Edição 99

Matérias Especiais

Mindfulness

Rosangela Nieto de Albuquerque

2A contemporaneidade é marcada pela aceleração do tempo, pelo crescimento desenfreado do consumo, pela rápida circulação do capital e pelo desenvolvimento dos meios de comunicação e de transporte e da tecnologia. Nesse contexto contemporâneo, a população mundial e a do Brasil têm revelado altos índices de sujeitos com transtornos ansiosos, em particular os docentes. Observa-se que hoje o sujeito vive em busca da felicidade pela aquisição de bens materiais, atendendo à lógica do sistema, tudo em volta se torna mercadoria, e a competitividade e o mundo virtual enfraquecem os laços afetivos entre as pessoas. Essa busca desenfreada promove ansiedade, pois o tempo se torna escasso devido à corrida para o sucesso financeiro e social. No paradigma educacional, os professores, com os baixos salários, com as condições de trabalho insatisfatórias, com a mudança do paradigma comportamental do estudante e com os novos valores e padrões sociais que emergem na pós-modernidade, estão sujeitos ao desenvolvimento da ansiedade.

Assim, mindfulness tem sido utilizado como recurso terapêutico para o tratamento da ansiedade e tem apresentado resultados positivos aos que buscam ajuda. Mindfulness é uma técnica advinda da filosofia e prática budistas, datadas de mais de 2,5 mil anos, e, em 1982, foi adotada pela medicina comportamental por Kabat-Zinn em programas de redução de estresse. Mindfulness está pautado na terapia de aceitação e compromisso (ACT) e na terapia comportamental dialética (DBT) e é utilizado no tratamento de diversas doenças, sendo muito eficaz no transtorno de ansiedade dos professores. Mindfulness tem se revelado base para intervenções inovadoras na terapia cognitivo-comportamental (TCC) como recurso terapêutico no tratamento do transtorno de ansiedade generalizada (TAG). Certamente, a técnica tem proporcionado ampliação da consciência, mais aprendizado, mais flexibilidade mental, melhora na aceitação dos próprios limites e foco na identificação das próprias virtudes, desenvolvendo a importância de se comprometer na identificação de esferas pessoalmente valorizadas.

Mindfulness

É uma cultura milenar. Apesar de advinda da filosofia e psicologia budistas, não está vinculada necessariamente a caráter religioso. É um recurso simples com eficácia cientificamente comprovada, e as comunidades acadêmica e científica contemporânea vêm estudando a aplicabilidade nos diversos conflitos e transtornos psíquicos, entre eles os ansiosos.

Conforme Hirayama et. al. (2014), a palavra mindfulness é originária principalmente da tradução de sati, palavra proveniente do dialeto indiano denominado Pali. Sati significa lembrança ou lembrar. E, dentro das escrituras budistas, esse termo remete à constante presença e atividade da mente e à lembrança de manter a consciência. Na língua portuguesa, o termo mindfulness tem sido traduzido como mente alerta, atenção plena, ou consciência plena.

Dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) reforçam que o Brasil possui a maior taxa de pessoas com transtornos de ansiedade do mundo. E há pouco conhecimento sobre os benefícios de mindfulness para o tratamento da ansiedade. Já nos Estados Unidos, mindfulness tem se tornado popular e com eficácia no tratamento.

Certamente, os fatores sociais e as condições de trabalho dos docentes têm contribuído com os elevados índices de estresse e ansiedade. Esse mal-estar desencadeia processos cognitivos distorcidos, típicos da ansiedade patológica. O transtorno de ansiedade generalizada é um dos transtornos ansiosos mais frequentes e se caracteriza por preocupações intensas e difíceis de serem controladas. Trata-se de um transtorno de difícil diagnóstico, pois os principais sintomas são encontrados na maior parte da população; entretanto, o que irá definir o diagnóstico serão a intensidade, os prejuízos e a duração dos mesmos.

Na língua portuguesa, o termo mindfulness tem sido traduzido como mente alerta, atenção plena, ou consciência plena.

3Segundo o DSM-5 (APA, 2014), o critério diagnóstico do TAG se dá pela ansiedade e preocupação excessivas, ocorridas na maior parte dos dias, por um período igual ou maior que seis meses, em diversos eventos ou atividades cotidianas. E pode envolver preocupações acerca da própria saúde, da realização das tarefas domésticas, das finanças, das responsabilidades no trabalho, da saúde da família, de possíveis atrasos para compromissos e até de previsões catastróficas com os filhos e a família. O indivíduo com TAG pode ter três ou mais dos seguintes sintomas: fatigabilidade, tensão muscular, irritabilidade, inquietação, tensão emocional, dificuldade para se concentrar e/ou insônia.

