Edição 62

Projeto Didático

Negritude

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Justificativa

Cotidianamente, percebemos situações que evidenciam inúmeras diferenças ao nosso redor. A começar por nossa própria casa: diferenças de gosto, vestuário, programas de televisão, alimentos, comportamento. Ao ampliarmos a observação para espaços circunvizinhos, essas diferenças se multiplicam e se categorizam em etnias, crenças, culturas, visões políticas, comportamentos, etc.

Notadamente no ambiente escolar, essas contendas se acomodam e se reorganizam em espaços limitados, coordenados e disciplinados no sentido de garantir ao grupo uma relação harmoniosa, que vai se construindo desde o primeiro dia de aula na vida de cada educando, seja qual for o grau escolar em que esteja.

Acontece que essa espécie de padronização do comportamento, segundo regimentos internos de cada escola, muitas vezes esconde preconceitos existentes na própria constituição familiar do aluno que transpassam involuntariamente determinados comportamentos, gestos ou palavras.

Durante muitos anos, os três pilares explorados na Educação no Brasil para caracterizar o ser brasileiro eram denominados como raça branca, raça negra e raça indígena, e, em cima desses pilares, foram se definindo costumes, valores e perspectivas sociais. Ao branco, toda a culpa justificada para um explorador; ao índio, toda a incapacidade por ser selvagem; e, ao negro, toda a misericórdia por ser o explorado, o escravo.

Através da evolução da História e da própria Educação, esses conceitos foram paulatinamente sendo revistos e discutidos de forma mais complexa, demonstrando que houve inúmeras reações de confronto, nas quais cada etnia obteve momentos de luta e de ressignificação. Além disso, admitimos muitos outros grupos étnicos, vindos através da imigração, como participantes de nossa construção identitária.

Acontece que, embora não sejamos mais banhados por essa visão fatalista, observei, desde os primeiros anos de trabalho com alunos da Educação Infantil e do Ensino Fundamental, que o preconceito em relação principalmente ao negro é latente, ainda que sob o véu da inocência infantil.

Basta perguntar em qualquer sala de aula quem é negro. Existe um silêncio de culpa e de medo em se assumir negro, tanto para si como para o grupo, que é evidente. É como se o ser negro carregasse ainda o fardo da incapacidade e inferioridade que por tanto tempo o caracterizou.

Segundo Michael de Certeau (1996, p. 31), “O que interessa ao historiador do cotidiano é o invisível…”, e é a partir desse aspecto do preconceito subliminar, sutil, que aparece já na infância, que decidi organizar um projeto que fizesse com que os alunos observassem, vivenciassem e aprendessem sobre a cultura afro-brasileira, que intrinsecamente mistura-se com cada um de nós, o povo brasileiro. Através de informações históricas importantes contidas na revista Construir, organizei um projeto denominado Negritude, que visou justamente fazer com que os alunos do 2º ao 5º ano não só percebessem a importância do negro em nossa sociedade, mas também, e talvez principalmente, identificassem em suas raízes o orgulho da influência negra.

Objetivos

  • Ampliar o conhecimento em relação à cultura afro-brasileira.
  • Compreender as articulações políticas que perpassaram a escravidão no Brasil.
  • Perceber a influência da cultura negra em nosso cotidiano.
  • Questionar comportamentos preconceituosos na tentativa de fazer o aluno compreender-se como sujeito histórico participante de sua própria construção histórica e de conhecimento.
  • Olhar a diversidade como acréscimo enriquecedor e perceber que o respeito e a ética são fundamentais para um crescimento conjunto.
  • Promover o desenvolvimento de aptidões manuais, criativas e dinâmicas, além da linguagem e segurança.

Conteúdos Curriculares

Ética:

  • Respeito mútuo, justiça, solidariedade e diálogo.
  • Cidadania e democracia.

História:

  • Continente africano: dimensão cultural e artística.
  • Escravidão, abolição, abolicionistas e abolicionismo.
  • Danças, lendas e festas religiosas.
  • Algumas personalidades negras da música e da História.
  • Brasil: descobrimento, desenvolvimento e organização.

Meio ambiente:

  • Trabalhos com material reciclado.
  • Características do meio ambiente africano.

Arte:

  • Criatividade através da sucata.

Pluralidade cultural:

  • A diversidade étnica brasileira.
  • Linguagem.
  • Música.
  • Vestuário.

Geografia:

  • Divisão territorial do Brasil durante a colonização.
  • O continente africano.

Educação sexual:

  • A miscigenação.

