Edição 74

A fala do mestre

(Indi)gestão Escolar – Sintomas e Reações Adversas

Nildo Lage

Sempre que algo de errado ocorre, o núcleo operacional do corpo humano — o cérebro — emite a sua mensagem. Instantaneamente, o organismo responde, e essa reação é o alerta de que necessitamos parar para acatar o sinal vermelho que determina os limites físicos.

Com o corpo “escola” não é dessemelhante. O diferencial é que os sinais emitidos a todo instante são, muitas vezes, ignorados. Pois esse corpo — a escola —, cada vez mais desintegrado socialmente, apresenta-se numa roupagem de gala, mas o seu interior está impregnado de plásticas para eliminar estigmas dos fracassos, implantes para dissimular neoplasmas que, apesar de históricos, podem ser curados por meio de uma intervenção simples designada gestão.

Assim como o corpo humano reduz a imunidade ao ser atacado por agentes nocivos, precisando de tratamento, o corpo “escola” também requer cuidados, atenções especiais. É nesse ponto que a eficácia do anticorpo — gestor — deve entrar em ação com uma gestão estratégica, capaz de converter obstáculos em caminhos, conflitos em pontos de discussão, e, assim, gerenciar ferramentas que ampliem os horizontes da aprendizagem.

Dentre conflitos e reações adversas, os efeitos colaterais arrebentam em meio à urgência de designar uma gestão que delineie rotas, acate aos anseios de uma escola que transita entre questionamentos: Descaso familiar? Descumprimento do governo? Autoritarismo do gestor? Educadores despreparados e sem autonomia? Educandos ociosos? Ou a desconexão dos envolvidos que não falam o mesmo dialeto para esboçar metas e discutir mudanças?

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Respostas chegarão quando esses envolvidos — educador, família, governo e escola — resolverem sentar para controverter falhas, esboçar propósitos… Daí por diante, o educador perceberá que Educação é um todo, por encontrar suporte para manejar os instrumentos oferecidos pelo sistema e integrar o educando no contexto educacional; a família se conscientizará que se envolver com o aprendizado do filho é fortalecer a base da Educação, ampliar os horizontes da aprendizagem; e, somente então, a escola deixará de ser palco de conflitos e violência para se transformar num espaço acolhedor, onde aprender e ensinar se tornará um processo cada vez mais envolvente.

Basta um toque, apenas um toque, para despertar a comunidade escolar de que gestão vai além da indicação ou eleição de um líder que defina regras. Gestão estabelece cuidado, reflexão… Pois decisões podem derivar em vitórias ou fracassos. O limite é a razão. A regra é a prudência. Prudência para ponderar se programas conteudistas preparam o educando para enfrentar os desafios de um mundo cada vez mais concorrido. Se Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC) e livros são suporte para educadores e se gestor linha-dura transforma condutas de uma geração conectada ao mundo, mas desprovida de educação familiar e alheia ao universo Educação.

Essa razão deve chegar, no mínimo, à consciência de que Gestão Educacional deve ser encarada com a mesma responsabilidade de uma Gestão de Negócios. É preciso empreendedorismo para que os resultados sejam bons para todos: educando, educador, família e governo. O custo dessa transação é uma bagatela, tão somente o envolvimento e a participação de todos por meio da divisão de compromissos.

Temos que admitir que as escolas conquistaram autonomia nos últimos anos com a implantação de programas como o Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE). Esse recurso melhorou o funcionamento, mas autonomia e recursos financeiros sem um sistema de gestão competente é o mesmo que entregar uma supermáquina a um condutor não habilitado: na primeira curva, perderá a direção, e só Deus pode evitar que chegue ao fundo do abismo.

O reconhecimento desse erro é o próprio Plano de Desenvolvimento da Escola (PDE Escola), criado para “abafar” a crise e melhorar o ensino nas unidades escolares com baixo desempenho. Recurso que gestores não gostariam de receber.

Todavia, as inovações do século da ciência e da informação decretaram um novo sistema de gestão, e este vem causando discussões, gerando conflitos, pois o despreparo do educador se converte em barreiras ante aos novos desafios e, por serem de uma década na qual o diretor ditava as regras e determinava condutas, muitos, ao assumirem a direção de uma unidade de ensino, seguem os mesmos preceitos.

Nessa quebra de braço, a escola fica em desvantagem, pois gestor é, na maioria das vezes, dominador: se imperou a democracia e chegou ao posto por eleição, a comunidade escolar terá que engoli-lo, no mínimo, por 2 anos, e, como a política imperou, terão “protegidos e desprotegidos”. Se assumiu por indicação, reinou a politicagem, e muitos incorporam a “diretora Olívia”: “Educador e educando têm que fazer o que EU quero, porque na MINHA escola é assim!”.

Esse egocentrismo gera uma terrível indisposição no corpo “escola”. Sem prevenção, o vírus se alastra e infecta um setor que apenas questiona: Por que o nosso sistema é tão indigesto?

Caro gestor, a escola não é sua… O cargo é seu, porém temporariamente… Portanto, as vidas que estão na “sua escola” não são suas, muito menos robôs com manual de instruções. São humanos como você e, por serem como você, são dependentes da sua administração empreendedora para chegarem, no mínimo, onde chegou… Pois, assim como passou por uma temporada na escola e necessitou de outros, elas dependem da sua atuação, do seu comprometimento, das suas competências… Administrar não é tomar nem domar. Administrar é gerir um processo que provoca transformações, proporciona o crescimento do outro por meio das trocas… Pois são essas trocas que proporcionam o crescer, e, nesse percurso, é a eficiência do seu trabalho que contribuirá para efetivar o processo de ensino e aprendizagem.

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