Edição 55

Matérias Especiais

Sociedade de direitos… Deveres não existem

Nildo Lage

Desde o nascimento, obedecemos a uma cronologia de deveres: mal damos os primeiros passos, nos é imposto o cumprimento de etiquetas e costumes familiares. Logo em seguida, vêm os compromissos religiosos, culturais, escolares, sociais, com a pátria… Determinados atos e atitudes podem nos levar ao destaque ou acarretar conflitos, transtornos e acabar em punições.
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Se não seguirmos esses protocolos, podemos ser excluídos do seio de uma sociedade que traça o perfil, determina padrões, requisita acordos e desconhece deveres. Quem desviar dessa rota poderá perder um dos bens mais almejados pelo homem: a liberdade.

E os direitos, que proporcionam o equilíbrio? Até onde o Estado de Direito, com a soberania, comete iniquidades? Será que o Governo, com o absolutismo, é inconveniente, negando à sociedade direitos e deveres contrabalançados para que as famílias se edifiquem e os seus componentes sejam inseridos numa sociedade que assuma a responsabilidade de promover o desenvolvimento humano e pessoal? Uma sociedade que não permita ser entretida por meios de comunicação que tenham, na grade de programação, atrações que instigam a violência, estimulam acriminalidade, a sexualidade desde a infância; nem por representantes que exploram os menos favorecidos, ludibriando-os com programas que minimizam a miséria sem resgatar a dignidade.

A sociedade contemporânea é inteiramente desprovida de conteúdo, pois segue as tendências que se sobrepõem aos deveres. Nesse universo artificial, “nada” tem tanta importância que um gesto contido é motivo de discórdia; um simples olhar torna-se razão de descontentamento; uma palavra é o bastante para despertar a fúria que explode em forma de ódio a ponto de o abstrato tornar-se tudo.

A necessidade de viver esse clique mágico é de tal dimensão que valores essenciais à vida são consumidos para alimentar a vontade voraz de ter, sobressair aos demais. E, nessa luta por existir, sentimentos, obrigações e pessoas são esmagados sem o mínimo de misericórdia para gerar o combustível que move a humanidade: chegar à frente para desvendar o desconhecido, conquistar divisas e adquirir proeminência.

Nesse percurso, o humano se corrompe, fazendo com que fique cada vez mais difícil ser correto num mundo onde o incorreto tornou-se a veia de escape. Pois, na era do “quem chega primeiro”, para ocupar um lugar de destaque, todos se preocupam com os que estão em ascensão. E este é um dos maiores crimes cometidos pelo homem: não olhar a beira do caminho para estender as mãos àqueles que ambicionam, unicamente, existir.

O frenesi é de uma dimensão que o Ser Maior é ignorado, descartado juntamente com a essência humana que se esvai de cidadãos socialmente corretos, todavia humanamente inertes e espiritualmente derrotados. Chegar ao ápice é a conquista maior. E, para isso, as pessoas se convertem em seres robotizados: sem alma, sem emoção… sem amor. Pois a pátria Brasil é simplesmente uma nação que não acolhe, não proporciona segurança, é nada além de um tronco cuja importância muitos desconhecem e que brutalmente enfraquece a base maior da sociedade.

Nesse universo, ninguém acata denodos, sobretudo ética e moral. A evolução social rompeu os últimos tabus, transpôs o que restou das tradições, inverteu papéis, alterou o teor do discurso a ponto de gestos perderem o significado perante circunstâncias inusitadas, pois contentos e sentidos se corroeram; entre eles, direito, respeito… O amor pelo outro, essa miragem pregada pelo Estado, tornou-se o maior obstáculo para que deveres sejam desempenhados.

Sem percebermos, sentimentos são esmagados e vão ficando para trás; pessoas queridas se perdem pelos caminhos ou voltam ao pó sem oportunidades de darem amor, serem amadas… Pois acenos, olhares passam despercebidos pelos atalhos trilhados para encurtar o caminho que muitos acreditam levar ao pódio.

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Em meio às batalhas travadas, tempo e vida se expropriam do eu que só quer ser. Nós não podemos existir, pois no espaço competido só cabe o eu. Se nós tentarmos chegar, a felicidade se esvairá aspirada por um amor não cultivado, pela paz que não foi plantada, pelo apreço denegado, impedindo, assim, que a harmonia reine entre os homens, transfigurando uma sociedade de direitos onde deveres não existem.

Mas, como o tempo é o maior ardil e a vida determina que siga o seu curso, os homens empunham o que restou dos fragmentos dos valores familiares, princípios religiosos e vestígios culturais para que pais e filhos possam, pelo menos, coexistir como humanos num recinto cognominado lar.

