necessitam de uma “mão” para se reerguer.

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Para a tribo dos “bolhas”, o universo online se converteu no hábitat, nessa bolha peculiar. A vida navega sem ser notada, sentida, pois viver artificialmente está se tornando para muitos mais que uma via de escape de conflitos e fracassos, todavia uma alternativa de vida.

 

 

Esse ponto de desequilíbrio se tornou visível em todos os meios que transitamos: nas ruas, nas praças, nas empresas, nas casas e, principalmente, nas escolas, que recebem as crias desses “humanoides”; e o que se vê é falta de fraternidade, diálogo e compromisso de amor. A digitalização do humano foi de uma dimensão tal que os poucos que tentam sustentar a originalidade da essência humana são vítimas daqueles que arremetem no próprio tempo e se tornam alvo de ataques dos humanoides que se tornaram nativos digitais: o bullying. É lastimável, mas é real. Temos que admitir que o humano está permitindo esvair de si a maior arma contra o mal: a fé n’Aquele que o fortalece. E, quando rejeitamos Aquele que nos fortalece como caminho, verdade e vida, excluímos a Palavra que afiança que “Cristo é a nossa paz: do que era divindade, fez-se uma Unidade”. A partir desse estágio, o individual impera o incondicional. Não há diálogo porque muitos eliminam e até ignoram o amor de Cristo. E quando não temos o amor de Cristo, acionamos o mecanismo que polariza uma sociedade cada vez mais sobrepujada pela discórdia, reprimida pela violência. Para transitar por seus labirintos, é preciso maestria para se esquivar dos golpes que emanam de todos os pontos, pois suas setas disparam em todas as direções… Todos somos alvos… Ninguém escapa.

Alguém pensa no outro? Na verdade, poucos pensam em si mesmos. O olhar está focado no ego, que redireciona para o ponto culminante que almeja alcançar… Assim, o alvo é arremeter… Arremeter sem discorrer consequências, perdas, o outro… Porque arremeter é a garantia de se chegar primeiro. E chegar primeiro estabelece força para arrombar barreiras; e indiferença para não sentir compaixão pelo outro, que, muitas vezes, tem que ser destruído para desobstruir a trajetória. Assim, extingue-se o outro antes que ele se converta numa pedra de tropeço, pois, nesse percurso, muitos acreditam que compromisso de amor é empecilho, fraqueza — por se enternecer pelo outro, por ter misericórdia, perdão… Alerta!!! Ativa o antivírus… Deleta! São aptidões rejeitadas no mundo novo.

Devastar o outro é competência para não se reter ante percalços e tropeços… E, assim, avançam… Avançam, tão somente para saírem do lugar-comum, inconscientes do que é fraternidade, diálogo e, muito menos, compromisso de amor.

 

Para os nativos do mundo novo, a cultura do amor é obsoleta. O mundo novo estabelece uma marca gerenciada por um dispositivo que impele para acatar a cultura do progredir sem olhar à beira do caminho — o desamor. E a cultura do desamor desponta como trituradora de vidas. Granjeou tamanha grandeza que se converteu num divisor de águas: inventariou o território social e familiar e posicionou eu e o próximo no seu devido espaço, cuja proteção conserva a distância mínima para evitar que o amor abrolhe e seja alimentado, compartilhado… vivido. Não é preciso se resguardar das fraquezas, perder tempo rompendo as argileiras para se aproximar nem estender a mão para auxiliar, porque o autoisolamento é o alerta máximo aos arcaicos, que devem se adaptar ao mundo novo e, para tal, terão que se esvaziar, descartando valores e princípios, abrir mão de sentimentos para arrostarem os conflitos como percalços da trajetória e esquecerem o sentido de reconciliação, excepcionalmente social, por não auxiliar em nada no novo mundo, que delibera o individual como regra e acolhe o humanoide como inquilino. É surpreendente como muitos não se encontram no novo mundo por não conseguirem transitar no sentido entre os dois caminhos mais esquadrinhados: o da ambição, que acarinha e infla o ego, e o da felicidade, que acalenta o coração. Pois o amor é um sentimento que exige clima, nutrientes, retribuição, e, como não consegue resistir a um ambiente peçonhento, desfalece pelo descuido do outro e expira por não ser resguardado. Por serem deficientes de afeto, os cidadãos do mundo novo avançam sem um norte deliberado, pois, a partir de então, o propósito é, exclusivamente, avançar para que os que vêm atrás se referenciem na sua força, determinação e perseverança e conscientizem-se em não temer obstáculos, perdas… Devastar o outro é competência para não se reter ante percalços e tropeços… E, assim, avançam… Avançam, tão somente para saírem do lugar-comum, inconscientes do que é fraternidade, diálogo e, muito menos, compromisso de amor. Os mais audaciosos, que acreditam ser fortes, prosseguem sem a ciência do próprio ponto de chegada. Só apreendem o erro ao olhar de lado e se veem em meio a guerras, pandemias, fenômenos naturais que assolam cidades, regiões, países inteiros… Somente então certificam-se de que, no planeta das ilusões, não há fortes, não há fracos, não há importantes… Não há simples… Não há sofisticados… Há vidas… Vidas cujos fios estão atados ao inexistente e que são devastadas, ceifadas, como animais levados ao matadouro. Matadouro que foi a trilha delineada pelo Homem, cujas coordenadas não têm conexão com o próximo, pois foram esboçadas para atingirem aspirações pessoais. E por acreditarem no próprio agir, afastam-se do caminho delineado pelo Senhor. Quando o ser humano força os limites para provar forças, desafia o ser maior: Deus, que salienta que Ele é Deus… o Todo-poderoso… Eu O sou! E manifesta o seu poder para provar aos que acreditam ser fortes e poderosos que é a Sua vontade que impera. É o Seu agir que prevalece, independentemente das circunstâncias. Basta o Seu agir, para tudo estacionar… E, no impacto dessa interrupção, o questionamento da razão ecoa: “Se o mundo novo acredita na sua autossuficiência, estabelecendo, exclusivamente, audácia para avançar, para que fraternidade, diálogo e compromisso de amor?”.

