Edição 22

Matérias Especiais

Região Norte

O Rio Amazonas foi descoberto em janeiro de 1500, pelo navegador espanhol Vicente Pinzón. Sua frota navegava tranqüilamente quando os navios começaram a balançar e a se ver diante de ondas de mais de dois metros de altura. Era a pororoca, o turbulento encontro das águas do mar com as do Rio Amazonas. Os marinheiros jogaram baldes no mar e, ao recolhê-los, verificaram com espanto que a água era doce.

Era a primeira vez que um europeu explorava o Amazonas, o maior rio do planeta em volume de água, cuja bacia retém um quinto da água doce da Terra.

A Floresta Amazônica é o maior bioma da Região e se espalha por vários países. A Amazônia brasileira tem 3,7 milhões de km² e uma das maiores biodiversidades do planeta. Lá se encontram florestas de terra firme; florestas de várzea, alagadas periodicamente; e também cerrados e campos naturais, em Rondônia e Roraima. Mas os solos amazônicos são frágeis; retirada a cobertura vegetal, deterioram-se rapidamente e se tornam improdutivos.

As principais atividades econômicas na Amazônia brasileira são exploração da madeira e de recursos da floresta, pesca, pecuária, agricultura, mineração e turismo. Hoje, cerca de 80% da madeira explorada na Amazônia é retirada ilegalmente. Mas existem tentativas de explorar madeira de forma sustentável.

Em meados do século 19 e início do século 20, a região viveu uma época de prosperidade, com o ciclo da borracha. Milhares de nordestinos se deslocaram para a Amazônia a fim de extrair o látex da seringueira. Hoje, a extração da borracha está em decadência.

Nos últimos 500 anos, a Amazônia tem sido explorada sem nenhuma preocupação de reposição. Na década de 70 do século 20, o Governo Federal incentivou a ocupação da região através da abertura de estradas e de projetos agropecuários, que se revelaram inadequados. Hoje, os ambientalistas recomendam que quem explora em larga escala os recursos naturais tem de pagar pela conservação. Um estudo do pesquisador argentino Robert Constanza, da Universidade da Califórnia, mostra que, se os serviços prestados pelos ecossistemas tivessem de ser pagos com base no valor dos serviços humanos necessários para substituí-los, a conta ficaria entre 1,5 e 2,5 vezes o valor do produto mundial, hoje calculado em mais de US$ 25 trilhões.

A maior riqueza da Amazônia é o conjunto de formas de vida vegetal e animal existentes nela. E os frutos da mata podem ser extraídos sem destruição.

A maioria dos remédios é sintetizada a partir de vegetais. Hoje, o laboratório do Estado do Amapá fabrica setenta produtos fitoterápicos. Um dos melhores resultados é o tratamento da diabetes com cápsulas contendo substâncias extraídas da folha da pata-de-vaca. De 130 diabéticos, 80% tiveram resultados satisfatórios.

MAPA_nortefundoÁrea: 3.869.637 km²
Estados: Acre, Amazonas, Roraima, Rondônia,
Amapá, Pará e Tocantins
População residente: 7.357.494
População economicamente ativa: 3.222.022
(Não inclui população rural)

 

As plantas que curam
O Instituto de Estudos e Pesquisas do Amapá, em parceria com a Fundação Oswaldo Cruz, do Rio de Janeiro, pesquisa medicamentos a partir das seguintes plantas:
Planta
O que se usa
Tratamento
Amapá
Látex
Analgésico (dor de estômago) e fortificante.
Andiroba
Semente e casca queimada
Antiinflamatório (óleo) e repelente.
Copaíba
Seiva
Antiinflamatório, anti-séptico e cicatrizante. O óleo impede o crescimento de um tipo de câncer de pele.
Quinaquina
Folhas
Antitérmico; auxiliar no tratamento da malária.
Pracaxi
Casca
Antiofídico e antiinflamatório.
Amapá-doce
Látex.
Fortificante.
Pata-de-vaca
Folha
Tratamento da diabetes.
Timbó
Raízes
Auxiliar no tratamento da malária.
Limão-galego
Casca
Combate certos tipos de tumores.

A manutenção das reservas indígenas e a preservação do saber ancestral das tribos amazônicas são fundamentais para conservar a biodiversidade. Por isso, é importante proteger territórios indígenas e evitar invasões, muitas vezes toleradas a pretexto de que é o preço a pagar pelo desenvolvimento. O desenvolvimento apenas econômico é hoje uma noção superada: as Nações Unidas recomendam a ênfase no desenvolvimento que se preocupe também com a situação social das populações e a conservação dos recursos naturais.

