Edição 92

Matérias Especiais

Pós-modernidade e fraternidade: em defesa da vida

Rosangela Nieto de Albuquerque

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Campanha da Fraternidade 2017
Fraternidade: biomas brasileiros em defesa da vida.
Lema: Cultivar e guardar a criação (Gn 2,15)
Rosangela Nieto de Albuquerque

A Campanha da Fraternidade 2017 vem propor uma reflexão acerca da fraternidade em defesa da vida, através de um olhar pautado na luta pela preservação da natureza e da relação entre a sociedade e os biomas brasileiros. O IBGE enfatiza que o País possui seis grandes biomas e que perfaz a maior biodiversidade do planeta. Nesse sentido, a Campanha da Fraternidade vem suscitar a defesa da vida através da mudança de comportamento do sujeito, pautada em ações de partilha, de igualdade, de equilíbrio; portanto, propõe uma vida fraterna. O sujeito contemporâneo — pós-moderno —, impregnado pelas novas configurações, precisa lutar contra a desigualdade social, contra a perda da biodiversidade, contra o capital exploratório e a deterioração da qualidade de vida. E, para chegarmos a esse status, é necessário desenvolver um novo olhar acerca da relação harmônica entre os povos e os biomas, entre a natureza e a vida, e para isso é importante desenvolver a fraternidade.

Problemas ambientais no Brasil

O Brasil vivencia diversos problemas ambientais que certamente prejudicam os seus biomas, e os principais prejuízos são a poluição da água, do ar e do solo. O comportamento do homem é crucial em relação aos danos à natureza: o desmatamento, o desperdício de alimentos, o depósito do lixo em locais inadequados, a caça e a pesca predatórias, entre outros, que causam impactos negativos ao meio ambiente e também provocam o aquecimento global. O comportamento predatório do homem tem sua raiz na expansão urbana, no aumento do consumo de recursos naturais e na explosão demográfica, o que, certamente, desencadeia impactos negativos na vida na Terra, ocasionando a extinção de espécies, fazendo declinar populações, reduzindo o crescimento, provocando doenças e anomalias genéticas.

A sociedade brasileira sente os efeitos combinados desses problemas, e, evidentemente, os mais pobres sofrem mais. Os projetos e programas governamentais, por meio das políticas públicas, são variados e dedicados à prevenção e ao combate aos danos ambientais, mas os resultados são pouco eficientes, pois o caminho está na conscientização de todos (consciente coletivo), através da educação, no lar, nas escolas e nas instituições, e do comportamento público. É necessário pensar para a vida — em defesa da vida — e desenvolver no sujeito o pensar para o futuro próximo, pensar nas pessoas, no outro, nos filhos, nos netos, nas futuras gerações, e, para isso, tem que se “ensinar” a partilhar, a com-partilhar, a preservar a natureza, os biomas brasileiros. O caminho, a maioria da sociedade já conhece ou já ouviu falar, mas a atitude, a ação, ainda carece de mudança para uma postura cidadã, fraterna.

cidade_seca_caveira_shu_opt

mulher_jovem_ajudando_i_optPós-modernidade e fraternidade – em defesa da vida

Fraternidade é o sentimento-chave da cidadania, e, de maneira geral, ela não é independente da liberdade e da igualdade, pois estão entrelaçadas e relacionadas à dignidade do homem.

A fraternidade tem um caráter anacrônico e vem expressa na Declaração Universal dos Direitos do Homem, em que se estabelece que todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos. O homem, dotado de razão e de consciência, deve agir com o outro em espírito de fraternidade. Muitas vezes, fraternidade é confundida com solidariedade; observa-se, então, que fraternidade expressa plenos direitos (sociais, políticos e individuais) e a dignidade dos homens; e solidariedade é um ato de bondade com o próximo ou um sentimento entre os membros de um grupo.

