Edição 20

Em discussão

Gestão Escolar – ainda um grande desafio

As últimas grandes transformações de natureza econômica, social e cultural que se operaram na sociedade, através das tecnologias da comunicação (entre outros fatores), obrigaram os diversos segmentos sociais, inclusive a escola, a reverem o seu papel, sob pena de sucumbirem, face às exigências dos novos tempos.

Aos gestores escolares, coube um novo desafio. Não mais um gestor atrelado ao lado operacional e funcional da escola, mas um gestor inserido em contexto muito maior. Um gestor contemporâneo, atento às mudanças em curso na sociedade, capaz de reconhecê-las e de participar das novas relações sociais em formação. Capaz também de criar parcerias, de inovar, de articular e garantir os interesses coletivos.

Quando se trata da empresa particular, especificamente, o gestor já vem sendo desafiado pelas sucessivas crises que abalam o setor privado da educação básica, por conta de uma oferta excessiva e por uma demanda em queda, aliadas a uma franca decadência do poder aquisitivo das famílias de classes média e alta.

Na verdade, as dificuldades se sucedem: os gestores se vêem às voltas com uma guerra de competitividade, que precisa ser vencida através de ações eficientes. É um gestor que precisa estar atento não só à captação de novos alunos, mas principalmente ao eficiente relacionamento com os já conquistados, encantando-os incansavelmente. É um gestor pronto a fortalecer a marca da instituição, comprometido com a capacitação e a motivação de seus profissionais, investindo cuidadosamente na satisfação dos pais, entendendo-os como grandes aliados e parceiros que podem ser. É também um gestor que precisa estar sintonizado com o mercado, para melhor ajustar sua organização ao futuro.

Não são poucos os desafios. Eles estão calcados em dois aspectos: o lado empresarial, a que acabamos de nos referir, e o lado educacional. Harmonizar essas duas vertentes é um desafio para qualquer gestor, não resta a menor dúvida. Considere-se, já daí, a velha máxima, insistida por tantos, que “escola não deveria ser empresa”.

Acontece, no entanto, que não necessariamente a prestação de serviços educativos reflete exploração da classe média pelos empresários nem tampouco inviabilização de uma séria proposta pedagógica para a instituição. Na verdade, qualquer gestor que se pretenda sério e competente (a despeito das exigências da lei) começa por investir na construção da proposta pedagógica da escola, sua verdadeira identidade.

Acredito que aí residam os grandes desafios para o gestor: coordenar uma proposta que precisa ser gestada no coletivo, administrar os conflitos dela decorrentes e arcar com todos os ônus que lhe são inerentes. Estamos falando da necessidade do respeito às diferenças, à pluralidade de idéias e concepções pedagógicas, à liberdade e à tolerância. Um verdadeiro exercício de compartilhamento e descentralização do poder em função de uma proposta que pretenda a formação de “um homem” competente, protagonista de sua própria história, ético, promotor do bem comum, inspirado em ideais de liberdade e solidariedade.

A propósito disso, bons indícios de exercício das relações democráticas na escola ocorrem quando, por exemplo, as decisões que perpassam o cotidiano escolar são tomadas coletivamente pelos educadores ou são realizados fóruns de discussão no interior da escola entre pais, alunos e professores, que discutem suas dificuldades e buscam alternativas para vivenciarem os valores defendidos pela instituição. Estão sendo exercitadas as relações democráticas na escola quando o aluno é convidado a ser autor do seu próprio conhecimento, através de projetos de pesquisa que lhe propiciam as aprendizagens significativas.

São múltiplos os caminhos. Cabe a cada gestor, ao lado de tantos outros gestores da escola, ir descobrindo as possibilidades de flexibilizar as decisões, ainda que no enfrentamento das relações de poder que também rondam a empresa privada.

Existe, de fato, uma luta para conciliar os ideais pedagógicos — insistimos, com todos os ônus que eles encerram — e para manter também a escola financeiramente viável. São dois opostos a administrar, como já dissemos: por um lado, a luta permanente para equilibrar as finanças da escola, sob a ameaça constante da inadimplência com os estragos que reflete; por outro, o grande ideal de alavancar um projeto comprometido com a construção do conhecimento e a felicidade do homem.

E é essa proposta pedagógica, referencial maior da Escola, que precisa ser garantida. Para tal, cada vez mais se evidencia a necessidade de relações mais horizontais na escola, menos autoritárias, como caminho para se consubstanciar um projeto que visa à melhoria da qualidade do ensino–aprendizagem.

Um gestor atento precisa, pois, cuidar das necessidades e dos anseios da clientela e de seus educadores, trabalhar em equipe e, em particular, acolher as contribuições de professores e funcionários, principais alavancadores do projeto da escola. Até mesmo porque a experiência nos sinaliza que é pelo resgate de sua auto-estima que educadores se percebem protagonistas de uma mesma história: a que mobiliza e a que transforma.

A tarefa é para gigantes. E “talvez este seja o ponto central da nova gestão escolar: valorizar e investir no capital humano, conferir autonomia e responsabilidade aos profissionais envolvidos e conferir autoridade ao líder que atua como organizador, articulador e mobilizador dos diversos processos que se desenvolvem na escola” (LARANJA, p.242).

É possível, por esse caminho, vislumbrar educadores verdadeiramente comprometidos com a instituição em que trabalham, assumindo também o seu papel de gestores, diante dos alunos e dos pais, responsabilizando-se pela saúde e felicidade da empresa.

Apesar das dificuldades, as iniciativas estão realmente acontecendo, as experiências têm se multiplicado. Estamos todos desejosos de que medidas mais eficientes, por parte dos governos, venham ajudar a sanar a inadimplência, um grande vilão dessa história que, por muitas vezes, dificulta as mudanças na escola, que nem por isso estão deixando de acontecer.

Do ponto de vista educacional, inúmeros são os esforços realizados com o planejamento participativo, caminho pelo qual as relações democráticas têm se intensificado, ao lado de tantas outras iniciativas de similar valor.

Particularmente, tenho acompanhado a mudança de professores e alunos que, a partir de decisões compartilhadas, têm se sentido revalorizados, mais felizes, e mais comprometidos com sua profissão/trabalho e a instituição em que trabalham/estudam. São registros como: “… consigo ver profissionais que se envolveram e deram seu tempo estudando e contribuindo para que o projeto fosse um sucesso” (coordenadora pedagógica); “no desenvolver das propostas, foram se criando laços de confiança e respeito entre o corpo docente e a direção” (professor); “a direção acreditou em nós e fez-nos acreditar em nossa capacidade. Sinto-me extremamente gratificada por participar desse projeto” (professora); “aqui nesta escola a gente pode dar opinião” (aluno). São todos depoimentos que aguçam os ânimos, reforçam as esperanças e sinalizam para os gestores educacionais a necessidade da escola estar sempre se reinventando, para superar os desafios e cumprir bem o seu papel.

angela-leitaoÂNGELA BEZERRA DE SOUZA LEITÃO
É diretora de escola na rede privada. Professora graduada em Ciências Sociais, especializou-se em Recursos Humanos na Educação e em Coordenação Pedagógica e Supervisão Escolar pela UFPE.
Durante muito tempo ocupou atividade de coordenação pedagógica nas redes privada e pública.

Referências Bibliográficas:
FERREIRA, N. (org.). Gestão democrática da educação: atuais tendências novos desafios. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2000.
LARANJA, M. Discutindo a gestão de ensino básico. In: COLOMBO, S. S. (org.). Gestão educacional: uma nova visão. Porto Alegre: Artmed, 2004.

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