Edição 22

Matérias Especiais

Região Sul

Em 1534, Pero Lopes, navegador da expedição de Martim Afonso de Souza, escalou o cerro de Montevidéu — hoje território uruguaio — e descreveu a paisagem: “Vimos campos a estender d’olhos, tão chãos (planos) como a palma; e muitos rios; e, ao longo deles, muito arvoredo. Não se pode descrever a formosura dessa terra: os veados e as gazelas são tantos, e as emas e outras alimárias (animais), tamanhas, como potros novos (…) que nunca vi em Portugal tantas ovelhas nem cabras como há nesta terra veados”.

Esse explorador seiscentista ficou fascinado com a fauna e a flora dos pampas, um ecossistema presente na Argentina, no Uruguai e no Rio Grande do Sul.

MAPA_sulfundoÁrea: 577.723 km²
Estados: Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul 
População residente: 23.932.379
População economicamente ativa: 12.547.265

A natureza do Sul brasileiro é um mosaico em que se misturam os pampas, a Mata Atlântica, as florestas de araucárias (hoje quase totalmente destruídas) e o grande planalto do interior, todos eles de clima temperado.

No litoral sulino, encontra-se uma área recortada, formada por baías e enseadas, algumas delas com projetos ligados ao meio ambiente. No litoral catarinense, a partir de Laguna (SC) em direção ao sul, estende-se a maior costa retilínea do planeta. É uma extensão de 600 km formada por uma única praia, sem enseadas ou portos naturais, banhada por águas turvas e geladas. As condições de navegação nessa área são desfavoráveis, tanto que dificultaram a colonização do Sul do Brasil por quase dois séculos.

Hoje, o Sul é uma das regiões mais desenvolvidas do País. Mas também enfrenta desafios, muitos deles os mesmos que se colocam para o desenvolvimento sustentável no cerrado e na Mata Atlântica.

Também no Sul, segundo o Ministério da Agricultura, os níveis de erosão observados na agricultura são preocupantes. A agricultura é uma atividade importante na economia sulina, mas usa níveis excessivos de insumos químicos, apontados como um dos mais altos do mundo. Isso gera problemas de saúde nos trabalhadores, resíduos nocivos em produtos oferecidos aos consumidores e a contaminação dos recursos hídricos. O cultivo do tabaco no Rio Grande do Sul é um exemplo do emprego excessivo de agrotóxicos, que contamina o solo e a água e destrói a saúde dos agricultores. Mas é possível cultivar tabaco de outra forma, e a experiência está sendo testada no Paraná.

A Região Sul vivencia ainda vários problemas de comprometimento de bacias hidrográficas em função de efluentes de aviários e suinocultura e também de enchentes periódicas, cujos efeitos só serão minimizados com o replantio de matas ciliares.

Por outro lado, existem avanços na área ambiental na Região Sul. Curitiba, Florianópolis e Porto Alegre estão entre as capitais que mais investem em meio ambiente no País. São cidades de porte médio a grande, cuja preocupação ambiental por parte dos governos e da sociedade tem produzido resultados interessantes. Essas cidades foram pioneiras na implementação das legislações que regulam o uso dos recursos naturais e no estímulo a programas de educação voltados para o meio ambiente. Pode ser inclusive detectado um novo movimento de migração, em que profissionais bem-sucedidos no eixo Rio–São Paulo estão se transferindo para as capitais sulinas em busca de melhor qualidade de vida.

Além disso, o Rio Grande do Sul pode ser citado como o estado brasileiro em que a agricultura orgânica mais avança no campo, talvez pela própria necessidade de reverter o quadro de degradação observado no setor.

Um dos maiores espantos que os colonizadores europeus tiveram quando chegaram ao Sul brasileiro, há cerca de quinhentos anos, foram os índios. Eles não andavam nus, como os do Sudeste ou do Nordeste, mas vestiam grossas peles de animais, com os pêlos voltados para dentro, para se proteger do frio. Alguns eram pacíficos e colaboravam com os europeus, como os carijós que viviam no litoral catarinense. Outros eram bravos e guerreiros, recusaram-se a ser escravos dos brancos e resistiram até a morte.

Um episódio cultural e ambiental importante nessa época foi a introdução do cavalo nos pampas. A cidade de Buenos Aires, capital da Argentina, foi destruída várias vezes pelos índios. Numa dessas vezes, em 1536, os cavalos dos espanhóis escaparam durante o confronto. E bandos desses animais começaram a se reproduzir nas grandes planícies. Os índios do Rio Grande do Sul, do Uruguai e da Argentina não conheciam os cavalos e viram nesses animais uma oportunidade de ampliar seus territórios. Os charruas, os minuanos, os carandins e os guaiacurus tornaram-se exímios cavaleiros, aprenderam a montar de lado e a guerrear montados, usando a lança. Assim, dominaram toda a planície dos pampas, desde os Andes até a foz do Rio da Prata. Eles caçavam com a boleadeira, um instrumento feito de bolas de pedra e couro, que laçava e imobilizava a caça. Esses índios bebiam erva-mate, comiam, em espeto de pau, churrasco assado num buraco cavado no chão e usavam lenços na cabeça. Esses hábitos indígenas foram adotados pelos gaúchos, como são chamados os homens que vivem no campo do Sul do Brasil. O cientista Charles Darwin, autor da teoria da evolução das espécies, esteve no Brasil em 1832 e visitou os pampas. Ele descreveu assim os gaúchos:
“Gaúchos” quer simplesmente dizer “homens do campo”. São de uma excessiva delicadeza (…). Contudo, com a mesma facilidade com que se curvam no seu gracioso cumprimento, parecem dispostos, caso se lhes apresenta ocasião, a cortar a garganta ao próximo.