O transtorno é duas vezes mais provável em indivíduos do sexo feminino do que no sexo masculino. A prevalência do diagnóstico tem sua predominância na meia-idade, com redução ao longo dos últimos anos de vida.

Mindfulness e os efeitos terapêuticos para professores

Para Kabat-Zinn (1990) apud Vandenberghe e Sousa (2006), mindfulness é uma forma específica de exercitar a atenção plena que contempla o contato com o aqui e agora sem se envolver com lembranças ou pensamentos sobre o futuro. E consiste na atenção, concentração focada no momento presente de modo intencional e sem julgamento.

O caráter intencional dessa prática permeia o fato de o indivíduo estar plenamente atento ao presente, esforçando-se para se manter dessa forma durante todo o exercício. E o não julgar está associado ao aceitar todos os pensamentos, sensações e sentimentos como legítimos. No entanto, a aceitação da vivência interior não tem relação com a submissão do indivíduo à lógica de suas respostas internas. A pessoa apenas as considera e autoriza, é um estado de consciência.

Certamente, esse estado torna o indivíduo mais apto a observar quais são os gatilhos que mantêm os eventos mentais adaptativos e desadaptativos e possibilita que o sujeito aumente os eventos adaptativos e reduza os demais. Os esquemas desadaptativos são estruturas cognitivas que auxiliam a pessoa a explicar sua realidade de modo distorcido e autoderrotista. E, em geral, esse modo é reforçado por eventos apreendidos ao longo da vida, e o exercício da atenção plena é uma prática que exerce uma influência bastante positiva sobre a saúde e o bem-estar. No entanto, requer do sujeito persistência e disciplina.

As práticas de mindfulness se subdividem em formais e informais. Os exercícios formais incluem a varredura mental do corpo e a meditação sentada, com práticas de alongamento, concentração na respiração e técnicas meditativas advindas do Yoga. Eles são de três tipos: a atenção focada; o monitoramento aberto; e amor, bondade e compaixão.

Os exercícios informais abrangem atenção focada em práticas do dia a dia, como trabalhar ou executar afazeres domésticos, subir escadas, isto é, requer que o indivíduo escolha um objeto de atenção para se manter focado, podendo ser interno, como a respiração ou um único local do corpo, ou externo, uma imagem, um som, um ponto na parede. Caso a mente divague, recomenda-se trazer de volta a atenção para o objeto escolhido. A meditação da atenção focada auxilia na manutenção da mente calma.

O exercício da atenção plena é uma prática que exerce uma influência bastante positiva sobre a saúde e o bem-estar.

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A prática de mindfulness tem se revelado uma grande aliada no combate ao intenso sofrimento físico e psíquico causado pelos transtornos ansiosos, em particular no contexto profissional docente. O recurso tem sido eficaz também no tratamento clínico de depressão, dependência química, distúrbios alimentares, câncer, psoríase, insônia, dor crônica, fibromialgia, artrite reumatoide, déficit de atenção e hiperatividade, doenças cardíacas, HIV, sintomas de irritabilidade, entre outros.

As técnicas da TCC que podem ser utilizadas para o TAG permeiam o trabalho do controle da ansiedade, através de relaxamento muscular, respiração diafragmática e manejo do tempo. O relaxamento muscular é indicado para a ansiedade somática intensa; assim, os sintomas de ansiedade diminuem com o controle da tensão e o relaxamento dos músculos do corpo. A técnica parte do pressuposto de que o relaxamento dos músculos acalma a mente.

Para o professor Kabat-Zinn, mindfulness eleva a capacidade de memorização, aumenta o vigor mental e físico, auxilia na melhora das relações interpessoais e fortalece o sistema imunológico, tornando-se uma aliada contra doenças. A prática contribui para o cultivo da atenção plena, ternura e positividade. Isso favorece uma maior consciência das atividades rotineiras, reduzindo, desse modo, as ações automáticas. Certamente, contribui para a melhor qualidade de vida do docente na práxis pedagógica.

Mindfulness como recurso terapêutico no tratamento do transtorno da ansiedade generalizada (TAG) pela terapia cognitivo-comportamental (TCC)

A aproximação entre mindfulness e terapia cognitivo-comportamental ocorre porque ambas possuem inúmeras semelhanças, como a eliminação do sofrimento e a promoção de bem-estar. Além disso, elas também partem do pressuposto de que as emoções não são fruto da realidade em si, mas da forma como o indivíduo encara essa realidade.

Tanto os terapeutas cognitivo-comportamentais quanto os praticantes do budismo buscam treinar a mente para melhorar a objetividade, diminuir as distorções, reduzir o sofrimento e alcançar a felicidade. Ambos valorizam a sabedoria, a compaixão, a geração e o cultivo da atenção mental, do entendimento, da aceitação e também do método científico.