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Metodologia

Já no início do ano letivo de 2008, o projeto Negritude foi apresentado a todas as turmas do Ensino Fundamental.

img-1783-3Reuni primeiramente os 2º e 3º anos à tarde e os 4º e 5º anos pela manhã, com o objetivo de observar a reação de interesse das turmas. Conversei sobre as inúmeras diferenças que constituem o nosso Brasil e sobre o quanto isso é enriquecedor para nós. Aproveitei para discutir com eles noções de preconceito, discriminação, desigualdade e escravidão. Ao fim, perguntei a qual etnia cada um deles pertencia. Nenhum dos meus alunos disse ser negro, havendo algumas confusões, porque colegas apontaram outros colegas, que por sua vez sentiram-se insultados.

No fim, fiz uma dinâmica de interação, na qual as crianças tiveram que se desenhar com o coração aparente e pintado. Recebi os desenhos e os misturei.

Entreguei a cada criança um desenho feito por outro colega.

Por fim, puderam ver que todos os desenhos eram diferentes, mas todos tinham o coração da mesma cor… Foi dado início ao projeto Negritude.

Tendo como base subsidiária o material didático já constante no livro de História, durante o segundo bimestre de 2008, o projeto foi descrito e colocado em prática levando em consideração critérios de maturidade e os conteúdos programáticos de cada série. Como encerramento do projeto, aproveitamos o Dia da Consciência Negra para promover uma mostra cultural e apresentar aos alunos da Educação Infantil, aos pais e aos visitantes o projeto Negritude e o produto desenvolvido por cada educando.

O projeto foi assim dividido:

• 2º ano: Iniciei, em forma de contação de história, com a biografia de Zumbi. De forma lúdica, explorei de onde e como vieram os negros para o Brasil, o que faziam e como viviam, o que era o quilombo e os principais quilombos existentes em nosso país. Quando comecei a falar da vida de Zumbi, todos ficaram muito curiosos para saber se ele existiu ou não. Mostrei a importância que ele teve e tem na herança da cultura negra.

Aproveitando a curiosidade sobre como era Zumbi, pedi que todos pesquisassem em casa algo sobre ele e trouxessem, na aula seguinte, informações que seriam trabalhadas na turma. Em relação à figura de Zumbi, cada criança iria criar um guerreiro Zumbi, feito a partir de material reutilizável e que seria exposto no dia da apresentação do trabalho.

• 3º ano: Através do projeto Zumbi, essa turma preparou pequenos seminários sobre o referido guerreiro a serem apresentados em dupla ou individualmente; deixei a critério dos alunos. Após a apresentação em sala, eram abertos debates com perguntas aos participantes sobre o tema. Esses trabalhos foram apresentados posteriormente aos visitantes da mostra cultural.

• 4º e 5º anos: Essas turmas trabalharam a história do continente africano como um todo: religião, música, comida e suas influências. Foram separadas em duplas, e cada uma explorou um tema específico, apresentado aos colegas dos 2º e 3º anos, ocasião em que se abriram debates sobre cada apresentação. Para essa explanação, as turmas dos 4º e 5º anos foram ao colégio no período oposto ao de suas aulas, e ficou a critério das duplas a confecção de maquetes ou cartazes para suas apresentações. Algumas delas mostraram o cotidiano das senzalas, os castigos dos negros e a geografia do continente através de maquetes; até a influência musical foi retratada através de maquete que representou Gilberto Gil.

Durante o encerramento, que culminou, conforme já mencionado, no Dia da Consciência Negra, os próprios alunos trouxeram DVDs de artistas negros, que foram colocados como fundo musical do evento; construíram, com palhas de coqueiro, uma espécie de senzala; vestiram-se de preto; as meninas encheram seus cabelos de trancinhas; e algumas duplas prepararam lembranças para os convidados. Toda essa articulação foi coordenada pela educadora Verônica Fragoso, respeitando de forma incondicional, entretanto, as ideias, a criatividade e os interesses dos alunos.

img-1783-4Avaliação

Trabalhar com projetos é sempre uma grande satisfação, pois, em determinado momento, eles ganham vida própria e de certa forma se autoconduzem.

Todos os alunos abraçaram o projeto e sentiram-se parte de sua construção, dando opiniões, desenvolvendo aptidões, interagindo de forma harmoniosa com colegas, conteúdo e visitantes.

A capacidade de articulação da linguagem entre o que se quer dizer e o que se fala é algo que já começa a ser construído desde esses momentos, combatendo eventuais inseguranças ou timidez.

Estudar História de forma interacional possibilita ao educando perceber-se enquanto agente histórico, combatendo definitivamente a ideia de aprender História com muitas leituras, que, por vezes, soam chatas e cansativas.

Tive um enorme prazer em perceber a responsabilidade, o compromisso e o quanto cada educando sentia-se importante e capaz ao conversar e expor seu trabalho a cada visitante da mostra.

Aos visitantes que passavam sem percebê-los, eles se encarregavam de ir até eles e trazê-los para a exposição, demonstrando a importância daquele trabalho em sua formação pessoal.

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