Ambientalistas e órgãos oficiais defendem a implantação de corredores ecológicos na Amazônia, unindo áreas de preservação e reservas indígenas. Isso possibilitaria a ligação entre os subsistemas amazônicos, fundamental para manter fauna, flora e recursos hídricos.

As queimadas e o desmatamento indiscriminado estão entre os maiores problemas amazônicos. O reflorestamento com espécies nativas em áreas já desmatadas e degradadas é recomendado. O cultivo de florestas pode ajudar a reformular o modelo energético brasileiro, baseado no petróleo, um combustível poluidor e esgotável. O uso da biomassa (qualquer matéria vegetal empregada para produzir energia, que tem a vantagem de ser renovável) é cada vez mais importante.

As hidrelétricas, se por um lado trazem energia e desenvolvimento, também constituem problema. Exemplos como o da Usina de Balbina, no Amazonas — que deixou enorme quantidade de árvores submersas envenenando as águas, e cuja produção de eletricidade deixou muito a desejar —, devem ser evitados. Recomenda-se a implantação de pequenas hidrelétricas, em vez de enormes represas, que causam grande impacto.

O Ministério de Assuntos Fundiários editou uma portaria que proíbe desapropriação, para reforma agrária, de áreas de floresta primária no bioma amazônico e na Mata Atlântica. Segundo relatório da Câmara dos Deputados, 88,15% das áreas destinadas à reforma agrária no País nos últimos trinta anos estão na Amazônia, pois lá havia terra em abundância e menor resistência política às desapropriações. Hoje, é preciso pensar que uma árvore em pé tem maior valor ambiental e econômico do que uma árvore derrubada e que a reforma agrária — ainda que muito necessária ao País — não deve ser feita em detrimento da preservação da natureza.

Segundo o documento Bases para a discussão da Agenda 21 brasileira, da Comissão de Políticas de Desenvolvimento Sustentável e da Agenda 21 Nacional, é preciso implantar uma política eficiente para a mineração, impedindo que as áreas das mineradoras se transformem em pólos de degradação ambiental. Licenciamento rigoroso, reflorestamento com espécies nativas, fiscalização e reparação dos danos à floresta são a solução.

As grandes cidades amazônicas também se transformam em pólos de desequilíbrio, pois as populações avançam sobre o frágil ecossistema sem planejamento ou limites. Mas existem algumas tentativas de reverter esse quadro.

Na construção de um desenvolvimento harmonioso, o turismo está cada vez mais presente. As pessoas vêm à Amazônia em busca de sua pujante natureza, mas os aspectos culturais também são valorizados. A comida, o artesanato, a música e as festas regionais atraem visitantes e divisas. Nesse cenário, o maior destaque é a festa do boi em Parintins, que reúne turistas dos estados amazônicos e de todo o País.

Projetos e Experiências

Mudanças na mata

Paragominas: interior do Pará. O pó das serrarias tornava quase irrespirável o ar da cidade. A região é um dos maiores pólos de extração da madeira da Amazônia. Em 1995, foram devastados 29 mil km², área do tamanho da Bélgica. Um quarto das árvores retiradas era abandonado na floresta. Uma situação não muito diferente do que acontece no resto da Amazônia.

Paragominas tinha 85 madeireiras. Hoje, são apenas 39. A nova legislação ambiental, a dificuldade em conseguir madeiras nobres e outros fatores causaram a mudança.

A partir da pressão de consumidores estrangeiros e de lojas brasileiras como a Tok & Stok — interessados em madeira extraída com cuidados ambientais — foi criado um selo verde para identificar madeireiras que trabalham de forma racional.

As ONGs Imazon e WWF produziram um vídeo que explica como explorar a madeira. Com a exploração tradicional, cerca de 235 árvores por hectare são danificadas. E só após algo entre 70 e 100 anos é possível colher madeira de novo no local da derrubada.

Na extração racional (chamada manejo sustentável), as árvores são medidas e identificadas um ano antes de serem cortadas. São feitos mapas e traçados caminhos para retirar os troncos. Cortam-se os cipós para evitar que, ao cair, grandes árvores derrubem outras menores. Isso reduz o impacto em 45%.

A Madeireiras Rosas, uma das maiores do Pará, procura se adaptar. Os troncos eram tirados com corrente, arrastando várias outras árvores. Hoje, um trator Track Skider — uma máquina de esteira com um longo pescoço — estica seu gancho e extrai apenas a árvore selecionada.

