Edição 22

Matérias Especiais

Qual a real situação e necessidade, hoje, do meio ambiente?

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Vilmar Berna

Vilmar Berna edita o Jornal do Meio Ambiente e fundou as ONGs ambientalistas, sem fins lucrativos, Univerde e Defensores da Terra e o Instituto Brasileiro de Voluntários Ambientais – IBVA. Em 1999, foi homenageado pela ONU com o Prêmio Global 500 de Meio Ambiente. (Site: http://www.jornaldomeioambiente.com.br)

Qual a real situação e necessidade, hoje, do meio ambiente?
VB: Não resta a menor dúvida de que nosso estilo de vida sobre o planeta é insustentável e está avançando sobre os estoques naturais da Terra, comprometendo as gerações atuais e futuras, de acordo com o Relatório Planeta Vivo 2002, elaborado pelo Fundo Mundial para a Natureza — identificado pela sigla WWF, em inglês. O WWF ficou famoso por ajudar a reduzir a caça de elefantes africanos, ao proibir o comércio de marfim em 1989. Está presente em 96 países (inclusive o Brasil). O ser humano usa 20% a mais do que a Terra pode repor. Além disso, é preciso considerar que esse avanço sobre os recursos do planeta não se dá de maneira igual para todos. Existe um enorme desequilíbrio entre África e Ásia, que usam os recursos do planeta em torno de 1,4 hectare por pessoa, enquanto na Europa Ocidental esse uso chega a 5,0 hectares, e nos Estados Unidos, a 9,6 hectares. Os brasileiros usam em média 2,3 hectares.
São alguns dos muitos indicadores que têm apontado para o crescimento dos problemas ambientais que estão se tornando globais, ameaçando o meio ambiente e, por conseqüência, a qualidade de vida e a sobrevivência de nossa própria espécie e das demais. A sociedade precisa de informações ambientais de qualidade para tomar decisões e enfrentar o desafio de descobrir novos caminhos, novas tecnologias, novo jeito de viver no planeta sem comprometer o presente e mesmo o futuro de filhos e netos — muitos dos quais nem nasceram ainda, mas que já dependem do que estamos fazendo e decidindo aqui e agora. Por isso fundei o Jornal do Meio Ambiente, em janeiro de 1996, com a missão de democratizar a informação ambiental para contribuir para a formação da cidadania ambiental planetária. (Quem quiser pode receber diariamente por e-mail — inteiramente gratuito —, todos os dias, notícias ambientais atualizadas sobre o que ocorre no Brasil e no mundo. Basta enviar um e-mail sem assunto para: assinar-noticiasdojornaldomeioamb@grupos.com.br). Atualmente, o site do Jornal do Meio Ambiente é visitado em média por 3.500 pessoas por dia, cerca de 100 mil por mês.
O grito de alerta já foi dado há algum tempo, durante a Rio 92, no Rio de Janeiro, quando se estabeleceu uma espécie de novo pacto social que passou a incluir, com real seriedade, o componente ambiental. Dez anos depois, os governantes reuniram-se novamente em Johannesburgo, na África do Sul, para avaliar o que foi realmente realizado em dez anos, e tentar reverter algumas das tendências negativas e colocar a humanidade no caminho do desenvolvimento sustentável.
O planeta não é um enorme armazém de recursos infinitos, por um lado, e uma enorme lixeira capaz de absorver indefinidamente os nossos restos, por outro. O atual modelo de desenvolvimento tem usado o planeta além de sua capacidade de suporte, e o colapso dos sistemas vivos e os seus sinais já são visíveis por todo lado, como o aquecimento global, a perda maciça de florestas e biodiversidade, etc. Como um lado diferente da mesma moeda, milhões de nossos semelhantes estão condenados a uma vida de sofrimento, fome e miséria. O que se percebe é que a mesma lógica que superexplora o planeta produz também a miséria e a fome. Não basta defender um desenvolvimento ambientalmente sustentável sem perguntar: sustentável para quem? Para os ricos? É fundamental que, além de ambientalmente sustentável, esse novo modelo de desenvolvimento seja também justo na distribuição da renda e na qualidade de vida para todos.
Por trás desse modelo insustentável não está a falta de informação ou de conhecimento científico, muito menos a exigência de atender às necessidades básicas da humanidade. Só o que se gasta em armamentos hoje no mundo seria mais do que suficiente para dar casa, comida e uma vida digna a todo ser humano neste planeta. Por trás dessa forma de vida, existem valores egoístas, materialistas, mesquinhos, para os quais o que importa é acumular mais e mais poder e lucros crescentes. E pouco adiantará exibir números sobre os impactos negativos e as conseqüências dessa ação humana sobre o planeta, pois, ao invés de estimular uma revisão de valores, só servirá para tornar os materialistas e egoístas ainda mais afoitos em sua corrida por acumular mais bens e poder, antes que os recursos que restam se esgotem ou o meio ambiente se contamine demais. Para esse tipo de gente, o mundo se divide entre vencedores, por um lado, e perdedores, por outro — uma espécie de seleção natural da espécie, em que vencem os mais aptos. É mais ou menos como aquele sujeito que, ao ser informado sobre a necessidade de economizar água, pois ela pode acabar, trata logo de beber e estocar o máximo que puder antes dos outros.
Seria muito cômodo acreditar que só os donos do poder econômico e político são egoístas, materialistas e hipócritas. Na verdade, cada um de nós que coloca sua idéia de felicidade, sucesso, prestígio ou reconhecimento social no acúmulo de bens e dinheiro reforça esse modelo. Quantas vezes ouvimos pessoas medindo o sucesso e a felicidade de alguém pelo novo carro ou iate, a viagem ao exterior, a construção de uma piscina, o tamanho dos lucros num determinado período, a cirurgia plástica, etc.
Por trás de nossos problemas ambientais, não estão apenas a ação de poluidores, o desmantelamento dos órgãos públicos de controle ou a falta de consciência ambiental, mas também um tipo de atitude e valor que julga natural explorar o meio ambiente e os nossos semelhantes só para acumular lucros crescentes, só se importando no nível do discurso com as agressões ambientais e os problemas sociais que gera. Logo, não basta exigir mudança de comportamento de empresas e governos. Precisamos ser capazes de enfrentar a nós próprios, pois não haverá planeta suficientemente capaz de suprir as necessidades de quem acha que a felicidade e o sucesso estão na posse de cada vez mais bens materiais.

