Edição 78

Matérias Especiais

Não basta dominar a tecnologia. É preciso pensar.

Carlos Nelson dos Reis

Houve, nos últimos anos, uma brutal transformação do trabalho. E, na forma rápida como aconteceu, ela deixou muitos trabalhadores à margem desse processo. Porque o núcleo central dessa transformação é a capacidade intelectual que se tem de um conteúdo e o poder de criação a partir deste.

Para enfrentar a transformação, com essa brutalidade toda, penso que, de uma maneira geral, o ensino brasileiro não se preparou a contento. Porque, antes da mudança, deveria ter acontecido uma capacitação dos professores e uma reestruturação da metodologia didática dos planos dos ensinos Fundamental e Médio. A partir daí, seria possível mostrar para os jovens a nova forma de ingressar no mundo do trabalho.

O mundo do trabalho hoje é muito mais competitivo; é um mundo onde as pessoas que entram precisam se preocupar em se manter. A preocupação não é, como era antes, de ter uma carreira e ganhos monetários, pois a rotatividade acontece com uma velocidade muito grande, e isso está muito relacionado ao despreparo.

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Capacidade de inovar

Hoje é indispensável ter espírito inovador. Há uma necessidade de o jovem, que está aprendendo, pensar primeiro no seu projeto de vida. Não adianta só estudar se não tiver conteúdo dentro dessa formação que esteja acoplado a toda a tecnologia que está vindo. É preciso ter capacidade de inovar. Inovar é enxergar, é perceber, é adiantar-se àquilo que lhe vai ser solicitado.

Não basta saber manejar a tecnologia. A tecnologia é condição. Mas criar a partir da tecnologia é o diferencial. É isso que permite a manutenção e a ascensão dentro do mercado. E, apesar das altas taxas de desemprego, não se pode dizer que não exista mais emprego. Porque uma máquina pode até fazer outra máquina, mas antes ela foi feita por um cérebro. Sempre há um cérebro por trás dessa tecnologia.

Não estamos mais na era do emprego formal, mas na era do trabalho propriamente dito. Trabalho com empreendimento, com inovação, com requisitos de conhecimento de tecnologia que permitem a criatividade. Então, para isso, existe trabalho. No campo dos serviços, da Tecnologia da Informação, por exemplo, sobram vagas, porque não se está formando esse tipo de trabalhador.

Mas dominar a tecnologia não é pura e simplesmente saber manejar a informática, os softwares de computadores. É, além disso, ser criativo a partir desse manejo. Aí é que faz falta o ensino de base, um ensino que traga de novo a consciência ao aluno de que ele precisa pensar.

Exclusão e novas oportunidades

Esse mundo da tecnologia e das novas relações de trabalho também amplia o leque da exclusão. Engloba os analfabetos funcionais, os sem trabalho. O grupo dos que detêm aptidões para se incluir nesse novo cenário é muito menor do que o grupo dos que não têm aptidão para entrar. A própria tecnologia, por si só, já requer um menor contingente.

Por outro lado, o grupo que está lá dentro pode trazer efeitos irradiadores de maneira a criar alternativas no mercado, outras oportunidades. Por exemplo, a indústria de serviços. No passado se falava no setor de serviços. Hoje já se fala na indústria de serviços. Se você pegar, digamos, a prestação de serviços do maternal até a velhice, vai encontrar uma multiplicidade de profissionais que antes não existiam. A criatividade acoplada a uma tecnologia que dá a base possibilita que sejam construídas essas alternativas. Só que, para ter essa liga, a coisa mais importante é ensinar a pensar.

Um alerta: a terceira onda de transformação produtiva, que está aí, pode levar (ou já está levando) muitos a uma nova postura mais individualizada, menos coletiva. Eu particularmente penso que isso é um retrocesso. Desde a Pré-História a sociedade vem evoluindo dentro de relações sociais, em que entram conceitos de solidariedade, de fraternidade, etc. À medida que vai se ensimesmando, você vai perdendo esses valores e esses conceitos.

Esse individualismo não é pura e simplesmente em função do avanço tecnológico. Nós temos, desde os anos de 1970, um novo referencial teórico que orienta a postura política e a postura econômica. É exatamente esse referencial que diz não haver necessidade de organizações nem de ações públicas. O indivíduo é autossuficiente, diz: “Eu sou pobre porque eu quero”. As outras fatalidades não entram em conta. Essa é a visão liberal, é a visão do mercado.

E a culpa de tudo isso está nos homens públicos que adotam esse referencial e implantam políticas econômicas e sociais que induzem a esse tipo de comportamento no conjunto da sociedade.

A nossa juventude necessita pensar que a sociedade do conhecimento precisa de referenciais de valores. Podem ser os valores do pai, da avó, da mãe, do professor. Com referenciais e valores sólidos, o jovem pode buscar o conhecimento. A criatividade é uma consequência natural, e aí vai encontrar o seu espaço.

Carlos Nelson dos Reis é diretor do Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento (Ideia) da PUC-RS.
Endereço eletrônico: cnelson@pucrs.br.

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