Toda a história da Região Sul é marcada por lutas e confrontos não só entre índios e brancos, mas também entre vários grupos de brancos. O romancista gaúcho Érico Veríssimo talvez seja o escritor que melhor retratou a colonização do Sul brasileiro, que recebeu as contribuições dos imigrantes europeus, sobretudo italianos, alemães, lituanos e, mais recentemente, japoneses. Por isso, o Sul tem uma feição extremamente diversificada, que muda de uma região para outra. Esses traços culturais são, hoje, cada vez mais valorizados pelo ecoturismo.

Projetos e Experiências

O peixe que não é peixe

O projeto Baía Limpa nasceu em 1995, com a idéia de mobilizar os pescadores artesanais para a recuperação dos estoques naturais de pescado, através da limpeza e despoluição de baías em Guaraqueçaba e Guaratuba, beneficiando 940 famílias de pescadores artesanais em quarenta comunidades do litoral paranaense.

Em Guaraqueçaba, dezoito a vinte toneladas de lixo são coletadas mensalmente em dezenove comunidades. Em vez de caminhão de lixo, os barcos é que recolhem os detritos. É o projeto Baía Limpa, também chamado de “o peixe que não é peixe”, em uma referência ao lixo “pescado” nas águas da baía. Segundo o coordenador Amauri Simão Pampuch, nas baías em que o projeto atua há mais tempo, praticamente não há mais lixo, e nota-se o retorno do peixe.

Além disso, acontece o monitoramento sistemático da qualidade da água, para orientar a implantação dos cultivos marinhos. As orientações técnicas de cultivo são repassadas aos pescadores. Cultivam-se ostras, camarões e peixes.

O Centro de Produção e Propagação de Organismos Marinhos de Guaratuba ajuda a identificar novos mercados consumidores e pontos de comercialização. Mas nem só da pesca vivem os pescadores. O artesanato é uma das alternativas de renda. A matéria-prima é de origem vegetal ou animal em processo de decomposição, como folhas e galhos secos, fibras de bananeira, sisal e conchas.

Agricultura orgânica em comunidade

No centro-sul do Paraná, mais de cinco mil famílias praticam a agricultura orgânica. No momento em que o consumidor prefere cada vez mais produtos naturais, os agricultores apostam em cultivos sem agrotóxicos e na diversificação da produção, evitando a monocultura. Produzem arroz, batatinha, cebola, mandioca, erva-mate e tabaco, além de 112 variedades de milho e 98 de feijão-preto. O reflorestamento com araucária e o manejo do solo com técnicas e fertilizantes naturais também fazem parte do trabalho desenvolvido pela ONG Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa (Aspta). A Aspta destaca também o plantio de tabaco de forma orgânica, que surpreendeu os agricultores locais e deu bons resultados na região.

Ao contrário do que acontece em quase todo o País, no centro-sul paranaense a maioria da população vive no campo; das 275 mil pessoas, 65,6% moram na zona rural. A economia é baseada na agricultura e na pecuária, com uma curiosa mistura de técnicas tradicionais e tecnologia moderna.

Em alguns municípios, chama a atenção o modo de organização dos trabalhadores, baseado na estrutura familiar e marcado por características de vários povos que aqui se estabeleceram na época da imigração, no século passado. Um exemplo está nos faxinais — uma forma de organização tradicional inspirada em antigas noções de direito coletivo. Neles, as famílias vivem em comunidade, mas cada uma tem sua área particular para plantar. Já as terras para pastagem são usadas de forma coletiva. E na mata rala, característica da região, elas criam animais, cultivam a erva-mate e constroem casas sem destruir a cobertura vegetal. A qualidade de vida é boa, com elevado nível de educação e saúde. Nos faxinais, há pequenas fábricas coletivas de doces de frutas, além de atividades culturais, como grupos de teatro e ensino de línguas.

A partir da década de 80, houve um trabalho de reorganização política e econômica, resultando na criação de sindicatos de trabalhadores rurais nos 22 municípios da região.

Reflorestamento combate enchente

A cidade mais importante do Vale do Itajaí (SC) é Blumenau, ponto de partida para a colonização da Região, no século 19, sobretudo por imigrantes alemães. O Vale já foi todo coberto pela Mata Atlântica, mas a ocupação desordenada e a exploração dos recursos naturais fizeram com que mais de 70% da cobertura vegetal fosse destruída.