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O retorno vem do alto: não importa onde e como estamos, o caminho que nos leva à glória é o delineado pelo Senhor. Se a humanidade desobstruísse os ouvidos para as trombetas da razão e despertasse da hibernação que a desatou da própria essência, aprenderia, com as lições do Criador, que viver é um milagre; amar o outro como a si mesmo, um decreto… E chegaria a um nível de sabedoria tal para compreender que Deus deu o livre-arbítrio para o Homem criar, autonomia para agir, liberdade para escolher o próprio caminho… Mas onde, como, quando… Dará o último passo, o derradeiro suspiro… É Ele quem decide… Exatamente por não permitir que a geração rebelde não se exalte a ponto de acreditar que pode tudo, até mesmo desafiá-Lo… Pois Ele é categórico quando afirma que não divide a Sua glória com ninguém. Todavia, mesmo ante tantos exemplos de vida e morte, muitos que acreditam ter poder só compreendem tamanho equívoco quando o vazio existencial recheia o espaço da própria existência. Tudo o que fez, tudo o que usurpou, tudo o que empilhou procedeu em nada… Poderia ter sido feliz com menos, mas decidiu desafiar o ser maior para ter mais… Foi estúpido a ponto de a fraqueza e o medo do outro fortalecerem a vontade de dominar para deixar a sua marca na história. Sobre a mesma plataforma que idealizou, ornou para se tornar proeminência, exaltar conquistas, experimentar o princípio da diluição do próprio eu. Um eu que se amortiza definhado pelos retornos do agir inconsequente. E essa ação é ininterrupta… Dia após dia, ano após ano… Entre fugas e conflitos… Vislumbra os horizontes se fecharem, as oportunidades reduzirem… E, à medida que as consequências dos atos irrefletidos investem contra o eu, reduz a própria vivência, pois opera como agente que se alimenta do tempo perdido, dos planos delineados meticulosamente e executados com maestria… E volta ao pó sem experimentar o instante de magia que a trajetória vida oferece: ser feliz. Focou tanto em projetos grandiosos, em atingir o outro, que deparou com a morte, sem perceber que o sentido da vida começa a se formar quando conseguimos ler no olhar do outro a mensagem de que ele é tão importante quanto nós, que agradar a Deus é o preparativo para a vida, pois essas decisões tornam a trajetória mais leve e determinam onde e como passaremos a eternidade.

 