Além disso, sementes de espécies selecionadas, ambientadas em Paragominas através de pesquisas, são plantadas, e, alguns anos depois, as árvores jovens já têm 3 m. Dentro de 20 a 30 anos, poderão ser cortadas. E, para melhorar a renda dos pequenos agricultores, a WWF, em parceria com o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Paragominas, plantou 100 mil mudas de cupuaçu às margens do Rio Capim, entre 1991 e 1997.

Dois produtos nobres da floresta

A castanha-do-pará é um dos frutos mais valorizados da Amazônia. Os castanheiros do Rio Iratapuru, perto de Laranjal do Iari (AP), produzem biscoitos e óleo de castanha que, aliás, está mudando de nome: não se chama mais do Pará, e sim do Brasil, para facilitar a entrada no mercado internacional. O óleo da castanha é rico em selênio e tem baixo teor de colesterol.

Segundo o governador do Amapá, João Alberto Capiberibe, “Há séculos, a castanha tem sido explorada e comercializada na Amazônia apenas como matéria-prima. Hoje, os castanheiros organizados em cooperativas e uma empresa francesa se juntaram, e o Amapá está vendendo na França o óleo de castanha”.

O açaí (Euterpe oleracea) representa cerca de 35% da cobertura vegetal do estuário do Amazonas, entre Belém e Macapá. O fruto dessa palmeira faz parte da dieta básica da região. Em Macapá, uma bandeira vermelha na frente das casas significa: “Vende-se açaí”.

Do caule da palmeira, também se extrai o palmito. O corte nas palmeiras adultas tira palmito; se feito com cuidado, não destrói a touceira e pode estimular o crescimento desse vegetal. O corte correto com facão e o não-uso de pesticidas e adubos deram à empresa King of Palms, que opera na região, o selo AB (Agriculture Biologique) da União Européia. É o primeiro produto natural brasileiro a receber esse selo. Para conceder o selo, técnicos europeus visitaram a fábrica e amostras do palmito foram analisadas em laboratórios da França e da Alemanha.

O uso dos recursos naturais no Amapá é regido pela Lei Estadual no 0388, de 1997, que estabelece regras sobre o emprego de biotecnologia, bioprospecção, coleta de germoplasma, acesso a recursos genéticos e conservação. No texto que justifica a lei, está escrito: “Se soubermos respeitar as leis naturais dos ecossistemas que compõem a Amazônia, valorizando os produtos que esse bioma nos oferece, transformando-os em bens que satisfaçam as necessidades humanas, seremos capazes de construir uma sociedade de bem-estar para todos”.

Índios melhoram vida nas aldeias

Os próprios índios analisam a situação das aldeias e trabalham para melhorar sua vida. Constroem viveiros, transplantam mudas, recuperam áreas degradadas com adubação verde e a partir de espécies nativas. Fazem hortas orgânicas e reciclam a madeira tirada dos roçados para criar móveis e esculturas.

Quando terminam os cursos de agente agroflorestal em Rio Branco, voltam às aldeias para colocar em prática o que aprenderam. O agente índio deve fazer pelo menos um hectare de plantio, que possa servir de exemplo para outras famílias interessadas em iniciar essas atividades em seus terreiros e roçados.

A Comissão Pró-Índio-Acre (CPI-AC) realiza, desde 1996, cursos de formação de agentes agroflorestais indígenas, numa tentativa de dar sustentabilidade ambiental aos territórios dos índios. “Com a delimitação dos territórios e o aumento da população, cresce cada vez mais a preocupação com a escassez de recursos necessários à existência dos índios, como as palmeiras de cobertura das casas”, diz Renato Gavazzi, coordenador do projeto.

Em 1996, no primeiro curso, eram apenas quinze agentes. De 1996 a 1999, foram realizados quatro cursos no Centro de Formação dos Povos da Floresta, em Rio Branco, e dois cursos em aldeias. Hoje, são 37 agentes agroflorestais atuando no Estado do Acre. Os alunos são índios de cinco etnias (caxinauá, catuquina, jaminauá, manchineri e ashaninca) e tiveram mais de mil horas de aula. Eles reivindicaram que a profissão de agente florestal fosse reconhecida pelo governo, para poderem também atuar na fiscalização e vigilância ambiental de suas terras demarcadas.

Três livros bilíngües (língua portuguesa e indígena) foram publicados com material escrito e visual produzido pelos índios e distribuídos em 45 escolas indígenas. As atividades dos agentes fazem parte do trabalho que a CPI–AC desenvolve há dezessete anos nas áreas de Educação, Saúde e Meio Ambiente.