Os pensamentos disfuncionais são carregados de afetividades negativas capazes de modificar o comportamento e podem ser classificados em pensamentos automáticos, crenças intermediárias ou crenças centrais. Os pensamentos automáticos são cognições que passam rapidamente à mente em situações ocorridas no dia a dia. E as crenças intermediárias são menos acessíveis à consciência do que os pensamentos automáticos, isto é, são regras condicionais como afirmações estruturadas no modelo “se então” que influenciam a autoestima e a regulação emocional.

Nesse contexto, no modelo cognitivo do TAG os indivíduos com o transtorno podem interpretar situações ambíguas ou incertas como perigosas, estressantes e negativas. Intolerantes a essas condições, passam a evitá-las. O sujeito tem a tendência de avaliar as possibilidades futuras a partir de uma estrutura de pensamento baseado no “e se”, gerando preocupações intensas.

Segundo Coutinho et. al. (2011), o tratamento do TAG, na TCC, ocorre através de etapas. Inicialmente, o indivíduo é psicoeducado acerca do modelo cognitivo e do transtorno que apresenta. Em um momento posterior, são aplicadas as técnicas para a redução dos sintomas. São técnicas para trabalhar a reestruturação cognitiva, o manejo da ansiedade e a preocupação excessiva.

Entre as técnicas da TCC que são utilizadas para realizar a reestruturação cognitiva, destacam-se a descoberta guiada e o questionamento socrático, o registro de pensamento disfuncional (RPD) e a descatastrofização. A reestruturação cognitiva tem a finalidade de fazer com que o indivíduo reconheça esquemas e pensamentos automáticos desadaptativos. O método mais utilizado é o questionamento socrático, que estimula a curiosidade do paciente e o desejo de inquirir.

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Segundo Castro (2014), hoje a técnica de mindfulness é utilizada em algumas terapias cognitivo-comportamentais, como na terapia de aceitação e compromisso (acceptance and commitment therapy—ACT) e na terapia comportamental dialética (dialectical behavior therapy – DBT).

A psicoterapia na ACT e na DBT se baseia em um modelo de tratamento que envolve três etapas: aceitação, validação ou legitimação de sentimentos e emoções e mudança. Na ACT, a aceitação está ligada ao relacionamento do indivíduo com o seu mundo interno. Na DBT, a aceitação consiste em acolher as incoerências e a intensidade do mundo interno e os desafios externos inseridos no contexto das relações interpessoais. Tanto na ACT quanto na DBT, a aceitação não é um fim em si. Ela faz parte de um processo terapêutico que evolui. Portanto, nas duas abordagens, a aceitação e a mudança são pré-requisitos uma para a outra.

Os praticantes regulares de mindfulness são mais felizes e satisfeitos que as pessoas que não fazem os exercícios. Essa sensação de bem-estar proporcionada pela mindfulness influencia positivamente
a saúde e pode contribuir para a longevidade.

Considerações finais

As reflexões sobre mindfulness são significativas, pois contribuem para a difusão do conhecimento dessa inovadora técnica para uma melhor qualidade de vida do sujeito. Os estudos comprovam a eficácia do recurso para inúmeras doenças e apresentam a sua utilização pela terapia cognitivo-comportamental, pela terapia de aceitação e compromisso e pela terapia comportamental dialética.

Certamente, os estudos dos transtornos ansiosos e do transtorno de ansiedade generalizada remetem a um transtorno difícil de ser reconhecido pelos médicos e pela população em geral.

Durante a investigação sobre como se dá o tratamento do TAG pela TCC, observou-se que a abordagem terapêutica é ágil e eficaz no tratamento do transtorno, o que é uma considerável técnica para reduzir os sintomas do TAG em docentes.

A prática pode oferecer resultados positivos para várias psicopatologias, psicossomatizações e doenças crônicas e autoimunes. Mindfulness é um recurso terapêutico muito bem adaptado à Terapia Cognitivo-Comportamental, assim como a DBT e a ACT, que oportunizam compreender a subjetividade do indivíduo, os seus princípios. Mindfulness atua nas duas abordagens.

Por ser uma técnica com eficácia na atuação das diversas patologias, pois promove saúde, bem-estar e qualidade de vida, mindfulness é fundamental no tratamento da ansiedade e do transtorno de ansiedade generalizada, tão presentes nos docentes contemporâneos.

Rosangela Nieto de Albuquerque é Ph.D. em Educação, pós-doutoranda em Psicologia, Doutora em Psicologia, Mestre em Ciências da Linguagem, psicopedagoga clínica e institucional, pedagoga, consultora ad hoc do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), professora universitária dos cursos de graduação e pós-graduação, coordenadora do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP-Fafire), coordenadora de cursos de pós-graduação, analista em Gestão Educacional do Governo do Estado de Pernambuco, autora e organizadora de dez livros.

E-mail: rosangela.nieto@gmail.com

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