A enchente é um problema antigo para os moradores, que já se acostumaram com as subidas do Rio Itajaí-açu e seus afluentes. Elas são causadas em parte pela destruição das matas ciliares, que vivem à beira dos rios e funcionam como uma esponja, absorvendo a água das chuvas e evitando que ela cause erosão e assoreamento.

“Na maioria das vezes, não é a enchente que vem até nós. Nós é que a procuramos, pois fazemos nossa casa em cima do rio e plantamos a roça perto dele. O importante é ter mata ao lado dos cursos d’água e das nascentes”, conclui o administrador de empresas Wigold Schäffer, que, com sua mulher Miriam, há anos estimula o plantio de espécies nativas em Atalanta, que fica no Alto Vale, aos pés da Serra Geral. “Há árvores aqui que plantei quando tinha cinco anos. É preciso recuperar as matas”, diz Wigold.

O trabalho começou no campo, chegou à sede do município e se espalhou pelas cidades vizinhas. No campo, os agricultores já sabem que deixar de desmatar não basta: é preciso recuperar áreas degradadas. Quase 20% das matas ciliares de Atalanta já foram recompostas. Wigold ainda não está satisfeito e afirma: “Os primeiros quinhentos anos do Brasil foram de destruição. Esperamos que os próximos anos sejam de recuperação da Mata Atlântica”. Em Atalanta, a prefeitura, junto com a Empresa de Pesquisa Agropecuária de Santa Catarina, faz coleta seletiva e reciclagem de lixo. Em 1987, foi criada a Associação de Preservação do Meio Ambiente do Alto Vale do Itajaí – Apremavi.

Coleta seletiva de lixo

A coleta seletiva de lixo em Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul, está fazendo dez anos — começou em 1990, no bairro do Bom Fim. A idéia foi aprovada pelos moradores e se espalhou por outros bairros até atingir toda a cidade em 1996.

Segundo a entidade Compromisso Empresarial para a Reciclagem, a coleta de lixo em Porto Alegre é a mais eficiente do País. São recolhidas diariamente sessenta toneladas de lixo seco, enviadas para as oito unidades de reciclagem do Departamento Municipal de Limpeza Urbana. Com isso, além de preservar recursos naturais e energia, a carga de resíduos deixados nos aterros sanitários é reduzida.

A população realiza uma pré-separação do lixo em suas residências ou em seus locais de trabalho, e o caminhão passa uma vez por semana, em dia e turno determinados. O lixo domiciliar comum e o orgânico são recolhidos diariamente ou em dias alternados.

Até 1999, haviam sido coletados sessenta mil toneladas de papel, vidro, metal e plástico. De acordo com técnicos da prefeitura, nesses dez anos a reciclagem do lixo permitiu que 529 mil árvores deixassem de ser derrubadas, dez mil toneladas de areia e seis mil toneladas de minério de ferro deixassem de ser usadas.

Na triagem e venda do lixo seco, trabalham 320 pessoas, que ganham 250 reais por mês. Muitas eram catadoras de antigos lixões. Agora, integram associações que gerenciam as oito unidades de reciclagem da cidade.

Os programas de educação ambiental da prefeitura ajudam a população a mudar seus hábitos. Os principais objetivos são estimular a reciclagem e favorecer a redução da produção de lixo. As equipes atuam em escolas, universidades, empresas e condomínios.

Universidade Livre do Meio Ambiente

Desde 1991, Curitiba tem uma instituição de ensino diferente: é a Universidade Livre do Meio Ambiente – Unilivre, que trabalha para difundir práticas de conservação ambiental, procurando criar uma consciência para melhorar a qualidade de vida.

Na Unilivre, os alunos são donas de casa, porteiros, comerciários e outros profissionais interessados em meio ambiente. Não se exige vestibular, o principal é querer trabalhar num projeto ambiental coletivo.

Em 1992, a Unilivre se instalou numa antiga pedreira, antes uma área degradada e hoje um local cheio de verde, onde o espaço arquitetônico se integra à natureza. Em 1995, a Unilivre e a Secretaria Municipal de Meio Ambiente criaram o Viva Curitiba, para despertar nas crianças em idade escolar um vínculo com a problemática de conservação ambiental da cidade. São visitas guiadas ao espaço da universidade, com três horas de duração e média de setenta alunos das terceiras e quartas séries do primeiro grau, que ocorrem durante todo o ano. Os grupos são acompanhados por estagiários que realizam vivências visuais e sensitivas nos bosques com os alunos. Numa maquete da cidade, as crianças se localizam e aprendem sobre as partes verdes, as áreas construídas, o relevo, os rios. Curitiba é uma das poucas capitais brasileiras onde se procurou respeitar o regime de vazão dos rios, criando parques em torno deles, de modo que as águas possam subir e baixar sem invadir casas e áreas construídas. Os alunos ficam sabendo também que todos os ecossistemas são interdependentes e que, para se manter o equilíbrio entre eles, é preciso preservá-los.

Fonte: Suplemento da Revista Senac e Educação Ambiental. N. 2, ano 9, maio/agosto 2000.

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