O planeta hoje está muito “sensível”, pois algo que acontece do outro lado do mundo se reflete nos quatro cantos do globo. Por que essa ligação “planetária” está se estabelecendo tão rápida e significativamente?
VB: Os problemas ambientais estão se tornando cada vez mais globais, como, por exemplo, a emissão de gases provocadores do efeito estufa e que estão resultando em alterações de clima e aquecimento global, e isso se deve ao avanço de um estilo de vida. Só para citar o exemplo da Amazônia, no período entre 2002 e 2003 atingimos o segundo maior nível de desmatamento da História, com 23.750 quilômetros quadrados destruídos, quase o recorde de 1994–1995, de 29.059. O desmatamento, segundo o inventário de emissões de gases-estufa feito este mês pelo Governo Lula, é o principal responsável pela emissão de CO2 (dióxido de carbono ou gás carbônico), o principal gás causador do aquecimento do planeta, e, somente no ano de 1994, o Brasil emitiu na atmosfera 1,03 bilhão de tonelada do gás, o que torna o nosso país responsável por 3% de todos os gases-estufa emitidos pelo ser humano no planeta.
O que está em discussão é um novo modelo de valores e princípios que deverá nortear nossa ação no mundo. Grosso modo, existem duas grandes visões em confronto. Uma visão economicista não-solidária, que transforma tudo em mercadoria, incluindo a força de trabalho e a inteligência humana e todo o planeta junto para o fortalecimento e enriquecimento de um pequeno grupo de nações e grandes empresas. Essa é a visão dominante que nos trouxe até aqui. E outra visão, de uma economia solidária, não só com as pessoas exigindo melhor justiça social e distribuição de riquezas, mas também mais respeito ao planeta e a todas as suas formas de vida. A visão ecológica é relativamente nova. Há pouco menos de três décadas, poluição era sinônimo de progresso. Hoje, a opinião pública está mais consciente e crítica. Continua querendo progresso e crescimento, mas já não aceita a falta de responsabilidade ambiental, a poluição, a destruição e o desperdício de recursos naturais. Um dos problemas é definir quais os limites do crescimento. Até onde uma comunidade pode usar os recursos naturais e a biodiversidade sem comprometer a sua própria qualidade de vida ou a de seus filhos e netos e, por mais que os antropocêntricos não gostem da idéia, também a vida e a qualidade de vida das outras espécies não-humanas, com tanto direito quanto nós sobre os recursos do planeta?

