Edição 48

Lá Vem a História

O príncipe, o professor e a águia

Amina Shah

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Certa vez, havia uma rainha cujo marido morreu quando o filho tinha apenas cinco anos de idade. Ela foi nomeada rainha regente até que o príncipe completasse dezoito anos e estivesse habilitado para governar.

A única falha da rainha era que ela amava demasiadamente seu filho, Hassan, permitindo que ele fizesse qualquer coisa que quisesse. Desse modo — embora ela fosse, em todos os aspectos, uma boa soberana —, seu filho tornava-se mais e mais voluntarioso à medida que crescia.

Um dia, ela mandou chamar o grão-vizir e lhe inquiriu: — Diga-me francamente o que posso fazer com o meu filho. Ele é ousado, tem o espírito impetuoso, e, por isso mesmo, é muito difícil controlá-lo. O que pode ser feito para corrigir suas falhas, antes que seja tarde demais?

O grão-vizir respondeu:

— Coloque o príncipe sob os cuidados de um professor, de modo que ele possa descobrir a sabedoria.

— Onde há um professor que possa ajudar o meu filho?, perguntou a rainha.

— Há, neste momento, na cidade, um homem idoso e sábio que está a caminho de Al-Azhar, a Universidade do Islã. Se eu for ao seu encontro e lhe falar da necessidade que o príncipe tem de seu ensino, talvez ele possa vir até nós.

— Traga-o aqui imediatamente, se você conseguir, disse a rainha.

Então, o vizir partiu e retornou com o professor, que tomou o príncipe sob seus cuidados.

Todos os dias, o ancião e o garoto sentavam-se para ler e estudar.

O professor lhe falava das maravilhas do mundo, da sabedoria do sagrado Corão e da exata ciência da Álgebra.

A cada semana, a rainha mandava chamar o professor e lhe

perguntava:

— Como está progredindo o meu filho?

E o professor simplesmente balançava a cabeça e ia embora.

Um dia, a rainha perguntou:

— Professor, como está progredindo o meu filho até este momento?

— Ele ainda não aprendeu que um príncipe deve ser humilde, que um rei é um servo de seu povo e que não há nenhum

poder a não ser somente o de Alá.

— O que podemos fazer?, perguntou a rainha.

— Permita, Vossa Majestade, que eu o leve comigo, pediu o professor. Se nós pudermos ficar mais próximos da natureza, talvez eu possa ajudar a alterar as maneiras dele.

A rainha concordou, e os dois partiram em viagem vestindo roupas muito simples, como as que usam os mendigos itinerantes.

Então, ao final do primeiro dia de viagem, enquanto estavam sentados ao lado de uma pequena fogueira e preparavam um café, dois pássaros chegaram, como se viessem de lugar nenhum. Pousaram sobre a mochila do ancião e começaram a gorjear.

— Anos atrás, aprendi a linguagem dos pássaros, disse o professor. Mas arrependo-me agora de tê-la aprendido.

— Por que está arrependido?, perguntou o príncipe.

O professor não iria, a princípio, explicar ao garoto o que queria dizer, e os pássaros voaram embora. Hassan o atormentou para que respondesse, e, por fim, o ancião atendeu ao seu pedido.

— O primeiro pássaro estava dizendo que, no tempo em que você for rei, haverá muito deleite para os pássaros que comem frutos. Jardins e pomares serão abandonados, e os pássaros poderão banquetear-se neles em paz. Não haverá ninguém para afugentá-los, porque o povo terá ido embora desta terra. As pessoas não irão permanecer sob o comando de um rei tão impopular.

— E o que disse o outro pássaro?, perguntou Hassan.

— O segundo pássaro disse que, como haverá muitos gafanhotos para comer, ele também será feliz. Disse que não ficarão no local pessoas em número suficiente para acender fogueiras nos campos e afugentar os gafanhotos com a fumaça quando esses insetos vierem, foi a resposta do ancião.

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No dia seguinte, eles chegaram a um oásis, onde dois camelos bebiam água. Quando os viajantes enchiam suas garrafas, cada um dos camelos começou a roncar e resmungar, como fazem os camelos, e o ancião sorriu ao ouvi-los.

— O que os camelos estão dizendo?, perguntou o príncipe. A princípio, o professor não iria dizer, mas Hassan insistiu muito e, por fim, conseguiu fazê-lo falar.

— Eles estão se queixando do fato de que, no tempo em que você for rei, haverá tantas pessoas neste oásis dando de beber aos seus animais e aprontando-se para deixar o país, a fim de tentar obter um meio de vida em outro lugar, que dificilmente eles terão aqui o que beber, disse o professor.

— Durante alguns dias, o ancião e o príncipe seguiram viajando, quando outra vez chegaram a uma paragem que era ao pé de uma alta montanha.

No topo de uma saliência rochosa, havia um ninho de filhotes de águia, com a ave-mãe alcandorada a seu lado.

Como se aproximavam, eles podiam ouvir a águia dando guinchos estridentes aos seus filhotes, e o ancião os traduziu:

— Ela está dizendo aos seus filhotes que, quando eles estiverem inteiramente crescidos e você estiver no trono, eles deverão caçar cordeiros gordos no reino vizinho ao seu, pois os que houver aqui serão franzinos e descarnados. Lagartos e cobras irão aquecer-se ao sol em meio às ruínas de sua cidade capital, e a grande mesquita ficará vazia às sextas-feiras quando você for rei. A menos que…

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Ele se calou, mas Hassan insistiu:

— Por favor, queira contar-me o que está dizendo a águia.

— Ela está dizendo que, se você corrigir as suas maneiras agora e melhorar dia após dia, então o seu nome será amado, e o seu reino será feliz e muito povoado.

O príncipe nada falou, mas o professor conseguia ver que ele estava pensando acerca do que havia ocorrido.

— Podemos voltar agora ao palácio e prosseguir com os nossos estudos?, perguntou o ancião. Hassan inclinou a cabeça, fazendo que sim.

Eles voltaram pelo mesmo caminho que haviam feito, e o professor estava feliz de ver que seu aluno se tornava, a cada dia, mais ponderado e educado. Quando chegaram de volta ao lar, Hassan afinal parecia ser capaz de entender em que consistiam as lições do mestre e, agora, tentava realmente aprendê-las.

O ancião foi ao encontro da rainha e disse:

— Em breve, eu poderei partir, pois o príncipe está ficando pronto para tornar-se um rei. Ele será um bom rei, pois agora sabe que, antes que uma pessoa possa governar os outros, é preciso que ela seja capaz de governar a si mesma.

A rainha ficou muito feliz e satisfeita e ofereceu ao professor uma posição na corte. Mas ele disse:

— Não, eu preciso prosseguir em meu caminho, pois ainda tenho muito trabalho a fazer.

Quando chegou o momento de Hassan tornar-se rei, ele se lembrou das coisas que seu professor lhe havia ensinado e governou bem e com sabedoria até o final de sua vida.

SHAH, Amina. Contos da Arábia: o Príncipe, o Professor e a Águia. São Paulo: Kadyc, 1998.

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