Edição 125
Profissionalismo
O medo, a gente enfrenta
Nildo Lage
Medo? Quem ousa encarar essa avantesma sem estremecer declarando: “Nem venha, porque não me intimida! Não tenho temor de nada!”?
Quanta hipocrisia! Todos temos ansiedade, preocupações excessivas, estresse, apreensão e instantes de depressão na trajetória do viver. Fraquejamos por termos medo de algo! Muitas vezes nem apreendemos, mas abrimos mão de algo por medo de, simplesmente, arriscar. Coragem, perseverança? Para poucos!
Os durões podem contrafazer, camuflar, até nomeá-lo de irracional, patológico… Mas, na prática, têm medo. Medo de amar demais, de sofrer exorbitantemente, de altura, de perder, de mudanças, de morrer e, até mesmo, de viver sem um ideal. Afinal, medo não é doença que se contrai, é circunstância que, na maioria das vezes, esquadrinhamos ao alimentarmos os espectros que aceiram o viver à caça de uma vítima.
Do medo, ninguém se esquiva, seja medo afetivo, emocional, de um risco eminente, de ameaças, de perdas humanas e, por que não?, da consciência de que a existência nos posiciona na vereda do fim a cada passo rumo ao desconhecido.
De tal modo, o medo é um fantasminha não camarada que incomoda, tira o sono… De tão aterrorizante, desequilibra, pois a perturbação, muitas vezes, expõe ameaças irreais. E, por ser uma reação involuntária, consequente das substâncias químicas liberadas pelo cérebro, atenta reações que vão desde a angústia e o disparo do coração até a disritmia do sistema respiratório.
Tais consciências suscitam sentimentos que transitam entre mente e íntimo, provocando desconfortos e instabilidade, e até os equilibrados, que ostentam assegurando que o superam, têm momentos de revés, pois medo rui forças e abala o íntimo a ponto de desestabilizar o eu.
Quando não o sobrepujamos, permitimos ser suplantados, porque medo é inimigo do eu; ele é perspicaz, taciturno e preciso, pois não erra o alvo. Afetar as vítimas no ponto vulnerável é o seu propósito, por ter ciência do momento certo para atuar e da magnitude do golpe para arremessar por terra o oponente. Porque viver é um procedimento que não poupa situações de intimidação; medo é o retorno da reação desses percalços. Todavia, subsistir constitui norte, equilíbrio, excepcionalmente psicológico e emocional, para que as teratologias que cunhamos e alocamos dentro de nós não nos sobrepujam a ponto de nos entocarmos com receio de o afrontar. Na temporada de guerras, medos são dispersados aleatoriamente, proporcionando tamanha incerteza que alcança dimensões globais, a ponto de acender o medo de ser extinto no passo seguinte. Para prosseguir, é primordial força interior, estrutura psicológica, emocional, para encarar as monstruosidades que nos intimidam e bradar: “O medo, a gente enfrenta!”.
Porque viver é um procedimento que não poupa situações de intimidação; medo é o retorno da reação desses percalços.”
Educação X medo
No espaço escolar, tudo é mais difícil, porque esse ambiente agrega o medo de todos. Medo do professor, que entra em pânico só de imaginar ficar desempregado em meio a uma crise e, para sustentar o emprego, arrosta o medo instigado pela indisciplina do aluno, além de transitar na onda do medo de não cumprir as expectativas do sistema; medo dos gestores, cujo cotidiano de pressão acende o medo de não atingir desígnios pedagógicos e procedimentos administrativos, afinal, liderando num universo de conflitos e medos, é impossível não errar, e a perspectiva de errar o alvo do outro origina o medo que desequilibra; medo dos pais, que alarmam pela espera de não formar o filho para o mercado, por não ter tempo suficiente para acompanhar o seu desenvolvimento, por doenças e, até mesmo, por não o auxiliar nas escolhas que podem acarretar fracassos; medo dos alunos, que sonham num espaço que, muitas vezes, poda oportunidades, e essa agonia de não realizar esses sonhos por meio dos estudos alimenta o nervosismo, suscitado pelo medo de não alcançar alvos pessoais, de não suportar a pressão de um vestibular, desafiando o sistema a proporcionar subsídios para amparar, até mesmo clinicamente, as suas vítimas.
E nem é preciso investigações para compreendermos o poder do medo, pois seus sintomas se refletem nos olhares em fuga, semblantes consternados, nos quais o “bata ou corra” se torna alternativa para se esquivarem do medo que assombra a humanidade: o fim.
A instabilidade emana seus indicativos nos medos que são confundidos com fobia, pânico, ansiedade, consternação. É medo de tudo, de todos, até mesmo do próximo, quando a convivência enfadonha origina o elo do desafeto, cujo aspecto de detrimento causa jeriza.
São tantos medos que o espaço escolar se converteu num palco de instabilidade para os que devem cumprir a missão de reconduzir vidas por meio do conhecimento, pois vozes são asfixiadas, e tudo que se ouve são ecos que ressoam ensurdecedores por salas e corredores: professores, medo de quê?
O sistema tem a resposta na ponta da língua! Por conhecer caminhos, atalhos camuflados, a vereda para reconduzir. Na verdade, nem deveria questionar: medo de quê?
Mas, se quer tocar na ferida, vamos direto ao foco: medo do ambiente de trabalho, que a cada dia fica mais enfadonho, graças à violência não apenas discente, mas de pais que chegam para decidir as divergências dos seus filhos no grito e, se necessário, na porrada.