Qual o caminho para uma relação mais harmoniosa com o meio ambiente?
VB: A mudança para uma relação mais harmônica e menos predatória e poluidora com o planeta e as outras espécies depende de todos, mas, especialmente, começa em cada um de nós, individualmente, através de dois movimentos distintos: um para dentro de nós mesmos e de nossa família, com adoção de novos hábitos, comportamentos, atitudes e valores; e outro para a sociedade em torno de nós, buscando a união com outros cidadãos para influir em políticas públicas e empresariais que levem em conta o planeta, a qualidade de vida, a justiça social.
Entretanto, quando pensamos em mudanças, precisamos enfrentar um fato objetivo: de onde vem o poder dos poderosos? Da força das armas e de seus exércitos? Claro que não. Vem do povo. É o povo quem dá força aos poderosos. É o povo quem elege e deselege políticos e é quem compra ou deixa de comprar produtos e serviços que criam ou destroem as megaempresas. Só que o povo não tem a consciência dessa sua força, como um enorme elefante que permanece prisioneiro numa corrente que agora é fraquinha, mas não era quando ele era pequeno e tentava se libertar. Será que o povo deseja mesmo uma economia solidária, como se fôssemos uma enorme colméia de abelhas onde cada um faz a sua parte para o bem de todos, ou, no fundo no fundo, que vença o melhor e o mais forte? O que está em discussão é o grau de civilidade que a humanidade como um todo está disposta a adotar. Precisamos nos olhar diante do espelho para saber se nossas palavras, nossos pensamentos, valores e desejos não contradizem nossos atos. Como agimos no nosso dia-a-dia? Quais são os valores e princípios que nos movem em nosso cotidiano? O que sonhamos para os nossos filhos no futuro, e que futuro é esse que estamos construindo para nossos filhos e netos? Enfim, qual é a nossa idéia de felicidade, para nós e para os que dependem de nossos atos aqui e agora para ter qualidade de vida no futuro?
Nossa rota sobre o planeta será insustentável enquanto nossa idéia de felicidade for baseada na posse de bens materiais e na acumulação de riquezas, enquanto ter for mais importante que ser. Então, se pretendemos que os poderosos do mundo mudem, precisamos também saber se estamos mudando a nós próprios, para não continuarmos a criar poderosos com nossos falsos sonhos e perspectivas de felicidade.

Como a educação pode contribuir para uma prática mais efetiva de cuidado com o meio ambiente?
VB: O ensino sobre o meio ambiente deve contribuir principalmente para o exercício da cidadania, estimulando a ação transformadora, além de buscar aprofundar os conhecimentos sobre as questões ambientais e as melhores tecnologias, estimular mudança de comportamentos e a construção de novos valores éticos menos antropocêntricos. A educação ambiental é fundamentalmente uma pedagogia de ação. Não basta se tornar mais consciente dos problemas ambientais sem se tornar também mais ativo, crítico e participativo. Em outras palavras, o comportamento dos cidadãos em relação ao seu meio ambiente é indissociável do exercício da cidadania.
Afinal, todos nós desejamos viver num mundo melhor, mais pacífico, fraterno e ecológico. O problema é que as pessoas sempre esperam que esse mundo melhor comece no outro.
O professor deve procurar colocar os alunos em situações que sejam formadoras, como, exemplificando, diante de uma agressão ambiental ou de um bom exemplo de preservação ou conservação ambiental, apresentando os meios de compreensão do meio ambiente. Em termos ambientais, isso não constitui dificuldades, uma vez que o meio ambiente está à nossa volta. Dissociada dessa realidade, a educação ambiental não teria razão de ser. Entretanto, mais importante que dominar informações sobre um rio ou ecossistema da região é usar o meio ambiente local como motivador, para que o aluno seja levado a compreender conceitos como, por exemplo, que nada vive isolado na natureza e que, assim como influenciamos o meio, somos influenciados por ele, etc.

