Edição 38

Matérias Especiais

Projeto Contagiar

Vera Lúcia Dias de Oliveira

Universidade Federal de Campina Grande
Unidade de Educação Infantil

CONTAGIAR*

contagiarEm 1998, uma criança pediu, a uma das professoras do grupo IV, um livro da escola emprestado, para levá-lo para casa; justificou o pedido afirmando que morava, transitoriamente, com a avó e que lá não havia livros infantis — só de adulto — para ler.

No outro dia, essa criança fez na sala de aula um minucioso e acalorado relato da história contida no livro lido em casa. Além disso, fez propaganda de que o livro era bom e que não só ela, mas seus avós, a mãe e a tia tinham lido também. Seu relato despertou, no grupo, o desejo de ler o livro e de levá-lo para casa.

Essa leitura doméstica inicialmente era realizada pela criança ou por um adulto. Ler enquanto ela ouvia despertava sua imaginação. Após interiorizar a história lida pelo adulto, a criança exercitava a criatividade e a sua própria leitura, segurando o livro ou gibi, à imitação de como faz o leitor experiente, vocalizando a leitura como pensa que é.

Essa experiência instituiu naquela classe o interesse de todas as crianças levarem livros para serem lidos em casa. Todos os dias, havia momentos em que as crianças conversavam entre si sobre as leituras realizadas em casa, no sentido de dizer o quanto a história era boa, recomendando a sua leitura para os colegas.

A prática de empréstimo de livros e gibis às crianças também incentivou a leitura divertida dos mesmos por parte dos adultos. Tornou-se comum o fato de, ao perceber que a criança não havia pedido algum livro às professoras, o adulto lembrá-la de fazer isso.

Esse empréstimo ocorre até os dias de hoje e é protocolado. Nos registros escritos desse protocolo, é incumbido à criança assinar o recebimento e a entrega do livro lido em casa. Isso propicia a ela treinar a escrita do seu próprio nome dentro de uma função social.

A prática da leitura doméstica não só estimula a leitura por parte da criança. Esse incentivo também acontece em relação à prática da escrita, uma vez que ela se sente estimulada para produzir os seus próprios livros — como são capazes de fazer — e ilustrar tanto as suas próprias histórias como as contidas nos livros lidos.

As histórias lidas em casa também são utilizadas para o exercício das artes plásticas e cênicas. À medida que a criança constrói cenários e outros elementos representativos dessas histórias, utiliza-os em duas perspectivas. A primeira consiste em dramatizar a própria história do livro, bem como da poesia, do cordel ou do gibi lido. A segunda consiste em inovar e representar certos episódios ou certas situações contidas numa história lida. Também consiste em ilustrar, concretizar ou justificar uma constatação possibilitada no estudo de certo conteúdo. Isso significa dizer que a leitura de livros ou de gibis realizada pelas crianças do grupo IV é aproveitada no ensino e na aprendizagem dos diferentes conteúdos específicos pertencentes à Educação Infantil.

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Os resultados observados foram:

Maior motivação das crianças pela leitura e produção (individual e coletiva) de livros.
Aceleração da aquisição de habilidades pertencentes ao ato de ler e de escrever.
Maior aproximação afetiva entre as crianças e os adultos leitores da família, dada a realização de momentos de leitura doméstica.
Desenvolvimento do prazer pela leitura de livros e gibis infantis por parte dos adultos leitores da família.
Desenvolvimento das linguagens oral, escrita e corporal da criança.
Acentuação do gosto infantil em ler livros e adquiri-los para a leitura.
Maior familiaridade da criança com a complexa modalidade da linguagem escrita utilizada nos livros infantis.
Avanço significativo da capacidade de interpretar textos escritos.
Desenvolvimento do hábito de praticar a leitura de outros gêneros textuais como, por exemplo, bulas, jornais, revistas, capas de CD, rótulos e embalagens.
Hoje as salas de aulas da UEI são minibibliotecas.
Os alunos são multiplicadores de leitura.
Enquanto elemento incentivador do hábito de leitura em crianças pré-escolares, a prática de leitura doméstica é mais eficaz do que a escolar. Isso se deve ao caráter divertido que ela tem e ao clima de proximidade afetiva no qual é desenvolvida. Dessa forma, a leitura em família deve caminhar junto com a leitura na escola.

Depoimento dos pais

“Para José Lucas, é um hábito a leitura dos livros antes de dormir. Ele aguarda a minha chegada para que juntos (ele, eu e a irmã, Sofia) possamos desfrutar desse momento. Algumas vezes, ele efetua a leitura não-verbal, e, depois eu concluo com a verbalizada; já reconhece algumas letras, isso denota uma maior proximidade com elas. A leitura é um importante elo nesse estágio do aprendizado, e a cumplicidade dos pais só vem somar, tornando-a uma atividade continuada (escola e casa), prazerosa e essencial na vida escolar e pessoal. Seus autores preferidos são Ruth Rocha, Maria Clara Machado e Ziraldo.

Sofia adora quando os livros são levados para casa, costuma selecioná-los ao perceber a foto do autor na contra capa, por exemplo, os de Ziraldo e Ruth Rocha — isso porque, ao iniciar a leitura, informo quem escreveu, quem desenhou.

Converso sobre o autor e algumas particularidades, por exemplo, o Ziraldo, a cada desenho mandado a criança ganha um livro autografado — isso é uma forma de recompensar, já que a ilustração pode vir a fazer parte de alguma história. Esse tipo de conversa aproxima o leitor mirim do autor e desperta para uma maior curiosidade sobre o acervo de quem o escreveu.

Quanto ao processo de ensino–aprendizagem, estimular a associação das letras usando os livros como fonte é mais gostoso e menos cansativo para o imediato mundo infantil, e muitas histórias possuem mensagens importantes para a formação do caráter.”

Eurídice Rocha, mãe de José Lucas Rocha Cavalcanti (G-III) e Sofia Rocha Cavalcanti (G-IV)

“A experiência de leitura de livros infantis trazidos da escola para serem lidos em casa tem proporcionado a mim e à minha família momentos de aprendizado, divertimento e prazer.

A partir do momento que Euller chega da escola, apresenta o livro que trouxe e, com muita satisfação, ,pede que eu o leia. Daí, eu, ele e seu irmão, Igor, nos reunimos para curtir, juntos, esse momento. Se alguma história lhe suscitar muito interesse, faz empréstimo dela repetidas vezes.

Essa prática estimulada pela escola vem contribuindo para o interesse do meu filho por variados tipos de leitura e me fez perceber o quanto ele tem avançado, tanto na ampliação do seu vocabulário quanto no seu processo de compreensão e construção da leitura e da escrita.”

Marta Betânia Ramos, mãe de Euller (4 anos e 10 meses), aluno do G-III tarde

“Sempre que Cecília leva livro para casa, nosso contato com ela sobre literatura torna-se mais intenso. Ela é muito animada. Sempre quer que a gente leia tudo. Ela diz: ‘Leia papai, leia’, ‘Mamãe, leia agora, leia. Leia mil livros’.
Ela sempre acha pouco trazer um livro. Ela fala pra gente que deveria trazer livros todo dia.
Nós achamos muito bom quando ela traz livros. É uma forma de aumentar nossos títulos. Cecília, hoje, já ‘leu’ cerca de 250 livros. Ela já conhece muitos autores pelo nome.”

Josafá e Fernanda, pais de Cecília

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* O projeto Contagiar faz parte do Plano Nacional do Livro e Leitura – PNLL

Vera Lúcia Dias de Oliveira (Profa. da UEI/UFCG)
veradiascg@hotmail.com

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