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A ALEGRIA DE QUEM TEM A OPORTUNIDADE DE UM NOVO COMEÇO

Muitos, entre erros, tropeços e fracassos, conseguem voltar no curso, compungir-se, buscar o Criador, e agarram a oportunidade e visualizam no horizonte o fulgor da vida, que se converte no ponto que estabelece o recomeço. Esse novo ser, ao assumir erros, arrepender-se, silencia o orgulho, o amor-próprio… E é na eloquência desse silêncio, no refúgio do eu, que a voz da verdade retine, ressoa e expõe a diferença entre o sábio e o ignorante. O ignorante corre, ajunta, grita, esbraveja, se autoelogia… proclama conquistas, valores para se exaltar… Ao passo que o sábio emudece, para que os rumores da sua sabedoria possam retumbar como alerta aos que trilham o mesmo caminho e esperam a chamada. Essa consciência sobrevém com o despertar da certeza de que, cada vez mais, o humano se esvazia de si mesmo, permitindo que sentimentos e valores sejam consumidos para fortalecer a ambição, tornando cada vez mais difícil amar o próximo, pois, no mundo novo, o errado vem se tornando a veia de escape que atrai multidões para o abismo… O humano está permitindo esvair de si a própria essência. Assim, amar o outro é perda de tempo, servir o outro é perda de tempo… Pois para servir, muitas vezes, é preciso se curvar, e se curvar é humilhação. Como é difícil olhar no olho do outro e expressar o que é conservado dentro de nós, a nossa fraqueza… E quem quer ser fraco? De tal modo, é difícil… Tudo é difícil, pois é difícil diminuir o nosso eu para que o outro cresça. Eu sou! Posso não ser o caminho, a verdade, a vida… Mas eu sou! Sei que eu sou… Sou porque eu quero ser, e não será o próximo que irá me impedir! Assim, como amar alguém que ambiciona ocupar o meu espaço? É dessa forma que ignoramos o próximo. É dessa forma que encaramos o próximo… É dessa forma que descartamos o compromisso de amor… Não queremos sentir nada pelo outro… Sem sentir nada, nem mesmo compaixão para alimentar a necessidade de dar um passo adiante e nos aproximar, é mais fácil competir… Pois a era é do quem chega primeiro para ocupar um posto de destaque, todos se preocupam com os que estão em ascensão, e este é um dos maiores crimes que praticamos: não olhar a beira do caminho para estender as mãos àqueles que ambicionam tão somente o existir. Tais situações são reflexo de que a humanidade atravessa a fase em que valores como respeito, honestidade e amor pelo outro são obstáculos que apartam sonhos de objetivos pessoais. Pois muitos chegaram a ponto de certificar-se de que amar é fraqueza, ser feliz é ilusão de um coração que precisa enrijecer para assolar sentimentos que enfraquecem, porque seu dono quer viver, e viver é satisfazer a sede de ser. Essa sede, de tão insaciável, torna-se obsessão a ponto de até mesmo a salvação e a glória eterna ficarem em segundo plano, pois os holofotes de um mundo cada vez mais infestado impelem a viver o presente como se o hoje fosse um longo caminho; e o amanhã, um passo tão distante que muitos não se atrevem a ensaiá-lo agora. Se ensaiá-lo agora, não viverei o agora. E viver o agora se torna necessidade, e, assim, vem o receio de amar, para não salientar fraqueza; muitos se afastam e, ao voltarem o olhar, não vislumbram os que ficaram para trás e arremetem, mergulham no universo do nada. Somente quando intui que a trajetória se converteu em nada, desperta e desvenda o grande enigma: só existe uma forma de não sofrer por amor: esvaziar o coração, lacrá-lo, cruzar os braços, contentar-se em envelhecer sob os acalentos da solidão e se sentar ao lado da tristeza e permanecer à espera do último suspiro sem experimentar as delícias que a vida oferece. É nas fronteiras desse horizonte que a última ficha tomba, quando assevera que tudo o que resta é esperar o fim. Pois a esperança, delicado e frágil fio atado ao inexistente, prenuncia que está prestes a se romper; e, quando se arrebenta, sentimentos, sonhos, projetos… tombam no vazio, devastando vidas. Tanta dor por não admitir que os alimentos que sustentam o ser humano é a graça, a misericórdia e o amor divino.

EM MEIO ÀS GUERRAS E PANDEMIAS QUE PRENUNCIAM O FIM, AINDA HÁ TEMPO PARA ASSUMIRMOS COMPROMISSO DE AMOR?

