Edição 65
Matérias Especiais
O individualismo
Dom Orlando Brandes
Hoje confundimos pessoa, indivíduo, personalismo e individualismo. Nossa cultura está marcada pela supremacia do individualismo, em detrimento do altruísmo e do personalismo. O outro, o próximo, o semelhante, o irmão, o diferente, o necessitado é colocado em segundo lugar e até descartado. O individualismo globalizado se expressa na absolutização do ter, do poder e do prazer. Os outros são perdedores, descartáveis, sobrantes, excluídos. Vejamos alguns aspectos do individualismo hoje.
1. A arbitrariedade
O individualismo se manifesta na arbitrariedade, que é uma atitude de poder, de julgamento, de superioridade, de centralidade, de dominação. Quando a arbitrariedade significa desobediência, rebeldia, orgulho, entram em crise valores éticos, religiosos, sociais e a justificação dos interesses pessoais, caem as instituições, a objetividade, o bom-senso e o respeito pela verdade.
2. O bem material
A pessoa individualista desvaloriza o bem comum, a justiça social, a compaixão. O que interessa é o dinheiro, a ambição, a ganância, o lucro. O ter mais vence o ser mais. Cresce a indiferença pelo outro. A competição, a corrupção, a concentração dos bens aumentam a desigualdade social. Quem cai no individualismo torna-se insensível, cego, escravo de cálculos e ambições. Não se pergunta se os outros estão bem e não se interessa em ser bom para os outros.
3. A satisfação erótica
O erotismo é filho legítimo do egoísmo individualista, do amor desordenado de si mesmo, do prazer imediato e sem compromisso, que hoje se caracteriza pela orgasmomania e orgasmolatria, balbúrdia sexual. O machismo tem muito de egoísmo e erotismo. Acontece no erotismo a centralização do ego e a subjugação do outro, a afirmação de si e a negação do outro. A espiral do erotismo abre as portas ao alcoolismo, às drogas e ao vazio existencial.
4. A legitimação dos desejos
O consumismo, através da propaganda, trabalha com os desejos. Ora cria desejos, ora os aguça. Somos escravos de desejos desordenados. O mercado excita os desejos das crianças, dos jovens e adultos e os legitima como felicidade, bem-estar, autorrealização e autoprojeção. Promete mundos maravilhosos, messiânicos, efêmeros e eficazes. A vida é vivida como um espetáculo, uma satisfação de desejos, sensações e curtições.
5. A imposição dos direitos individuais
Eu quero, eu sei, eu desejo, eu tenho direito, eu decido, eu mando. É a defesa arbitrária de direitos individuais sem compromissos ético, religioso, jurídico, social. Não podemos ser prisioneiros das modas do momento e ferir a verdade, o bem, a justiça, defendendo direitos individuais de modo arbitrário, como, por exemplo, o aborto, a eutanásia, a clonagem, etc. Quem quer ser o único produtor de si mesmo acaba degradando-se.
6. A autossuficiência
Consiste em viver sem Deus, sem mandamentos, sem a família, sem o matrimônio e sem a comunhão com os outros, sem os valores objetivos. É a indiferença pelos outros, pelas instituições, pelas normas, num narcisismo sem limites. O autossuficiente é folgado, agressivo, independente, onipotente, com grande risco de tornar-se delinquente.
7. A independência
O individualismo é egolatria, autonomia, solidão, rebeldia. Os conflitos da independência começam em casa, no namoro, na escola e no estilo de vida liberal, independente, permissivo. A pessoa pautada pela independência assume atitudes de arrogância, arbitrariedade, indiferença, antipatia e agressividade. Chega a ser antissocial e contestadora das realidades objetivas da vida.
8. O egoísmo
A centralização de si, o egocentrismo, é um dos piores recalques da humanidade. Quando socializado, o egoísmo tem o nome de lucro, sucesso, consumismo, livre escolha. O que vem primeiro são as diversões, a curtição, o imediato, a estética, a dimensão lúdica da vida. O importante é o agora, o espetáculo, as distrações, o corpo.
O egoísmo globalizado gera povos da opulência e povos da indigência, alarga as desigualdades entre ricos e pobres, o império do mercado e a iniquidade social. O egoísmo é o caminho do abismo.
Dom Orlando Brandes é arcebispo de Londrina, PR. Foi professor de Teologia no Instituto de Teologia de Santa Catarina; reitor do Seminário Maior, em Florianópolis; e diretor do Instituto de Teologia de Santa Catarina.