Edição 101

Espaço pedagógico

Leitura e produção textual: o desafio de ensinar a ler e escrever textos na escola

Ednaldo Gomes da Silva

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A leitura e a escrita são práticas sociais de valiosa importância para o desenvolvimento da cognição humana. Ambas proporcionam o desenvolvimento do intelecto e da imaginação, além de promoverem a aquisição de conhecimentos. Dessa maneira, quando lemos ocorrem diversas ligações no cérebro que nos permitem desenvolver o raciocínio. Além disso, com essa atividade, aguçamos nosso senso crítico por meio da capacidade de interpretação. Nesse sentido, vale lembrar que a “interpretação” dos textos é uma das chaves essenciais da leitura. Afinal, não basta ler ou decodificar os códigos linguísticos, faz-se necessário compreender e interpretar essa leitura. Muitos são os benefícios que a leitura proporciona: desenvolvimento da imaginação, da criatividade, da comunicação, bem como o aumento do vocabulário, dos conhecimentos gerais e do senso crítico. Além desses benefícios, com a leitura exercitamos nosso cérebro, o que facilita a interpretação de textos de forma a promover competência e habilidade na escrita. Ao ler, o indivíduo adquire maior repertório, ampliando e expandindo seus horizontes cognitivos. Para além disso, estudos apontam que o ato de ler é muito prazeroso na medida em que reduz o estresse ao mesmo tempo que estimula reflexões. Por esse motivo, a leitura deve ser incentivada desde a Educação Infantil. Incentivar os filhos pequenos em casa e criar hábitos são condições importantes para que as crianças desenvolvam o gosto pela leitura.

Partindo da concepção da língua escrita como sistema formal (de regras, convenções e normas de funcionamento) que se legitima pela possibilidade de uso efetivo nas mais diversas situações e para diferentes fins, somos levados a admitir o paradoxo inerente à própria língua: por um lado, uma estrutura suficientemente fechada que não admite transgressões sob pena de perder a dupla condição de inteligibilidade e comunicação; por outro, um recurso suficientemente aberto que permite dizer tudo, isto é, um sistema permanentemente disponível ao poder humano de criação (Geraldi, 93). Para produzir textos de qualidade, os alunos precisam saber o que querem dizer, para quem escrevem e qual é o gênero textual que melhor exprime essas ideias. O segredo é ler muito e revisar constantemente a escrita. A priori, o reconhecimento dos diversos tipos de gênero textual discursivo é essencial para a organização da escrita e, consequentemente, o planejamento das ideias. Assim o trabalho com os gêneros textuais na sala de aula é primordial para o incentivo e desenvolvimento da leitura e escrita. Como professor de Redação do Ensino Fundamental e Médio no Sistema Educacional RADAR, posso afirmar o quanto é perceptível o desenvolvimento dos alunos com a escrita, ao se trabalhar com os gêneros textuais, pois sempre envolvo-os com estes de forma a promover práticas sociais reais, uma vez que os alunos precisam escrever dentro da escola e, sobretudo, fora dela também. Assim é enfatizado o trabalho com a leitura de gêneros textuais diversificados, sejam eles didáticos ou não didatizados.

A produção de textos escritos é um eixo da língua materna que deve ser ensinado e desenvolvido em sala de aula e o desencadeamento desse ensino se dá através dos gêneros textuais discursivos. Sendo assim, vamos discutir um pouco acerca dos gêneros textuais. Segundo Marcuschi (2008).

o estudo dos gêneros textuais é hoje uma área interdisciplinar, com atenção especial para a linguagem em funcionamento e para as atividades culturais e sociais. Desde que não concebamos os gêneros como modelos estanques nem como estruturas rígidas, mas como formas culturais e cognitivas de ação social (Miller, 1984) corporificadas na linguagem, somos levados a ver os gêneros como entidades, cujos limites e demarcação se tornam fluidos (MARCUSCHI, 2008, p. 151).

