Edição 25

Professor Construir

Saúde na Escola

ilustracao02Saúde e doença são temas tradicionais do ensino formal. Na prática, o professor assume o papel de educador em saúde ao desenvolver com seus alunos o conteúdo curricular ou ao atender às situações concretas do cotidiano escolar: projetos, campanhas, ocorrência de casos de doença, epidemias, necessidades emergentes dos alunos e da coletividade em que a escola está inserida. Contudo, a importância da formação escolar vai muito além das respostas aos problemas concretos e até mesmo das atividades organizadas em torno do tema.
As contribuições da escola para a saúde são essenciais e múltiplas: participa decisivamente na formação cultural, está na base da preparação para o mundo do trabalho, traz conhecimentos específicos que cada uma das disciplinas aborda em relação à saúde e constitui-se em espaço privilegiado das vivências da infância e da adolescência (Martinez, 1996).
Sabemos que a educação escolar possibilita-nos abrir os horizontes da valorização e da qualidade de vida, contribuindo para o desenvolvimento da criatividade e a ampliação da autonomia. A escola pode incentivar a riqueza de interesses e ampliar a flexibilidade para encontrar alternativas nas situações de tensão e conflito, enriquecendo decisivamente a elaboração de projetos pessoais nos quais o sujeito possa apoiar-se para enfrentar a vida.
Na realidade, todos os professores estão fazendo opções em relação à saúde, assim como em relação às demais questões sociais, ao selecionarem conteúdos e veicularem conceitos e valores em suas aulas, ao elegerem critérios de avaliação, bem como pela metodologia de trabalho que adotam e pelas situações didáticas que propõem aos alunos.
Isso ocorre porque o processo de ensino e aprendizagem envolve uma determinada concepção do mundo e da forma como vivemos nele. Quando nos conscientizamos desse fato, damos um passo decisivo no sentido de optar claramente sobre o que ensinar e para que educar. Essa importante reflexão vem à tona no momento em que definimos os chamados temas transversais do currículo: as questões que, por sua urgência e relevância social, são consideradas significativas na vivência escolar e devem permear a abordagem do conteúdo de todas as áreas do conhecimento.
A proposta metodológica de tratar a saúde de maneira transversal é um recurso para organizar o trabalho didático, de forma a incorporar os objetivos e conteúdos do tema ao conjunto da ação pedagógica. Podemos considerar que o estudo da qualidade de vida dos povos e a distribuição de doenças no tempo e no espaço são conteúdos presentes nas aulas de História e Geografia. Da mesma maneira, os textos utilizados no aprendizado de línguas e os problemas formulados nas aulas de Matemática trazem mensagens sobre as relações humanas, e, portanto, refletir sobre elas é um dos caminhos para realizar a transversalidade. Observa-se, ainda, que a participação de alunos que não sejam habilidosos esportistas nas aulas de Educação Física e a promoção de seu convívio ativo no grupo, e não apenas como espectadores dos “melhores”, produzem impacto muito maior sobre a saúde do que as longas palestras sobre a importância da prática regular de atividades físicas.
Nos Parâmetros Curriculares Nacionais (Brasil, 1998), a cidadania é considerada o eixo da educação escolar, o que implica eleger determinados princípios que orientam a vida em sociedade e agir para a afirmação destes. No contexto dos princípios democráticos — dignidade da pessoa humana, igualdade de direitos, participação e co-responsabilidade pela vida social —, a educação cidadã concorre para a compreensão da saúde como direito. Mais do que isso, promove o exercício desse direito através da capacitação para agir, individual e coletivamente, sobre os fatores que condicionam a saúde: o cuidado de si e dos demais, a oferta e o uso dos serviços de saúde, as condições socioculturais e econômicas que determinam a qualidade de vida.
Enfim, a educação para a saúde ganha novo sentido para a escola e para a vida quando assumimos que não somos entidades biológicas, mas culturais e sociais.
Da mesma forma que, ao longo do tempo, a visão do processo de ensino–aprendizagem transformou-se, modificaram-se também as concepções de saúde e de promoção da saúde. Valorizamos cada vez mais os laços entre saúde e qualidade de vida individual e coletiva. Ao educar para a saúde, nosso objetivo não é mais a ênfase no conhecimento teórico do corpo humano, pois essa opção não se mostrou suficiente para fomentar a adoção de comportamentos e atitudes saudáveis. O foco desloca-se para a promoção do desejo, do empenho e da capacidade para cuidar de um corpo real.