Amar ou odiar o outro, muitas vezes, são decorrência, pois há pessoas que marcam momentos, e outras que marcam vidas… Pessoas que atraem sem gestos, seduzem sem palavras, pois acolhem desde o primeiro contato por trazerem no olhar o brilho do carinho… Outras provocam recuo, pois adotam atitudes que ferem, praticam atos que aliciam a cólera, desferem palavras que despertam o ódio… Todavia, amor é maturidade por ser um sentimento que desperta, mas exige ser cultivado e, quando se converte num compromisso selado entre corações que decidem se esquivar das decorrências, ata- -se num laço que atrela corações pela magia do amor. Quando essa magia se funde, o olhar é redirecionado para o horizonte das nobrezas, e se adquirem aptidões para apartar amor de ódio, assinalando as suas diferenças: ódio é desejo… Desejo de devastar o outro…. Amor é paz, harmonia… Elo que aproxima. Ódio provoca explosões, brados de fúria… Apartamento… Amor não é dito, ilustrado… É sentido… Vivido… Compartilhado… Ódio retine seus brados como alerta de fuga, agressão, ruína… Ao passo que o amor convida ao carinho, à reciprocidade. Por isso, escolha o amor… Amor que dialoga, amor que assume compromisso sem pensar no tempo da vida, no tempo do próprio amar. Assim, escolha amar, pois amar é viver sem se preocupar em analisar módulos para entender o amor… Pois nem mesmo o coração, o maior conhecedor do amor e da arte de amar, compreende a anatomia de um sentimento tão sublime, tão profundo e misterioso… Porque ele não pensa, não raciocina… Apenas ama… Ama, ama sem medida, ama sem pensar no amanhã… Ama… Amando, o amor reina… Amando, delineia-se o sentido da vida por encontrar a rota que desvia da morte. Amando, compreendemos a língua do coração, e essa é a língua mais entendida por exprimir o silêncio de um olhar, a luz de um sorriso… Por revelar que o amor não tem tom, forma… Tem fulgor… O amor não tem palavras, no mínimo gestos involuntários… O amor perdoa, compartilha, funde corações, porque o amor traz em si a paz na sua essência… Quando se ama, a palavra mais bela ecoa entre os raios de um olhar que expressa o sublime segredo da felicidade. O amor é um sentimento tão complexo que surpreende o próprio coração, que, muitas vezes, sofre por amar demais… Salientando que viver é romper obstáculos, suplantar os contratempos do próprio existir e ser feliz consigo mesmo, com o outro… Porque o amor instrui aos que amam, que ser feliz é amar sem querer vantagens, mesmo consciente de que, no passo seguinte, uma ocorrência pode gerar angústia… Mas a certeza de que, no próximo, será abrigado pelo contentamento. Todavia, o afã de ser é um triturador de sentimentos, valores, pessoas… Assim, como dizer que amo se o que sinto é desejo? Como dizer que quero ficar se, na verdade, quero partir para ter liberdade? É nesse padrão contemporâneo que a vida se apresenta no novo mundo, como um sopro no interior de um ser que permite ser apenas criatura de Deus, quando poderia escolher ser filho, pois as atrações do novo mundo estabelecem que o amor sofra mutações para se harmonizar ao novo modelo. Nesse processo de decomposição da essência humana, valores estão se extinguindo no ambiente familiar, e, cada vez mais, o desejo de não querer a outra metade granjeia espaço, porque, no processo de verticalização da família, envolver-se sem compromisso é menos problema, não amar o outro é menos dor, manter a distância do outro é menos conflitos e mais liberdade.

 

casal_shutterstock_1211603983_maljuk_[Convertido]-02Todavia, o agir de Deus despertou em cada um de nós a consciência de que mudanças sobrevirão, como cumprimento da própria Palavra… Mas ainda há tempo. Tempo para nos arrependermos, tempo para voltarmos para Deus… Tempo para escolhermos amar… Tempo para escolhermos nos reconciliar com o próximo, escolhendo fraternidade e diálogo… Assim, vamos escolher amar, assumir compromisso de amor para vivermos e atingir a maior de todas as consciências: a consciência de que Cristo é o caminho, a verdade e a vida… E maturidade para fazermos, desse caminho, a trilha; da verdade, um objetivo; para que essa passagem que marca a trajetória viver transcorra com a certeza de vida eterna. Do contrário, prosseguiremos pleiteando território, ceifando vidas… Escrevendo e reescrevendo dia após dia o enredo “Faz de conta que me ama, e eu faço de conta que acredito”, sob a trilha sonora Desilusões e Fracassos. De tal modo, vamos escolher o amor para alcançar corações sábios e deixar de enganar a nós mesmos, acreditando que estamos enganando o outro com um sorriso nos lábios, salientando força, felicidade, alegria… determinação. Vamos escolher compromisso de amor, para não confundir vida, existir, viver… Com felicidade… Pois vida é tão somente um sopro que muitos permitem expirar sem degustar a sua fórmula com o outro, e, assim, enfoca no existir e se contenta em ser apenas mais um — com ou sem idealismo… Todavia, viver é se deleitar com momentos proporcionados por aqueles que buscam, no existir, uma oportunidade única de experimentar a felicidade… Por isso, permita que a fraternidade e o diálogo sejam os condutores e assumam com você e com o próximo um compromisso de amor… Para que não tenha que se certificar tarde demais que tudo que fez, sonhou e viveu foi um equívoco, quando o desamor predominava e a verdade desfechava o alerta, prenunciando que amor sem diálogo, compromisso, entrega e renúncia não é amor… É mentira que alimentamos em nós para ofuscarmos o outro.

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