Ainda de acordo com Marcuschi, “É impossível não se comunicar verbalmente por um gênero, assim como é impossível não se comunicar verbalmente por algum texto”. Isso porque toda manifestação verbal se dá sempre por meio de textos realizados em algum gênero. Daí a centralidade da noção de gênero textual no trato sociointerativo da produção linguística. Nessa perspectiva, ele acrescenta que gêneros textuais são:

[…] os textos materializados em situações comunicativas recorrentes. Os gêneros textuais são os textos que encontramos em nossa vida diária e que apresentam padrões sociocomunicativos característicos definidos por composições funcionais, objetivos enunciativos e estilos concretamente realizados na integração de forças históricas, sociais, institucionais e técnicas (MARCUSCHI, 2008, p. 155).

Ao produzir um texto, o aluno precisa dominar estratégias de organização e planejamento de texto; para tanto, faz-se necessária a elaboração de esquemas topicalizados, ou seja, o uso do pré-texto ou texto prévio que auxiliará o aprendiz a expor suas ideias, primeiramente de forma esquemática, para, então, construí-lo de forma clara, com argumentos consistentes e que atendam à proposta. Antunes (2003, p. 54) aborda que o texto escrito não é somente a codificação de ideias ou de informações através de sinais gráficos. Para ela, o ato de escrever supõe etapas interdependentes e intercomplementares, e a primeira delas implica o planejamento, para, em seguida, ser executada a escrita propriamente dita e, então, a revisão e a reescrita. É no planejamento que ocorre a escolha dos critérios de ordenação das ideias ou aquilo que será relevante no texto: a finalidade de sua escrita e como estruturá-lo de maneira adequada.

Não há linguagem sem a utilização da escrita, da fala, da escuta e da leitura.
Antunes

Já conforme Marcuschi (2008), o texto é o resultado de uma ação linguística e suas fronteiras são determinadas pelo mundo em que ele está inserido. Ressalta, ainda, que o texto pode ser tido como um tecido estruturado, uma entidade significativa, uma entidade de comunicação e um artefato sócio-histórico. É possível se dizer que o texto é uma (re)construção do mundo, e não uma simples refração ou reflexo.

A escola assume uma grande responsabilidade ao manter e controlar a aprendizagem com o propósito de superar a crise da expressão escrita dos alunos. Uma atribuição que deve ser tomada pela escola é fazer com que os alunos tenham acesso a uma aprendizagem mais significativa, traçando estratégias que promovam a melhoria da expressão escrita e que contribuam para a resolução das dificuldades que os alunos enfrentam quando escrevem textos. Uma das finalidades fundamentais da escola é ensinar o aluno a ler e a escrever. No entanto, a prática pedagógica tem revelado um resultado relativamente insuficiente no desenvolvimento da capacidade de escrever dos alunos.

Uma configuração linguística só é um texto quando consegue provocar sentido. Marcuschi (2008) considera que os problemas ortográficos ou sintáticos não atrapalham a compreensão se o texto estiver inserido numa cultura e circular entre indivíduos que a dominam. A textualidade não depende de regras sintáticas ou ortográficas, e sim das condições cognitivas e discursivas. Um texto se dá numa complexa relação interativa entre a linguagem, a cultura e os sujeitos históricos que operam nesses contextos. Assim, um texto se fundamenta sobretudo pela sua discursividade, inteligibilidade e articulação que ele põe em movimento.

Por isso mesmo, na produção de um texto, deve-se, então, planejar não só o momento da escrita, mas todo o processo de pré-escrita, assim como o momento relativo à sua organização e os dados relativos à situação de interlocução nos quais se incluem o texto e seu produtor. Koch (2002, p.15) afirma que o sujeito “[…] ao estar firmado em um lugar de interação, faz vir à tona uma entidade psicossocial de caráter ativo”.

