Edição 28

Matérias Especiais

Religiões Afro-Brasileiras

Os africanos que vieram para as Américas – em sua maioria na condição de escravos, embora mesmo no período colonial tenha havido uma pequena imigração de africanos livres – provinham de diferentes povos que pertenciam a variadas culturas. As suas práticas religiosas eram, em alguns casos, assemelhadas e, em outros, bastante diferenciadas. No Novo Mundo, alguns se desligaram completamente de suas antigas tradições, convertendo-se ao cristianismo. No Brasil e nas colônias espanholas, tornaram-se católicos, posto que o catolicismo era a única religião permitida. Nos Estados Unidos e em colônias britânicas e francesas da América Central e Caribe tornaram-se evangélicos, especialmente batistas. De modo geral, os seus descendentes mantiveram-se fiéis a estas novas religiões.

Um grande número de africanos e seus descendentes buscaram recriar as suas religiões de origem, formando grupos para a prática religiosa dos rituais e para a transmissão das tradições. Estes grupos se autodenominaram “nações” e os nomes adotados se referem às etnias, cujas culturas são predominantes entre eles. Tais criações foram mais bem sucedidas nos locais de maior concentração de escravos e seus descendentes, especialmente nas cidades portuárias que mantiveram atividades comerciais com os países da África até as primeiras décadas do século XX. No Brasil, foram especialmente as cidades de São Luís, Recife, Salvador e Rio de Janeiro.

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As práticas daqueles grupos religiosos passaram a constituir-se em uma espécie de síntese dos elementos culturais, fossem de fé, fossem de costumes e rituais dos seus participantes, pelo fato das populações de africanos e seus descendentes não serem homogêneas, ou seja, estavam constituídas pela convivência de pessoas provenientes de diferentes etnias (por exemplo, mina, fanti, ashanti, jeje, hauçá e outros).

Essas culturas e outras já haviam feito um primeiro sincretismo na própria África, resultante das guerras étnicas e da permanência de escravos nos entrepostos do tráfico, como no Arquipélago do Cabo Verde e nas Ilhas de São Tomé e Príncipe.

Naturalmente, prevaleceram os traços culturais das populações majoritárias em cada local. A convivência com as populações de origem indígena – especialmente em áreas rurais – levou à incorporação de aspectos das diferentes culturas dos povos que já habitavam as Américas antes da chegada de europeus e africanos. Por fim, foram incorporadas a alguns dos cultos afro-brasileiros aspectos culturais de outras etnias, como a dos ciganos e, muito mais recentemente, de povos orientais. Assim, é possível ver-se, em algumas casas de culto, imagens de Buda. Foram incorporados, também, aspectos do espiritismo europeu kardecista.

Por outro lado, devido às pressões da Igreja Católica para a extinção desses cultos e também pela possibilidade de certos aspectos da religião católica serem compatíveis com as tradições africanas, as religiões afrobrasileiras apresentam significativos aspectos das crenças e dos rituais católicos:

religiao1* os participantes do ritual do tambor-de-mina do Maranhão costumam realizar a festa católica do império do divino, em homenagem ao Espírito Santo;

* no Recife, integrantes dos cultos dos orixás participam das procissões-dançantes da bandeira e do acordapovo, esta última realizada na madrugada do dia em que se homenageia São João;

* a ialorixá (sacerdotisa das religiões afro-brasileiras dos orixás) Badia, no Pátio do Terço do Recife, organizava a festa de São Bartolomeu e se lhe perguntavam se haveria “toque”, respondia que não, porque se tratava de “uma festa brasileira”;

* diversos babalorixás (sacerdotes das religiões afro-brasileiras dos orixás) do Recife integraram as confrarias de Nossa Senhora do Rosário; Luiz de França dos Santos, que dirigiu o Maracatu Leão Coroado do Recife, dizia, com orgulho, ter sido juiz da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos (as irmandades são sociedades da religião católica destinadas à prática de culto aos santos, com funções de assistência social e de lazer, de diferentes classes sociais, inclusive de escravos; as Irmandades de Nossa Senhora do Rosário, padroeira dos africanos e seus descendentes, tiveram importante papel na socialização dos mesmos no Brasil, especialmente no que diz respeito às alforrias por compra);

* as rainhas das taieiras, da cidade de Laranjeiras (Sergipe), folguedo organizado pelos membros dos cultos dos orixás, são coroadas na missa do dia-de-reis, na igreja de São Benedito Filadelfo;

* as ialorixás da cidade de Cachoeira, na Bahia, integram a Irmandade da Boa Morte e promovem a procissão do enterro de Nossa Senhora, no mês de agosto.

* Entre outras, são reverenciadas nos cultos afro-brasileiros as seguintes entidades: Espírito Santo, Arcanjo São Miguel, Nossa Senhora (sob várias invocações), São Benedito, São Bartolomeu, Santa Bárbara, São Jorge, São João, Santos Cosme e Damião.

Todos os cultos afro-brasileiros fazem oferendas de alimentos propiciatórios, de pagamento dos favores recebidos ou como resgate pelas faltas aos preceitos religiosos. Desses alimentos são preparadas refeições para os membros da comunidade e seus convidados, servidas em verdadeiras banquetes – carnes de boi, bode, carneiro, aves, peixes, além de frutas, doces e bebidas.

Atualmente, os estudiosos costumam considerar os cultos afro-brasileiros segundo a predominância das heranças africanas que prevaleceram.

Fonte: Roberto Emerson Câmara Benjamin. A África está em nós: história e cultura afrobrasileira. Religiões afro-brasileiras. João Pessoa, PB. Editora Grafset, 2004. p. 29-33.

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