Edição 92

Espaço pedagógico

O que a escola empreendedora faz

Hamilton Werneck

Entre a linearidade e a complexidade, a escola empreendedora fica com a segunda opção, pois sabe que o mundo é complexo, caótico-estruturado, cheio de fatos recorrentes, intenso, dialético e muito parecido com as experiências de Ilya Prigogini (cientista de origem russa que, em 1977, recebeu o Prêmio Nobel de Química), que resultaram na Lei da Precessão.

Entende a escola empreendedora, embora nossa realidade seja repleta de faces lineares, que a aula, expressão máxima dessa linearidade, precisa ter uma função supletiva, de suporte, e não de centralidade didática.

Num processo empreendedor e complexo, as pessoas podem deixar de ser as mesmas após uma conferência ou um curso, devido ao choque de ideias ali verificado, como também vale a afirmação atribuída à Madre Tereza de Calcutá: “Ninguém tem o direito de sair de perto do outro sem deixá-lo melhor”.

A suposição básica de uma escola empreendedora é de que esse ato educacional, que visa às transformações, muda as pessoas, o meio e está aberto às diferenças imprevisíveis que se apresentarem durante o processo.

Uma escola assim estará mais fixada no processo do que, propriamente, no produto.

Outro pensamento importante é o de Buda:

Aprender é mudar.

mulher-pensando_shutter_optAlém do óbvio

Por outro lado, a escola, nessa forma em que está sendo apresentada, não pode ser uma “fábrica de conhecimento”, entendendo-se essa fábrica como o meio capitalista de produzir, isso para lembrarmos de uma das críticas feitas à universidade americana por Aronowitz.

Uma escola empreendedora sabe de suas obrigações legais, porém tem certeza de que precisa abrir espaços para a criatividade. Ela precisa agir como a empresa que oferecia aos seus empregados 20% do tempo da semana para inventar. Nesse tempo, não se produzia, pensava-se no futuro, era um tempo para o ócio criativo. O resultado, conhecemos: um dos funcionários, o turco Orkut, iniciou um site de relacionamento conhecido no mundo inteiro pelo nome de seu criador.

Essa empresa fez o que as escolas deveriam fazer: ensinar a ser criativo no lazer e a ser especializado no que não existe. Portanto, uma escola empreendedora deve trabalhar além das matérias a serem lecionadas. O que mais interessa é ser capaz de entender a metadisciplina.

Empreender dentro das escolas inclui duas coisas importantes em nossa consideração: ser capaz de atender às exigências curriculares fazendo constantes adaptações e ultrapassando-as para garantir a preparação ante o futuro desafiador.

Há dois anos, o senhor Bill Gates fez uma conferência e “profetizou”, diante da plateia, que nos próximos dez anos estavam por surgir oito dentre as mais importantes carreiras com as quais a humanidade conviverá. Como já se passaram dois anos dessa conferência, restam-nos oito anos!

O que as escolas ensinam em relação ao futuro é muito pouco. Precisam investir nesse campo. Ele é atraente e desafiador. Isso é mais importante que incutir medo nos alunos em relação às provas que serão aplicadas.

Com a ideia de que o conhecimento é riqueza e que os alunos devem estar preparados para ultrapassar situações ainda desconhecidas, essa escola estará segura quando trocar a certeza pela ambiguidade. Por sua vez, essa ambiguidade parte do indivíduo, de suas características próprias, suas diferenças e sua capacidade de inventar.

Os erros nas escolas empreendedoras são fonte de conhecimento. Na cidade de Cajazeiras, na Paraíba, reuni-me com 150 educadores por uma semana. Todas as tardes eles escreviam uma síntese sobre os debates do dia e faziam comentários visando à aplicação à realidade. Davam-me a leitura após o jantar. Anotava em uma folha à parte todos os erros encontrados e analisava suas origens dentro daquele contexto. No dia seguinte, escrevíamos numa grande folha de rascunho as palavras ou expressões, conforme determina a norma culta da Língua Portuguesa.

Um sinal discreto em cada síntese indicava as imprecisões ou mesmo os erros. Eles serviram para o aprimoramento do grupo, sem alardes, sem rabiscos gigantes e sem a retirada de pontos, caso as sínteses recebessem notas. Era um pequeno empreendimento a ser construído a cada dia.

