Edição 30

Matérias Especiais

Profissionalismo: Para que Ensinar se Professor não Vale Nada?

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“A função de um educador é essencial para tirar o nosso país da pobreza e construir cidadãos plenos”, dizem alguns. São palavras muito românticas e belas. Mas como sonhar não é crime neste país, então, vamos sonhar.

Ser professor hoje, seja na escola pública ou privada, é um ato de heroísmo. Somos mal remunerados, os salários comumente atrasam e não temos mais um reconhecimento social. E não é à toa que digo isso, pois, no dia 05 de maio de 2006, o Diario de Pernambuco publicou matéria de capa, na qual informava: “Professor leva surra de alunos”. Que sociedade é esta, em que alunos agridem fisicamente seu professor? Regredimos à barbárie? Tanto os pais como os alunos vêem o professor como uma babá, um empregado ao qual se deve dar ordens.

Na escola pública, a ordem é aprovar o maior número possível de alunos, porque senão a verba da escola é cortada ou diminuída. O governo precisa de números de aprovação para mostrar ao FMI, ao Bird e à Unesco. Na escola particular, os pais não aceitam que os filhos sejam reprovados, pois eles fizeram um alto investimento, que varia de R$ 2 a 5 mil ao ano, dependendo da escola. Os pais pressionam a direção: “Se meu filho não passar, eu tiro ele desta escola, pois eu pago em dia a mensalidade”. Ora, a educação virou um negócio. Então, resta aos professores ouvir calados os desmandos de crianças marginalizadas pela estrutura familiar e social em que vivem.

Um aluno pode dizer qualquer tipo de palavrão, ameaça e xingamento ao professor, pois o Estatuto da Criança protege o aluno. Afinal, “a criança é um ser em formação”, argumentam os pedagogos. Muitos não têm a menor idéia de como está uma sala de aula nas escolas privadas. Professores são humilhados por alunos que fazem uso de palavras de baixo calão e outros desmandos. O que acontece? Nada. Dizem os donos de escola: “Calar é mais prudente, pois os alunos estão pagando o seu salário”. Isso é dito sem a menor cerimônia. E, caso o professor reclame ou tire o aluno de sala, o errado será o professor, pois ele constrangeu o aluno. Aqui está a palavra da moda: constrangimento. É interessante observar a nossa legislação. Só quem sofre constrangimento é o aluno. O professor deve agir como uma máquina, caso seja chamado de filho disso ou daquilo. Nesses casos, quase insolúveis, os pais passam o dia fora de casa, sem tempo de ir à escola, e, quando chegam em casa, não conseguem dizer um “não” para o filho. Eles compensam a ausência de afeto dando um celular ao filho, que servirá também para encher a paciência do professor em sala.

Deveríamos ter uma lei que obrigasse os casais, antes de terem filhos, a fazerem um curso de como ser pai e mãe (risos). Nossas crianças vivem num mundo cínico e permissivo. “Pode-se tudo”, dizem alguns, afinal, “somos um país democrático”. Muitos esquecem que viver em sociedade exige respeito às normas. Nós, professores, não podemos tirar de sala um aluno que esteja prejudicando a aula. “Não é recomendável”, dizem os donos de escola. O aluno pode pedir transferência. Tudo isso é trágico, pois continuamos formando uma sociedade elitista. Se você tem dinheiro, você tudo pode! Esse comportamento é contraditório, pois nós reclamamos de corrupção no Judiciário e de compra de votos do Poder Legislativo pelo Executivo, mas, ao mesmo tempo, fazemos vistas grossas à permissividade dos nossos filhos.