A atividade da escrita pressupõe a interação e o uso da linguagem. Segundo Antunes (2010), “Não há linguagem sem a utilização da escrita, da fala, da escuta e da leitura”. A escrita deve ocorrer de uma maneira que sejam percebidas a atividade interativa de expressões, intenções, crenças, manifestações verbais ou sentimentos que queremos partilhar com alguém, interagindo com ele. Desse modo, a condição prévia para o êxito da atividade de escrever é ter o que dizer, pois as palavras medeiam e fazem ponte entre quem fala e quem escuta, entre quem escreve e quem lê. O fato de saber o que dizer em determinada situação caracteriza-se pela capacidade do conhecimento linguístico inerente a cada pessoa.

A escrita, portanto, é uma forma de atuação social entre dois ou mais sujeitos. Conforme os PCN (2000, p. 24):

É na interação em diferentes instituições sociais (a família, o grupo de amigos, as comunidades de bairro, as igrejas, a escola, o trabalho, as associações, etc.) que o sujeito aprende e apreende as formas de funcionamento da língua e os modos de manifestação da linguagem; ao fazê-lo, vai construindo seus conhecimentos relativos aos usos da língua e da linguagem; em diferentes situações. Também nessas instâncias sociais, o sujeito constrói um conjunto de representações sobre o que são os sistemas semióticos, o que são as variações de uso da língua e da linguagem, bem como qual seu valor social.

A prática crescente da competência para a escrita ocorre no decorrer do contato diário com a escrita e a leitura e do exercício de cada evento, com as regras próprias de cada tipo e de cada gênero textual. Antunes (2010, p.116) expõe que “A escrita é uma forma de atuação social entre dois ou mais sujeitos que realizam o exercício do dizer. Tudo isso significa dizer que a escrita da escola deve ser a escrita de textos”. Por isso, é extremamente relevante que o professor trabalhe com os alunos os mais diversos gêneros textuais.

Assim sendo, faz-se necessário que o docente promova condições interacionistas no sentido de desencadear uma melhor aprendizagem nas atividades, no caso aqui específico, nas produções de textos escritos, para que os textos produzidos apresentem sentido, discursividade e que sejam compreendidos por estarem simplesmente contextualizados.

O sentido de um texto, qualquer que seja a sua situação comunicativa, não depende tão somente da estrutura textual em si mesma. Os objetos de discursos a que o texto faz referência são apresentados, em grande parte, de forma lacunar, permanecendo muita coisa implícita. O produtor de um texto pressupõe, da parte do leitor/ouvinte, conhecimentos textuais situacionais e enciclopédicos. Entrelaçados a esses eixos, encontra-se, de forma muito sincronizada, o contexto situacional permanente no texto, o qual interliga o percurso discursivo, inferindo as ideias dialogicamente nele percebidas.

A escrita é uma atividade processual, ou seja, uma atividade durativa, um percurso que se vai fazendo pouco a pouco, ao longo de nossas reflexões, de nosso acesso a diferentes fontes de informação. O pouco êxito conseguido com a escrita de textos na escola se explica muito pela visão estática e pontual da escrita, como se escrever fosse apenas um ato mecânico de fazer alguns sinais sobre a folha de papel e, assim, um ato que começa e termina no intervalo de tempo que foi dado para se escrever.

Para Marcuschi (2008), o texto não é feito apenas de palavras e, portanto, não é composto apenas do material linguístico que aparece em sua superfície. Nele, o significado de uma parte depende das outras com que se relaciona. O seu significado global não é o resultado da mera soma de suas partes, mas de certa combinação geradora de sentidos.

A produção de um texto, de alguma forma, acaba sendo uma maneira de reorganizar o pensamento e o universo interior da pessoa. A escrita não é apenas uma oportunidade para que se mostre, comunique, mas também para que se descubra o que é, o que pensa, o que quer, em que acredita, etc. Tudo isso porque todo ato de escrita pertence a uma prática social. Ninguém escreve por escrever. A escrita tem sempre um sentido e uma função. Levar esses princípios em consideração vai implicar uma avaliação multidimensional bem mais ampla e bem mais mobilizadora também, pois será constantemente recriada e englobará estratégias, recursos e instrumentos diversificados, diferentemente da mesmice com que ela ocorre nas práticas atuais.