No que tange à vida reprodutiva, por exemplo, nossa expectativa não é ter alunos capazes de discorrer sobre métodos anticoncepcionais, mas, sim, procurar oferecer-lhes elementos para que possam, se quiserem, optar por sua utilização para ter os filhos desejados, no momento desejado. Da mesma forma, com relação à Aids, não é suficiente saber as formas de transmissão do vírus — o HIV. O conteúdo essencial da educação está no conhecimento e na valorização do uso de medidas eficazes para prevenir a transmissão do vírus, no empenho em cuidar de si e dos demais.
Sabemos que a real importância dos temas transversais está na sua contextualização, pois o significado que tais temas têm no dia-a-dia possibilita a participação ativa dos educandos no processo de aprendizagem, potencializando a aplicação da experiência escolar às demais situações da vida.
Em nenhum momento cogitou-se a hipótese de que a escola colocasse em segundo plano sua tarefa específica de educação para abordar as questões de saúde, por mais relevantes que estas sejam, visto que seria incoerente com a proposta de tratar a saúde como tema transversal. Sendo uma questão que permeia o conjunto da experiência escolar, a educação para a saúde realiza-se com o auxílio das mais diferentes áreas do conhecimento, através dos seus conceitos e informações e, principalmente, através dos valores veiculados no processo de ensino e aprendizagem. Uma abordagem isolada do tema seria incoerente até mesmo com a maneira como compreendemos o processo saúde–doença.
A saúde, entendida como um processo qualitativo que diz respeito ao funcionamento integral do organismo — somático e psíquico, biológico e social — não é mais entendida como sinônimo de ausência de doença. Caminhar em direção à saúde é promover meios para que cada indivíduo possa traçar um caminho pessoal e original em direção ao bem-estar físico, psíquico e social, participando ativamente do controle sobre as condições de saúde da sociedade. Para isso, faz-se necessário o desenvolvimento de um conjunto de recursos objetivos e subjetivos, que permita ao sujeito estabelecer uma inter-relação positiva com a situação social em que vive e com as contradições e dificuldades enfrentadas no cotidiano. A saúde implica, portanto, a valorização da vitalidade física, mental e social para a atuação frente às permanentes transformações pessoais e sociais, frente aos desafios e conflitos (Dejours, 1986).
Reconhecendo que os componentes da saúde dizem respeito a muito mais do que a biologia do corpo humano, os educadores e os profissionais de saúde perceberam que a abordagem técnica tradicionalmente utilizada não dá conta das necessidades atuais. Gera, ao contrário, um forte sentimento de frustração, quando fazemos uma avaliação dos resultados de nossas “ações educativas”, já que falamos, fazemos e pouco vemos o resultado de nossos esforços.
Temos urgência em ampliar e otimizar os recursos para diminuir a vulnerabilidade das pessoas e da sociedade aos processos causadores da enfermidade, pois a cada dia surgem novos desafios, e o resgate dos antigos conhecimentos mostra-se insuficiente. Além da diversidade humana, da crise de valores, da alteração do quadro de problemas de saúde, é necessário considerar que os hábitos e os estilos de vida mudaram ao longo dos anos. Numa época em que predominam a valorização exclusiva do presente e a relativização de todo conhecimento e valor, o que efetivamente significa educar para a saúde e para a vida?
Quando compreendemos os fatores que influem nas atitudes e práticas favoráveis à vida e à saúde, percebemos também que interferir sobre a situação de saúde e a ocorrência de doenças é algo possível para todos. Por isso, o processo educativo em saúde requer a adoção de estratégias de ensino–aprendizagem que possibilitem ao aluno construir e incorporar conhecimentos, e não apenas decorar conceitos. É necessário formular e resolver problemas, gerando oportunidades ao desenvolvimento de atitudes e à utilização prática dos conhecimentos adquiridos. Os novos saberes precisam adquirir sentido para que se integrem e participem ativamente do sistema de regulação do comportamento do sujeito, incorporando-se à reflexão e à ação. O potencial da educação escolar reside, exatamente, na articulação dos conhecimentos, das atitudes, das aptidões e das práticas que possam ser vivenciados e compartilhados com a sociedade.
Em outras palavras, a educação para a saúde só se concretizará se puder contribuir para o crescimento da capacidade de fazer escolhas e para a ampliação das potencialidades pessoais e sociais, traduzidas em atitudes e práticas favoráveis à vida e à conquista de qualidade de vida dos indivíduos e da coletividade.
A saúde, como um tema transversal, valoriza o significado social dos procedimentos e conceitos próprios das áreas convencionais, relacionadas às questões da realidade e ampliando o valor da escola e do professor na formação integral dos cidadãos (Brasil, 1998).