Nessa luta desigual, professores se convertem em para-choque, os responsáveis estimulam os filhos a trilharem o mesmo caminho: o da violência, que obriga as vítimas a retroceder, acossadas pelo medo.
Ser professor no Brasil é se submeter à regra que bifurca em dois reveses: desempenhar protocolos para rechear relatórios ou vestir a capa de super-herói para suplantar os medos que transitam na sala de aula, e tais atuações alocam em xeque a liberdade docente, que, sem autoridade, confronta com as argileiras que o impossibilitam de exercer a profissão, cujo desígnio é a formação.
O caos é de uma grandeza que originou uma crise humanitária no planeta Educação. A deficiência de respeito pela profissão, pelo humano professor, ultrapassou o absurdo, e os que não são afastados por incapacidade abdicam para se libertar da asfixia pelo acúmulo de tensão incitada, pela cadência de conflitos e frustrações e por não terem suporte da família e aporte do sistema, como formação e condições de trabalho.
Esse acúmulo se converte em alento que fortalece o agente que se alimenta da desestrutura psicológica e emocional: o medo. E não é necessário radar para rastrearmos olhares em evasão ou perdidos num céu sem horizontes. Olhares que se encontram e, às vezes, se entendem, mas não vislumbram um portal de saída, porque a fereza não permite o mínimo de avanço pelo fato de o medo neutralizar os propósitos do professor.
Todavia, agressões, muitas vezes invisíveis, incitam não apenas o medo, mas a insegurança, e o vulnerável professor não tem alternativas, tão somente, reações muitas vezes de decepção, e tudo que se vê são olhares perdidos que tricotam em meio aos fios da teia das ações supérfluas do sistema, que não define aonde quer chegar.
Atos e atitudes que raptam sonhos e afugentam projetos de vida sem comprometimento com a própria vida.”
Atos e atitudes que raptam sonhos e afugentam projetos de vida sem comprometimento com a própria vida. Tudo é fácil para um sistema desnorteado; é tudo novo, simples, porque a vida estabelece que sigamos adiante, e, como prosseguir é regra, progredimos às cegas, imperando o silêncio, para que o rugir dos dominadores retumbe como alerta de que se submeter aos medos é melhor que se automutilar e extinguir a própria existência.
Sendo assim, medo de quê? Do desrespeito, da desvalorização e, excepcionalmente, da precariedade da profissão. Não podemos admitir que profissionais sejam suplantados para cederem espaço à heresia de um sistema que salienta a nova era que ameaça caracterizar o humano professor para alojá-lo numa bolha.
A única certeza é a ciência de que sonhos persistirão enquanto houver vida, porque sonhar é uma necessidade, mesmo que essa alusão seja tão somente um impulso para prosseguir e desvendar, no passo seguinte, que viver é uma metodologia. Todavia, o processo educacional estabelece ser moldado para constituir o que realmente ambicionamos: sermos felizes!
O fato é que os autênticos professores se fortalecem, encontram forças para desafiar e suplantar o medo num ambiente agressivo, romper a incerteza e prosseguir. O amor pela profissão é de uma altivez, e desistir não é uma opção; mesmo entre fracassos e até acossados pelo terror do espaço escolar, não abdicam.
Não desistem porque a energia que os move é a esperança de contemplarem a vitória dos seus alunos e, assim, inventam, reinventam, e esses compassos de improvisos despontam como metodologias que granjeiam formas, impelem a avançar, levam-nos além para exceder a violência doméstica, urbana e, assim, romper o medo das ameaças da trajetória. Para os heróis da educação, o medo acossa, muitas vezes intimida, obriga a recuar, mas, por amor à profissão, ao seu aluno, não abandonam o posto.
Não desistem, porque o amor pelo ensinar os doutrina a não temerem reptos, e é essa energia que gera força, ilumina vidas no tenebroso planeta Educação e os torna únicos, imbatíveis, mesmo não reconhecidos numa sociedade cada vez mais fragmentada pelos tremores sociais.
Pois a vontade de serem uma referência na vida daqueles que passam sob sua regência transcende o medo, o descaso de um sistema que dissemina injustiças, compelindo gestores, famílias e educadores a travarem uma quebra de braços ininterrupta, cuja regra é não permitir que o grito de medo retine pelos corredores da escola.
E o silêncio que impera asfixia o grito de um setor que não consegue formar pelo fato de os formadores não receberem formação, desencadeando uma competição em que os maiores perdedores são os alunos que buscam, nesse espaço de tensão e medo, a oportunidade para conquistar um lugar ao sol.
Desse modo, não é necessário reportar o eco: PROFESSORES, MEDO DE QUÊ? Temos ciência de que é nas dependências da escola que a brutalidade social e familiar são manifestadas, mas é, ainda, onde sonhos são delineados; a esperança de um mundo melhor adquire forma, consistência; os medos despontam como agentes que arrostam para superar a vida, gerando a barreira que encurrala nos labirintos que expõem aos próprios fantasmas, estabelecendo que a obrigação dos envolvidos é a saída da desordem.
É nessa linha do horizonte que os heróis da educação despontam, empunhando a esperança como arma para resguardar vidas, o amor como instrumento igualitário no intuito de humanizar o setor e, assim, ser a diferença. Mergulham tão fundo que superam agressões, desamores, descasos, e, nesses ritmos de buscas, fracassos e conquistas excedem aos próprios medos.