Portanto, as atividades de produção e recepção de textos merecem destaque no ensino da língua portuguesa, pois os alunos precisam produzir textos correspondentes aos diferentes usos sociais da escrita, ou seja, que contemplem aquilo que se vivencia fora da escola. Além disso, deve-se proporcionar a eles a escrita de textos de gêneros textuais que possuam uma função social determinada.

Para ocorrer de fato um progresso na escrita, o ideal é que se crie com os discentes a prática do planejamento, do rascunho e da revisão, de maneira que a primeira versão de seus textos tenha sempre um caráter de produção provisória. Só assim, os alunos podem construir e aprimorar cada vez mais seus textos.

Portanto, para aproximar a produção escrita das necessidades enfrentadas no dia a dia, o caminho atual é enfocar o desenvolvimento dos comportamentos leitores e escritores. Ou seja: levar a criança a participar de forma eficiente de atividades da vida social que envolvam leitura e escrita. Noticiar um fato num jornal, ensinar os passos para fazer uma sobremesa ou argumentar para conseguir que um problema seja resolvido por um órgão público: cada uma dessas ações envolve um tipo de texto com uma finalidade, um suporte e um meio de veiculação específico. Conhecer esses aspectos é condição mínima para decidir, enfim, o que escrever e de que forma fazer isso. Fica evidente que não são apenas as questões gramaticais ou notacionais (a ortografia, por exemplo) que ocupam o centro das atenções na construção da escrita, mas a maneira de elaborar o discurso.

Produzir textos é um processo que envolve diferentes etapas: planejar, escrever, revisar e reescrever. A revisão não consiste em corrigir apenas erros ortográficos e gramaticais, como se fazia antes, mas cuidar para que o texto cumpra sua finalidade comunicativa. A leitura, assim como a escrita, supre as necessidades do nosso cérebro de aumentar sua capacidade intelectual. É fato que uma pessoa que tem o hábito da leitura possui mais facilidade para produzir um texto. Isso ocorre justamente porque ao lermos estamos aumentando nossa capacidade de comunicação bem como nosso repertório interpretativo. Portanto, uma boa dica para facilitar cada vez mais a leitura é a escrita, ou seja, a produção de textos.

Ednaldo Gomes da Silva é Mestre em Ciências da Linguagem pela Universidade Católica de Pernambuco (Unicap) (2017), especialista em Língua Portuguesa e graduado em Letras. É professor da graduação no curso de Pedagogia no Centro Universitário Faculdade Joaquim Nabuco (Uninabuco), professor da graduação e da pós-graduação na Faculdade Escritor Osman Lins (FACOL) e professor de Redação dos ensinos Fundamental e Médio no Sistema Educacional Radar, no município de Vitória de Santo Antão – PE. Tem experiência com os ensinos Fundamental e Médio, pré-vestibular, graduação e pós-graduação e capacitação para professores, atuando principalmente nas seguintes áreas: Língua Portuguesa, Variação Linguística, Livro Didático de Português, Análise e Produção textual, Linguística Aplicada ao Ensino do Português, Alfabetização e Letramento, Multiletramentos, Letramento Digital e Novas Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação na Educação. Endereço eletrônico: edygom@bol.com.br

Referências

ANTUNES, Irandé. Aula de Português: Encontro & Interação.
São Paulo: Parábola, 2010.

BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio: Língua Portuguesa, Linguagens, Códigos e suas Tecnologias. Brasília, DF: MEC/SEF, 2000.

KOCH, Ingedore. Desvendando os Segredos do Texto.
São Paulo: Cortez, 2002.

MARCUSCHI, L. A. Produção Textual, Análise de Gêneros
e Compreensão. São Paulo: Parábola, 2008.

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