Edição 09

Lendo e aprendendo

Sir Gawaine a dama

Há muito tempo, na época do Rei Artur e da Rainha Guinevere, viveu Sir Gawain, que era sobrinho do rei e o mais gentil e corajoso dos cavaleiros da Inglaterra.

Certo ano, no Natal, o rei e a rainha reuniram-se com a corte em Carlisle, no norte, e Sir Gawain estava com eles. No dia depois do Natal o rei saiu para cavalgar sozinho na floresta. Pouco depois chegou a um lago congelado onde havia um castelo escuro e sombrio à sua margem. Enquanto o rei observava a superfície espelhada do lago, surgiu um cavaleiro no portão do castelo, carregando uma pesada clava. O rei cavalgou em sua direção, desafiando-o para um combate. Mas à medida que foi se aproximando do cavaleiro, o Rei Artur viu que o homem era um gigante. Ele era alto como dois bravos cavaleiros. Seu rosto era feroz. O gigante baixou os olhos para o rei, agarrou a espada e a lança, e deu uma gargalhada.

– És meu prisioneiro – disse ele. – Mas uma vez que és rei, oferecer-te-ei uma oportunidade de obteres a liberdade. Se, dentro de um ano, fores capaz de solucionar meu enigma, permitirei que te vás.

– Enigma? – perguntou o rei. – Diga-me qual é.

– O enigma é o seguinte: O que é que toda mulher mais deseja? – Respondeu o gigante. – Encontra-me aqui, neste lugar exato, desarmado, daqui a um ano, a contar de hoje. Se não tiveres a resposta, serás meu prisioneiro. – E com uma outra gargalhada ribombante, ele deu meia-volta no cavalo e retornou ao tristonho castelo.

O Rei Artur cavalgou de volta pela floresta, tentando decifrar o enigma, preocupado. Quando chegou à corte, contou a seus cavaleiros tudo o que havia acontecido. Depois que ouviram que o rei seria feito prisioneiro a menos que decifrasse o enigma, os cavaleiros começaram a percorrer todos os cantos do reino, até os mais distantes, pedindo a todo mundo que encontravam que o solucionasse. Em suas jornadas ouviram muitas respostas.

– Jóias reluzentes – disse um homem.

– Um marido rico – disse outro.

– Vestidos de cetim – disseram outros.

E quando os cavaleiros trouxeram estas respostas de volta para o rei, de alguma forma ele soube que nenhuma delas era a resposta correta.

Um ano se passou e, cumprindo sua palavra, o Rei Artur pôs-se a caminhar de volta para o castelo à beira do lago gelado. Foi cavalgando lentamente, cabisbaixo e desanimado.

De repente, uma voz gritou:

– Por que está tão triste, meu senhor Artur, o rei?

Ele levantou a cabeça e viu diante de si uma mulher, sentada num tronco de árvore. O nariz dela era torto, sua pele, coberta de verrugas feias, e os cabelos embaraçados e desgrenhados, e o rei pensou que era a mulher mais feia que jamais havia visto.

– Por que está tão triste, meu senhor Artur, o rei? – repetiu a feíssima dama.

“A dama conhece meu nome”, pensou o rei surpreendido. Ficou preocupado de que ela pudesse ver em seu rosto o quanto ele a achava feia. Teve o cuidado de desviar os olhos quando respondeu:

– Estou triste porque tenho que decifrar um enigma ou tornar-me prisioneiro de um cavaleiro gigante.

– Qual é o enigma? – perguntou a feíssima dama.

– O que é que toda mulher mais deseja?

A feíssima dama deu uma gargalhada.

– Este é fácil – disse ela.

O coração do rei começou a bater mais depressa.

– Dize-me, senhora – disse ele -, e te concederei qualquer favor que pedires.

– Qualquer coisa que eu pedir, meu senhor? – perguntou a dama, e sorriu um sorriso feio.

Artur mais uma vez cuidadosamente desviou os olhos quando respondeu:

– Qualquer coisa, senhora.

– Então, permiti-me, senhor, que eu sussurre a resposta em vosso ouvido – disse ela, e o rei desmontou do cavalo, ouviu e então, ainda sem olhar para ela, agradeceu e saiu cavalgando.

Rapidamente o rei chegou ao lago gelado, onde viu o gigante vindo a cavalo em sua direção, saindo do castelo sombrio.

– Bem, meu senhor e rei – disse o gigante com uma gargalhada -. Trouxeste a resposta para meu enigma?

E o rei repetiu a resposta que a feíssima dama havia sussurrado.

O gigante ficou furioso.