Então eu pergunto: “Para que ser professor?”. Vale a pena passar quatro anos estudando para ser humilhado em público? Eu desaconselho qualquer aluno a seguir o magistério hoje. Eu nunca vejo ninguém xingando um médico, um advogado, um administrador, um policial. Mas professor pode ser maltratado e deve ficar calado, dizem a pedagogia capitalista dos donos de escola e esta legislação educacional “liberalista”. Nossa atleta olímpica, Daiane dos Santos, já declarou na TV que recebe reclamações e gritos da sua treinadora, mas nunca se queixou, pois ela sabe que a dinâmica do esporte nem sempre permite amabilidades, devido ao curto tempo para treinar. Se um professor der um grito de desabafo na sala de aula ou pedir silêncio em tom alto, será visto como um desequilibrado. Ora, os jogadores infanto-juvenis sempre recebem gritos de seus técnicos, mas esses jogadores nunca abrem a boca para dizer que foram constrangidos. A loucura do jogo nem sempre permite a cortesia. Estudos indicam que nossa atividade é muito estressante. Nossa carga de estresse só perde para a de médicos e policiais.

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Nossa atividade requer muita concentração, agilidade e espírito de liderança para controlar, muitas vezes, mais de quarenta alunos em sala. Às vezes, brincamos, somos afetuosos; às vezes, falamos sério; às vezes, somos duros com os mal-ouvidos. Porém, alguns chamam atitudes ríspidas do professor de despreparo. Até parece que nós somos feitos de chips de computador. Nós, professores, não temos o direito de ter emoção, indignação, raiva. Devemos ser frios e calculistas; engolindo todos os desaforos de nossos alunos, calados e resignados, numa atitude de beatos.

Como se vê no filme Blade Runner – Caçador de Andróides, de Ridley Scott, os humanos se robotizam, e as máquinas se humanizam. Vivemos uma perversão de valores e referenciais.

Essa crise na educação doméstica de nossos alunos certamente está levando a um problema de saúde psíquica de nossos professores. Ninguém vive sob tanta pressão sem ter uma válvula de escape. Nosso sindicato deveria oferecer tratamento psiquiátrico e psicológico aos nossos mestres. E o lamentável de tudo isso é o fato de que nós, professores, fazemos de conta que está tudo bem. Afinal, precisamos ser exemplos na nossa sociedade e manter nosso emprego.

E, para piorar essa crise, o Congresso Nacional quer aprovar uma lei que proíbe os pais de darem palmadas nos filhos. Daqui a alguns anos, proibirão os pais de colocarem os filhos de castigo no quarto para fazerem suas tarefas escolares. Certamente vão dizer que isso é cárcere privado. Tal lei é um exagero, pois já temos uma legislação contra maus-tratos e tortura. Pesquisas indicam que a França é o país europeu onde os pais mais fazem uso da palmada. E, curiosamente, os franceses são os que mais lêem na Europa. Não estou fazendo aqui apologia à violência familiar, pois creio que não existe receita de bolo para ser um bom educador, um bom pai ou uma boa mãe.

Apenas creio que deve competir aos pais a liberdade de educar os seus filhos. Freud já dizia: “A civilização é repressão”. Não existe disciplina sem limites ou perdas.

Os pais têm sentimento de culpa ao darem um “não” aos filhos. Eles dizem: “Isso vai bloquear o desenvolvimento da criança”. Essa permissividade tem dado origem a assassinatos de jovens inocentes, que saem de casa com um “amigo” cujo caráter os pais desconhecem por falta de tempo. Depois, são esses mesmos pais que vão encontrar os corpos de seus filhos no IML. Muitos acham que a escola é a única tábua de salvação de todos os problemas sociais. Não é. Pois há muito tempo que essa instituição vem perdendo o respeito da sociedade. As pessoas, em grande parte, só dão valor às coisas quando passam por alguma privação ou perdem algo por completo. Da mesma forma é com a escola: ela é um ambiente dito “chato” pelos alunos.

Entretanto, não é à toa que muitos alunos estão voltando a estudar para recuperar o tempo perdido, pois passaram pela escola e não levaram o conhecimento, nem o respeito, nem a cidadania.

Edson Marques
Professor de História da Rede Particular de Ensino – Paulista /PE, edsonmarques@oi.com.br

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