Edição 15

Matérias Especiais

Futuro de me livro na mão da vizinha

Elisa Lucinda

Quem me dera ser livro na sua cama,
ser confundida com a cambraia de sua camisola sonolenta
e virar fábula nebulosa no fogo do seu sonho.
Quem me dera espiar o adormecimento dos seus dedos a me largarem despencado,
lendo, lento, sobre sua barriga.
Quem me dera, à deriva,
criar filhos meus no meio de teus pensamentos.
Remexer teus conceitos, lembrar teus afetos
em estado de feto
até você se achar parecida comigo.
Quem me dera, amiga,
ser sua valda pastilha
em forma morna de palavra viva
engolida e absorvida no dorso de sua língua
e me liquidisfazer no caldo poemenho pra cair no abismo da garganta prometida.
Quem me dera a eterna vida
de ter um lugar na sua estante,
na poeira volante que se apinhasse.
Quem me dera ventasse quando minha coluna lombada se chamasse
quando meu vestido se alcunhasse cantoneira.
Quem me dera a clareira de você me emprestar
sem ciúme ao seu marido, eu me espreguiçasse na grafia daquele pijama.
Quem me dera prensada, folheada na sua cama,
publicada, procurada em índice,
conhecida pelas letras como se fosse fama.

Olhando deitada no colo da página
para o soneto do bigode dele.
Mostrada em verso, rima, chama
despudorada, literária, exposta
como quem ama.

cubos