EDUCAÇÃO EM SAÚDE É QUALIDADE DE VIDA

O projeto Saúde na Escola busca gerar oportunidades de reflexão e atuação sobre as questões de saúde colocadas no presente.
Sob esse prisma, os vídeos e textos de apoio podem auxiliar o trabalho pedagógico em diversos sentidos: despertar a atenção para o tema, trazer novos elementos para a percepção e a compreensão dos fatos, motivar os trabalhos escolares, auxiliar a formação de conceitos, hábitos e atitudes. Podem ainda ser utilizados em projetos ou atividades de integração da escola com a comunidade, cumprindo seu papel, na medida em que contribuam efetivamente para a ação educativa planejada.
Portanto, a recepção dos vídeos, através da TV Escola, e a produção de cópias são essenciais para que o professor utilize o material no momento oportuno, de acordo com a programação de cada Unidade de Ensino.
O vídeo é, sem dúvida, uma ferramenta poderosa para a prática pedagógica. Entretanto, ele não é um fim em si mesmo. É apenas um meio de informação, motivação ou sensibilização. Daí a importância de organizarmos atividades que permitam que os alunos se apropriem, questionem, reconstruam as mensagens veiculadas. Alguns exemplos podem servir de inspiração para o professor criar suas próprias atividades, de acordo com a realidade de sua escola:
Vídeo: depois de assistir ao vídeo com os alunos, identificar as mensagens que foram mais marcantes para cada um e para o grupo, promovendo um debate; identificar termos desconhecidos e conteúdos a serem aprofundados, buscando novas fontes de informação; desenhar cenas dos vídeos; construir uma história (oral ou escrita) a partir de uma frase sugestiva.
Música: lembrar, com os alunos, de músicas que falem sobre os temas abordados, relacionando cultura e saúde; sugerir que os alunos façam composições sobre os conteúdos mais polêmicos ou significativos.
Literatura e cultura popular: trabalhar com os alunos textos de literatura (poesia e prosa) e de cultura popular que abordem temas relacionados à saúde; pesquisar ditados populares relacionados às situações apresentadas.
Mídia: identificar anúncios em jornal, revista, televisão ou rádio que falem sobre saúde, analisando criticamente suas mensagens diretas e subliminares.
Cotidiano/comportamento: descobrir, na família, como eram os hábitos e costumes de outras gerações; realizar pesquisas sobre valores e comportamentos predominantes em diferentes culturas.
Atividades envolvendo mais de uma turma da escola: organizar feiras; construir horta e pomar na escola ou em espaço comunitário; realizar concursos de frases, desenhos ou composições; promover gincanas; montar peças de teatro ou quadros de mural, abordando os assuntos de maior interesse.
A utilização dos vídeos e textos de apoio poderá trazer algumas propostas e respostas e levar à formulação de muitas novas perguntas. A experiência educativa e a formação continuada serão indispensáveis para realimentar esse processo. Feliz ou infelizmente, não há receitas prontas e efetivas de vida saudável, muito menos que sirvam para todos, indistintamente. Por isso, a atualização precisa ser um trabalho contínuo, que privilegie a participação coletiva e multidisciplinar e que possibilite a análise crítica, a colaboração mútua e o intercâmbio de experiências.
As seguintes referências podem ser utilizadas como apoio para o trabalho educativo:
Os Parâmetros Curriculares Nacionais — em particular, os livros dedicados aos temas transversais — podem ser utilizados para o aprofundamento dos debates e como subsídio para o planejamento escolar. Eles podem ser acessados também pela página do MEC na Internet (www.mec.gov.br). Muitas escolas e Secretarias de Educação dos estados e municípios brasileiros vêm trabalhando na formulação de referenciais para o trabalho educativo no tema.
A identificação dos serviços de saúde existentes na comunidade em que a escola se insere e o contato permanente com eles são recursos importantes para a participação de técnicos na abordagem de temas específicos, bem como para a realização de projetos integrados. Os serviços podem e devem desenvolver estratégias de apoio às necessidades da comunidade escolar.
O serviço Disque Saúde, do Ministério da Saúde, pode ser utilizado gratuitamente pelo telefone 0800 611997 para a realização de pesquisas e resolução de dúvidas por parte de professores e alunos.
Na Internet, o acesso à página do Ministério da Saúde pode ser feito através do endereço eletrônico www.saude.gov.br.

Referências Bibliográficas
BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: apresentação dos temas transversais: terceiro e quarto ciclos. Brasília, DF, 1998. 1v.
CENTRO BRASILEIRO DE INFORMAÇÕES SOBRE DROGAS PSICOTRÓPICAS – Cebrid, Unifesp. São Paulo, [19—]. (Série de folhetos sobre drogas psicotrópicas).
DEJOURS, C. Por um novo conceito de saúde. Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, v. 14, n. 54 p. 7-11, abr./maio/jun. 1986.
MARTÍNEZ, A. M. La escuela: un espacio de promoción de salud. Psicologia Escolar e Educacional, v.1, n.1, p.19-24, 1996.
Fonte: Texto Adaptado. O projeto saúde na escola: texto de apoio. Brasília: Ministério da Saúde: Secretaria de Políticas de Saúde: Projeto de Promoção da Saúde; Ministério da Educação: Secretaria de Educação a Distância: TV Escola, 2002, p. 7-14.

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