– Tens a resposta! Existe somente uma pessoa que a conhecia! Minha irmã! Ela deve ter-te contado. – E o gigante virou-se e saiu cavalgando a toda velocidade, seu rugido furioso ecoando pela floresta.

Agora havia chegado a vez de Artur rir. Ele cavalgou de volta até o tronco caído onde a feíssima dama ainda estava sentada.

– Contai-me, senhor, meu rei – perguntou ela, com seu sorriso feio -, minha resposta era a resposta correta?

– Era sim minha senhora – respondeu o rei.

– E agora, em cumprimento à minha palavra, eu te concederei, seja qual for, o favor que pedires.

– Peço-vos o seguinte – disse ela. – Peço que Gawain, o mais gentil e mais corajoso dos cavaleiros em toda a Inglaterra, torne-se meu marido.

O rei arregalou os olhos, horrorizado.

– Senhora, muito embora eu seja rei, não posso obrigar Gawain a se casar contra a vontade dele.

– Vossa majestade me deu a palavra – retrucou a dama. – Agora ide buscá-lo para mim.

Artur foi cavalgando pela floresta e voltou para a corte, mais uma vez triste e desanimado. Quando chegou, a corte inteira regozijou-se ao vê-lo são e salvo, e todos reuniram-se em volta dele perguntando qual das respostas para o enigma havia sido a resposta correta.

Mas o rei suspirou.

– Nenhuma das que me deram era a resposta certa – disse ele. E então contou-lhes sobre a dama feíssima e sua resposta, e o favor que ela havia lhe pedido como recompensa.

– Eu me casarei com esta dama, tio – disse Gawain baixinho, porque não era apenas o mais gentil e mais corajoso cavaleiro de toda a Inglaterra, mas também um sobrinho devotado. – Farei isto pelo senhor.

E o rei lhe contou sobre o nariz torto da dama e a pele cheia de verrugas, os cabelos desgrenhados e emaranhados, mas Gawain insistiu.

– Eu escolho casar-me com ela por amor ao senhor – declarou.

E então saiu cavalgando pela floresta, onde encontrou a feíssima dama sentada em seu tronco caído. Tomou tamanho susto com a feiúra de seu rosto que não conseguiu dizer uma palavra. Ela parecia ser ainda mais horrenda do que seu tio lhe dissera. Mas então lembrou-se de que tinha dado sua palavra ao rei. E assim, tomando cuidado para desviar o olhar do rosto da dama, ele fez uma reverência e perguntou:

– Senhora, aceita ser minha esposa?

E ela aceitou.

Gawain e a dama casaram-se na abadia de Carlisle. Todos foram ao banquete e dançaram, e depois os convidados conduziram Sir Gawain e a dama para o quarto nupcial, e fecharam a porta, deixando-os lá. Agora os dois estavam sozinhos. A dama sorriu para seu marido e ele sorriu de volta, com um suspiro. Pensando que ela ainda lhe parecia horrenda, ele a tomou nos braços, fechou os olhos e a beijou.

Tão logo Gawain abriu os olhos, descobriu em seus braços a mais linda dama que jamais havia visto. Os olhos dela brilhavam como jóias, sua pele reluzia e seus cabelos encaracolavam-se emoldurando-lhe o rosto. Gawain ficou olhando para ela muitíssimo espantado.

– Agora tu quebraste metade do feitiço – disse a dama. – Minha madrasta lançou sobre mim um feitiço de maneira que eu fosse terrivelmente feia até que conseguisse encontrar um marido. Agora devo oferecer-te uma escolha. Como é que preferes ter-me Gawain, queres que eu seja a dama feia durante o dia e linda à noite? Ou que eu seja linda de dia e horrenda à noite em nosso quarto nupcial?

Gawain ficou calado.

– Eu gostaria que fosse feia de dia e… – começou. – Não. Linda de dia e… não!

E ele pensou e pensou a resposta da penosa escolha que deveria fazer, até que finalmente suspirou.

– Eu não posso fazer esta escolha por ti, minha querida esposa – disse afinal. – Deves escolher por ti mesma.

E então a dama sorriu um sorriso radiante e tomou as mãos dele nas dela.

– Tu quebraste toda a maldição e o feitiço – disse cheia de alegria. – Deste dia em diante serei sempre, de dia e de noite, como me vês agora. Tu deste, sem nada pedir em troca, a resposta para o enigma que meu irmão exigiu que o rei solucionasse em troca da liberdade. O que é que uma mulher mais deseja? A resposta é: “Ter o poder de escolher o que ela quer.”

E daquele dia em diante, Sir Gawain e a belíssima dama viveram juntos e foram muito felizes.

Texto do livro:
Era uma vez uma família…
Jean Grasso Fitzpatrick
Editora Objetiva

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