O Direito Fraterno (Resta, 2004) nos remete à fraternidade anacrônica, isto é, independente do tempo histórico. A fraternidade existe, mas o modo como é utilizada é que muda o contexto social, como exemplo temos a ideia do pharmakon, um termo grego que pode significar, dependendo da forma como o utilizamos, ao mesmo tempo, remédio e veneno.

A reflexão acerca da fraternidade no tempo atual nos remete ao projeto de modernidade, que chegou e dissolveu em processos representativos de alto teor burocrático e tecnocrático a soberania popular, mascarando assim o “democrático da democracia”. Esse paradigma estabelece a colonização da comunidade pelo Estado e pelo mercado, mudando o comportamento do sujeito e a sua postura social/coletiva. Considerando que a fraternidade se configura na comunidade através de ações e atividades participativas de caráter intersubjetivo, compreende-se que o princípio da fraternidade foi um fato proposital do contexto pós-moderno, e, certamente, um artifício para implantar o projeto de pós-modernidade liberal-burguês. Para que uma democracia com participação efetiva possa ser legítima, deve ter a fraternidade como pressuposto básico em sua práxis.

O conceito de pós-modernidade nos últimos anos promove discussões relativas à teoria social, à arte, e à literatura. Já a noção de pós-modernidade está pautada na rede e nos modelos pós, — pós-capitalismo, pós-urbano, pós-imperialismo, pós-liberalismo, pós-marxismo — e enfatiza o mal-estar social e a necessidade de renovação da filosofia, das artes, das ciências.

As características da pós-modernidade podem ser resumidas em algumas reflexões. Para Bauman (2007), as relações sociais atuais estão numa situação crítica, a qual ele denomina de modernidade líquida e modernidade sólida, isto é, uma que representa o novo mundo, a pós-modernidade; e a outra que define a modernidade, a sociedade industrial, a sociedade da guerra fria.

A sociedade líquida para Bauman (2007) está relacionada à sociedade das relações fluidas, das relações frágeis; uma sociedade em que a fixidez de uma amizade, de um relacionamento, já não mais está fixa ou duradoura. Essa estrutura social tem indivíduos que sabem o seu destino desde o nascimento, isto é, somos viventes de um espaço social onde fazemos opções pelo nosso futuro e também somos responsáveis pelo nosso fracasso. Em linhas gerais, há uma volatilidade, isto é, ninguém é… está.

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A pós-modernidade apresenta-se pelo predomínio do instantâneo, da imagem, do som e da velocidade, pela diminuição das fronteiras; pelo mundo virtual. Nas cidades há o caos, a insegurança, tudo é fugaz… o mundo mudou… Mudam-se os valores; predominam o individualismo, o novo, o efêmero, o fugidio; a necessidade de rapidez e a aceleração transformam o consumo. Observa-se uma velocidade nunca vivenciada, e tudo é descartável (objetos, relações). A informatização, a telemática e o caixa-rápido 24 horas são implantados, e os objetivos mudam. A publicidade promove a sedução, manipula desejos, cria novos signos e imagens, articula eventos supervalorizados como verdadeiros espetáculos, então há uma hipervalorização do que a mídia expele, provocando a mercadificação de coisas e suscitando desejos e gostos. Nesse contexto, os pobres se fazem presentes nos acontecimentos de massa, que muitas vezes são ofertados como lugar de deslocamento das energias para um controle social (o pão e o circo).

O mundo mudou… a postura da sociedade emerge conforme o paradigma pós-moderno. Hoje, o DVD, o CD, o MP3, MP4, a clonagem, o implante de órgão, próteses e órgãos artificiais engendram uma geração de seres, mais artificiais que naturais, que colocam em xeque a originalidade ou naturalidade do humano (SILVA, 2000). Infelizmente, muitas vezes a fraternidade fica em segundo plano, as relações entre as pessoas são frágeis e não se pensa no futuro. Esse comportamento é estabelecido também na natureza.