Todas as escolas têm os seus laboratórios. Se eles não existem em salas especiais, encontram-se na vida e no ambiente em que as pessoas vivem.

Explore isso e dê ênfase aos anseios dos alunos!

Entre um “paper” e as experiências das pessoas (professores, pais, vizinhos da escola, profissionais convidados e voluntários), a escola empreendedora escolhe as experiências pessoais. Os educandos começarão a ver que muita coisa, além do que aprenderam, construíram por conta própria, empreenderam, e suas atividades e projetos deram certo.

A razão mostra o caminho, mas a emoção o impulsiona. Sem emoção, não há educação. O que faz o aluno buscar solução, ficar na escola além do horário, ler autores diferentes dos indicados pelos professores, realizar um projeto mesmo nos feriados é a emoção. Quando se trabalha a nota como simples moeda de troca, essa escola está morta e não sabe. Parece estarmos diante de uma realidade exposta numa conferência em Ribeirão Preto, pelo professor José Pacheco da Escola da Ponte: “Os professores portugueses morrem aos 20 anos e são sepultados aos 70. Passam toda a vida produtiva dentro das escolas como se estivessem mortos, porque não lhes avisaram de tal fato. Isso ocorre, por exemplo, em Portugal. Não me consta que exista isso no Brasil ou em outro país latino”.

Empreender depende da mudança do fluxo do aprendizado. Se a tradição determina que tudo chega de fora para dentro, é preciso inverter essa situação para se chegar ao conhecimento, senão ficamos, apenas, na informação. O principal fluxo é de dentro para fora, pois demonstra interesse, motivação e adesão ao que está sendo proposto.

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Essa força que vem de dentro das pessoas garante os avanços dos projetos em vários setores. Se as disciplinas lecionadas dão suporte a vários projetos, cada um indicará aos alunos quais disciplinas estarão sendo necessárias e quais partes delas devem ser buscadas para que o projeto se realize. As disciplinas existem para facilitar o desenvolvimento dos vários empreendimentos.

Cada empreendimento, devidamente acompanhado, poderá ser avaliado em cada um de seus passos, demonstrando que a avaliação em processo é um fato a se tornar corriqueiro.

mulher_professora_bibli_optMas qual seria o tempo satisfatório para se dar conta de tantas tarefas numa escola empreendedora? Integral ou semi-integral. Não podemos pensar numa escola de tempo integral para os alunos receberem um ensino propedêutico, com aulas e provas durante seis ou oito horas por dia. Tal ensino já está sendo criticado quando se trata da “geração digital”, que se apresenta como desejosa de mais aprendizado, e não, simplesmente, instrucionismo. Aumentaríamos o tempo das aulas e não transformaríamos a escola. Verbas governamentais ou mensalidades maiores não representariam retorno social.

Uma escola empreendedora de tempo integral ou semi-integral deveria ser buscada, dentro de um prazo razoável de uma década, quando a pressão da população já não fosse tão forte, demandando vagas em número maior. Nossa população está com crescimento vegetativo em baixa, tornando a base da pirâmide significativamente menor. Tudo isso viabilizará, para governos e entidades particulares de ensino, a volta à experiência de uma escola de tempo integral, com o desenvolvimento de projetos acompanhados pelos professores e demais orientadores.

Podemos ter estudos e preparação de projetos em todos os turnos dependendo da série, do estágio de desenvolvimento do educando e de seus interesses. Um aluno, ao final do curso, estará muito mais bem preparado para a vida que a nossa sociedade requer e, para a satisfação dos que desejam ingressar no ensino superior, atravessar a barreira dos vestibulares não será uma façanha impossível. Mais motivado por esse tipo de escola, certamente o educando estudará muito mais.

Fazer perguntas e questionamentos em reuniões, aulas e momentos de planejamento será visto como algo normal, porque os envolvidos no processo não terão respostas prontas. Saber perguntar, para uma escola empreendedora, sempre será tido como melhor que saber responder.

Revista Profissão Mestre. Curitiba: Humana Editorial. Ano 8. N. 89.

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