Corredor ecológico nas águas da Amazônia

Um corredor ecológico é composto de unidades de conservação contíguas, umas ao lado das outras, ampliando as regiões protegidas. No centro da Bacia Amazônica, a Reserva de Desenvolvimento Sustentável Amanã, criada pelo governo do Amazonas, a Reserva de Desenvolvimento Sustentável de Mamirauá e o Parque Nacional do Jaú, juntos, têm mais de 5.766.000 hectares, uma área maior que a de países como a Suíça.

Reserva de Mamirauá tem 1.124.000 hectares, quase metade da área do Estado de Sergipe. Em seu território, na confluência dos rios Solimões e Japurá, as florestas de várzea são alagadas periodicamente. Nas cheias, as águas sobem doze metros, e tudo fica alagado durante quatro meses. As formas de vida se adaptam ao ciclo das águas. Os peixes invadem o interior da floresta e ajudam a dispersar as sementes, aumentando as populações vegetais, um papel que, nas matas de terra firme, é feito por animais como cutias e pacas. A fauna de Mamirauá tem mais de 300 espécies de peixes, 400 espécies de aves e, pelo menos, 45 espécies de mamíferos.

As populações ribeirinhas foram integradas na conservação de Mamirauá. Elas participam da proteção à natureza e ajudam nas atividades de pesquisa. São dezenas de lagos, divididos em vários grupos. Em alguns, se pode pescar o ano inteiro. Em outros, a pesca só é permitida alguns meses por ano e, por fim, num terceiro grupo, não se pode pescar. Mesmo assim, ainda há extração ilegal de madeira, e pescadores de outras áreas costumam descumprir as regras estabelecidas para Mamirauá.

Há uma tentativa de valorizar o artesanato e a cultura locais e de gerar tecnologia para a região. Um exemplo é o cevaciclo, um equipamento artesanal que prepara a massa para fazer farinha de mandioca, o principal alimento de quem vive na várzea amazônica. É uma engrenagem montada a partir de uma roda de bicicleta, que reduz em até seis vezes o tempo de processamento da mandioca. É usado por 870 pequenos produtores rurais.

Reflorestamento de áreas degradadas

Em apenas dois anos, numa área antes praticamente deserta, crescem árvores de até dez metros. Um experimento da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), em Oriximiná, noroeste do Pará, mostra que é possível reflorestar regiões devastadas em pouco tempo.

Em 1994, um solo degradado pela exploração de bauxita começou a ser recuperado com mudas e sementes nas quais foi implantada uma bactéria que ajuda a absorver o nitrogênio e o fósforo, acelerando o crescimento das árvores. As áreas escolhidas para o experimento foram degradadas por queimadas, mineração ou poluição, e o solo perdeu quase todos os minerais. Essa técnica vem sendo desenvolvida há décadas e custa apenas 20% do que seria gasto num reflorestamento convencional.

As plantas escolhidas são da família das leguminosas, que representa um terço da flora brasileira e inclui árvores como o pau-brasil e o jacarandá. É uma tentativa de tornar viável o reflorestamento com espécies nativas da extensão já devastada da Mata Atlântica (um dos ecossistemas mais ameaçados do mundo, com cerca de 92% destruídos no País) e também da Floresta Amazônica.

SOS Igarapés

Igarapés são pequenos canais naturais entre duas ilhas ou entre uma ilha e terra firme, que só dão passagem a embarcações pequenas. Com suas águas escuras e frias, são um presente da natureza em meio ao calor tropical.

Em Manaus, os igarapés estão morrendo. Desmatamento, ocupação de áreas de preservação, despejo de esgotos e lançamento de lixo poluem os igarapés e aumentam a proliferação de doenças transmitidas pela água.

O projeto Limpeza dos Igarapés começou em maio de 1999, atuando nas bacias dos rios São Raimundo e Educandos e nos igarapés do Franco e de Bariri. Até dezembro, graças ao referido projeto, foram recolhidas mais de dez toneladas de lixo nos igarapés, usando-se escavadeira, balsas com rebocador e redes de tela com bóias presas aos barcos. Em Bariri, a iniciativa teve o apoio das donas-de-casa, preocupadas com a saúde dos filhos: “Limpo sempre aqui na frente da minha casa e recolho o lixo”, observou Oscarina Rodrigues de Freitas. Diante da reação das mulheres, os homens também passaram a ajudar: “A minha parte, eu estou fazendo”, disse Homero Rodrigues de Freitas.

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