A liquidez das relações afetivas, que são estabelecidas de maneira frágil, vem sendo resultado de uma sociedade dita “tecnocrática” (BAUMAN, 2007) e de um vazio existencial, que contribui para o fracasso das relações sociais interpessoais, em que o outro é visto como um ser descartável ou um bem de valor negociável (BAUMAN, 2007).

Nesse sentido, para se compreender a complexidade e a decadência do que é ser humano nos tempos modernos, Bauman (2007) utiliza o termo liquidez, com que é possível observar a dissolução da crença incondicional no poder libertário da razão, que permitiria ao homem alcançar a tão almejada felicidade (Iluminismo).

Para Fromm (2000), a disposição “ter” em contrapartida ao “ser” leva o indivíduo a acreditar que ele pode alcançar um estado de felicidade nas aquisições de bens materiais, adquiridos avidamente nas suas compras. Assim, há uma relação diretamente proporcional entre bem-estar e volume de compras. Para Fromm, consumir é uma forma de ter, e talvez a mais importante da atual sociedade abastada industrialmente. Assim, consumir apresenta qualidades ambíguas: alivia ansiedades porque o que se tem não pode ser tirado, mas exige que se consuma cada vez mais, pois o consumo anterior logo perde a sua característica de satisfazer. Os consumidores modernos podem identificar-se pela fórmula: eu sou o que tenho e o que consumo.

Nesse contexto, a pós-modernidade tem se apresentado em contraposição ao princípio rousseauniano da comunidade, isto é, para Rousseau, uma sociedade fraterna deve construir uma relação horizontal cidadão-cidadão de caráter político-participativo, e não o que vivenciamos atualmente, uma relação política vertical cidadão-Estado.

Este novo sujeito — pós-moderno — nos faz refletir sobre como sustentar a fraternidade numa sociedade em que as pessoas são descartáveis, substituídas, e esvaecem conforme o contexto. Como estabelecer um equilíbrio da partilha, da igualdade, da dignidade e na defesa da vida?

A pós-modernidade apresenta-se pelo predomínio do instantâneo, da imagem, do som e da velocidade, pela diminuição das fronteiras; pelo mundo virtual. Nas cidades há o caos, a insegurança, tudo é fugaz… o mundo mudou… Mudam-se os valores; predominam o individualismo, o novo, o efêmero, o fugidio; a necessidade de rapidez e a aceleração transformam o consumo. Observa-se uma velocidade nunca vivenciada, e tudo é descartável (objetos, relações). A informatização, a telemática e o caixa-rápido 24 horas são implantados, e os objetivos mudam. A publicidade promove a sedução, manipula desejos, cria novos signos e imagens, articula eventos supervalorizados como verdadeiros espetáculos, então há uma hipervalorização do que a mídia expele, provocando a mercadificação de coisas e suscitando desejos e gostos. Nesse contexto, os pobres se fazem presentes nos acontecimentos de massa, que muitas vezes são ofertados como lugar de deslocamento das energias para um controle social (o pão e o circo).

O mundo mudou… a postura da sociedade emerge conforme o paradigma pós-moderno. Hoje, o DVD, o CD, o MP3, MP4, a clonagem, o implante de órgão, próteses e órgãos artificiais engendram uma geração de seres, mais artificiais que naturais, que colocam em xeque a originalidade ou naturalidade do humano (SILVA, 2000). Infelizmente, muitas vezes a fraternidade fica em segundo plano, as relações entre as pessoas são frágeis e não se pensa no futuro. Esse comportamento é estabelecido também na natureza.

A liquidez das relações afetivas, que são estabelecidas de maneira frágil, vem sendo resultado de uma sociedade dita “tecnocrática” (BAUMAN, 2007) e de um vazio existencial, que contribui para o fracasso das relações sociais interpessoais, em que o outro é visto como um ser descartável ou um bem de valor negociável (BAUMAN, 2007).