Como estimular e sensibilizar o professor, independentemente de sua especialidade, a trabalhar, junto com seus alunos, a idéia de cuidar do meio ambiente?
VB: O professor pode não se considerar um ecologista na acepção da palavra, mas naturalmente gosta de natureza e não acha bom quando a destroem. Mas o que fazer? Os poluidores costumam argumentar que a poluição é o preço do progresso. Mas será que existe só esse tipo de progresso? Claro que não! E, depois, progresso é para gerar desenvolvimento e bem-estar, por isso não se justifica que prejudique a saúde da população com poluição do meio ambiente. Esse tipo de progresso não é progresso. É atraso. Então, a primeira coisa a fazer diante de uma agressão à natureza é não ficar calado! A Constituição nos garante que um meio ambiente preservado é direito de todos! Precisamos nos organizar para garantir nosso direito a um meio ambiente limpo, para nós e para os que virão depois de nós. Mas como enfrentar problemas tão graves, se somos tão poucos? Pensando assim, muita gente que poderia ajudar acaba ficando de fora. Se nenhum de nós nunca começar, nunca tomar uma atitude pessoal e firme diante da poluição do nosso meio ambiente, seremos sempre poucos. Mas o professor pode ajudar a mudar isso a partir da sala de aula, com seus alunos. Em meu livro Como Fazer Educação Ambiental (Editora Paulus (11) 549-1582; 0800-557880 www.paulus.org.br), sugiro algumas idéias:
Reveja Seu Planejamento Escolar – Introduza a questão ambiental em todas as matérias do seu plano de aula. A Educação Ambiental pode e deve estar presente em todas as matérias. Não só em Ciências, mas também em Matemática, Português, História, Geografia, Artes, etc. Encontrar as maneiras de fazer isso é um desafio para você. Converse com seus colegas da mesma disciplina e estudem juntos as possibilidades de incluir a questão ambiental em cada item do plano de aula. Use a criatividade.
Saia da Sala de Aula – Será que aquele rio que passa ao lado da escola sempre foi poluído? Onde ele começa a ficar poluído? Onde ele nasce? Que tipo de poluição suja o rio? Quem suja mais? Como fazer para defender os rios? São perguntas que só podem ser respondidas botando o pé no chão, marcando dia e hora com sua turma para todos fazerem isso em equipe. Isso é só um exemplo das muitas possibilidades que você pode vivenciar com seus alunos. Mas, para isso acontecer, você deve primeiro vencer algumas barreiras, como, por exemplo: quantas vezes ouvimos que “fazer atividades com alunos fora de sala é muito complicado, dá muito trabalho. Se em sala de aula eles já não obedecem direito, imagina na rua”. Se precisar fazer a atividade num fim de semana ou feriado é ainda pior: “Sábado não é meu dia de trabalho, portanto não vou me prejudicar”; ou então: “Não tenho tempo”. Como se a conquista dos nossos direitos precisasse de pessoas desocupadas. Pessoas desocupadas normalmente não se interessam por coisa alguma, por isso são desocupadas. Tempo nós arranjamos administrando nossa vida. Há um provérbio árabe que diz assim: Quando alguém quer fazer alguma coisa, sempre arranja um jeito. Quando não quer fazer, sempre arranja uma desculpa! Por isso, estimule seus colegas a vencerem barreiras, se não, a natureza vai ficar cada vez pior, e os maiores prejudicados seremos nós próprios e aqueles que virão depois de nós, como nossos filhos e netos.
Trabalhe em Equipe e Busque Ajuda – Existem grupos ecológicos, associações de moradores, sindicatos, clubes de serviço, etc. que podem ser aliados. Pelo lado do Governo, você pode contar também com ajuda, mas não alimente muitas ilusões. Os órgãos governamentais de meio ambiente normalmente carecem de verba e pessoal. De qualquer maneira, você deve procurá-los ao constatar alguma irregularidade, exigindo direitos de cidadão.

 

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