Nesse sentido, para se compreender a complexidade e a decadência do que é ser humano nos tempos modernos, Bauman (2007) utiliza o termo liquidez, com que é possível observar a dissolução da crença incondicional no poder libertário da razão, que permitiria ao homem alcançar a tão almejada felicidade (Iluminismo).

Para Fromm (2000), a disposição “ter” em contrapartida ao “ser” leva o indivíduo a acreditar que ele pode alcançar um estado de felicidade nas aquisições de bens materiais, adquiridos avidamente nas suas compras. Assim, há uma relação diretamente proporcional entre bem-estar e volume de compras. Para Fromm, consumir é uma forma de ter, e talvez a mais importante da atual sociedade abastada industrialmente. Assim, consumir apresenta qualidades ambíguas: alivia ansiedades porque o que se tem não pode ser tirado, mas exige que se consuma cada vez mais, pois o consumo anterior logo perde a sua característica de satisfazer. Os consumidores modernos podem identificar-se pela fórmula: eu sou o que tenho e o que consumo.

Nesse contexto, a pós-modernidade tem se apresentado em contraposição ao princípio rousseauniano da comunidade, isto é, para Rousseau, uma sociedade fraterna deve construir uma relação horizontal cidadão-cidadão de caráter político-participativo, e não o que vivenciamos atualmente, uma relação política vertical cidadão-Estado.

Este novo sujeito — pós-moderno — nos faz refletir sobre como sustentar a fraternidade numa sociedade em que as pessoas são descartáveis, substituídas, e esvaecem conforme o contexto. Como estabelecer um equilíbrio da partilha, da igualdade, da dignidade e na defesa da vida?

Considerações finais

A Campanha da Fraternidade 2017 apresenta o lema Cultivar e guardar a criação, em especial os biomas brasileiros, a maior biodiversidade do planeta. Assim, é necessário suscitar na sociedade uma reflexão entre a natureza e a fraternidade, é preciso dar sentido ao viver através da práxis diária. Nesse sentido, é importante pensar em mudança de comportamento, de atitude e de ações; é fundamental a conscientização do sujeito social/coletivo. Pensar no ar que respiramos, na flora, na fauna, na água, na natureza e que tudo está interligado — natureza-fraternidade-vida. A psicologia evolutiva enfatiza a questão da consciência humana, que vem sendo forjada através do inconsciente coletivo, e este estabelece o comportamento individual e social, de certa forma uma antropologia cultural. Nesse contexto, a fraternidade é fundamental para a manutenção do planeta — da vida —, e a mudança de comportamento do indivíduo pós-moderno é o marco em defesa da vida.

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Rosangela Nieto de Albuquerque – Ph.D. em Educação (Pós-Doutora em Educação); Pós-doutoranda em Psicologia; Doutoranda em Psicologia Social; Mestra em Ciências da Linguagem; Psicanalista Clínica; Presidente do Comitê de Ética em Pesquisa; Professora Universitária dos Cursos de Graduação e Pós-graduação; Coordenadora de Cursos de Pós-graduação; Psicopedagoga Clínica e Institucional; Analista em Gestão Educacional; Pedagoga. Autora de Projetos em Educação; Autora da implantação de uma Clínica – Escola de Psicopedagogia Clínica como Projeto Social. Autora dos livros: 1- Neuropedagogia e Psicopatologias; 2- Psicoeducação. Organizadora dos livros: 1- As Interfaces da Neuropsicologia; 2- Matizes da Neuropsicologia. E-mail: rosangela.nieto@gmail.com.

REFERÊNCIAS

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IBGE (2012). Manual técnico da vegetação brasileira. 2012. 2. ed. Rio de Janeiro: IBGE. Disponível em: .

BAUMAN, Zygmunt. Amor líquido – sobre a fragilidade dos laços humanos. Trad. Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004.

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______ . Tempos líquidos. Trad. Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007.

______ . Vida líquida. Trad. Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007.

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