Espaço cada vez mais camuflado, onde se relacionam, mas não se conhecem. Tocam-se, mas não se sentem… Encaram-se, mas não se veem como seres gerados no mesmo seio, dotados de sentimentos, pois o nó do carinho, do afeto, desatou, rompendo o clima de intimidade, de fraternidade que une seus membros através dos laços sanguíneos.

Contender entre si tornou-se hábito, rotina… Uma regra cada vez mais imposta na sociedade do consumo desenfreado, e poucos se preocupam com o amanhã, o futuro das novas gerações, pois é típico da natureza humana viver o hoje, aproveitando o agora como o último instante de celebridade, convertendo, assim, a existência no “1, 2, 3 e já”. Quem não pegou carona no vácuo perdeu a vez, pois o amanhã é um passo tão distante que não deve ser ensaiado, muito menos precipitado. Simplesmente, pode não existir.

img-mat-esp-1676-03As ruínas da sociedade humana…
prenunciam o fim…

Nossa sociedade converteu-se num covil em que cada membro traça a sua trajetória no seio de um círculo sem propósitos, em que o humano — espécie vulnerável, em constante estado de evolução — tornou-se um artista, experto em maquiar a realidade para dissimular as marcas dos problemas, esquivar-se de situações embaraçosas e que, para não naufragar, toca a vida adiante, sem uma rota definida, sem sonhos a realizar… A meta é apenas viver, pois tudo que lhe resta é vida, esse frágil fio atado ao inexistente.

São tantas inverdades abrigadas, mentiras enrustidas que o “faz de conta que me ama, e faço de conta que acredito” tornou-se uma regra para manter os aspectos e suavizar a tensão da convivência.

Nessa atmosfera artificial, casais dividem a mesma cama, mas não comungam o mesmo sentimento; olham na mesma direção, mas não entreveem o mesmo horizonte… Afinal, fazer de conta que é feliz, sustentando um sorriso sem brilho nos lábios, é mais adequado do que romper tabus para que cada um se posicione no seu quadrado e seja feliz à sua maneira.

No ambiente de falsa paz, de dissimulada felicidade, os efeitos explodem, exclusivamente, entre quatro paredes em forma de violência, e os mais atingidos são as crianças, pois o mundo evoluiu de tal forma que as argileiras pessoais foram arrombadas, demolindo limites, consumindo valores, extinguindo princípios. Tudo que restou foram regras ditadas por leis que são atropeladas, fazendo com que uma norma intransponível seja imposta: “Manda quem pode, e obedece quem tem juízo”.

Compreender essas desigualdades provoca desequilíbrios, pois a sociedade de direitos é uma maquiagem que exige ser retocada a cada instante para que a face disforme e inconsistente não seja refletida.

Chegamos a esse estágio, visto que a desordem atingiu o ícone família: pais não respeitam filhos, filhos não respeitam pais, irmãos estão em constante pé de guerra, agredindo-se, ferindo-se e, ao ultrapassarem o portal de casa, vão se esvair na escola, na empresa, nas ruas… Pois, quando o respeito se vai, direitos e deveres seguem por caminhos paralelos.

Com tantas dificuldades para sobreviver sem princípios, a família ganhou múltiplas dimensões ao se dividir em grupos excepcionalmente distintos, para se ajustar ao novo arquétipo social. Mesmo assim, não supera as barreiras, pois, no contexto contemporâneo, valores sociais, políticos e culturais se sobrepõem aos valores da família.

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É urgente a necessidade de admitirmos que família não é uma Companhia Limitada ou uma Sociedade Anônima para ser administrada com ativo e passivo, cumprir um calendário tributário para se esquivar da malha fina. Família é o ventre onde o humano absorve valores culturais, religiosos, deveres, responsabilidades… Compromissos… para fortalecer as estruturas pessoais. Sem essa instituição cada vez mais desintegrada, é inevitável o aborto do cidadão socialmente correto.

Esse crime contra a vida vem tirando da família a autoridade de educar com princípios, pois o alvo não é mais o “ser correto”, e sim o “ser destaque”, imperando a consanguinidade. O individualismo delimita territórios, direitos, deveres, transformando o casamento numa união de interesses que dispensa a burocracia jurídica, os protocolos religiosos, a base maior do matrimônio — o amor —, pois o sonho de esposo e esposa como uma só carne se torna apenas a satisfação dos prazeres da carne, para não terem comprometimento e poderem negociar deveres, compromissos, obrigações… E “valore$”.

Essas “transaçõe$” da modernidade alteraram o teor da família, que, para ser formada, dispensa sentimento, respeito, fidelidade… Orientação sexual… Os interesses pessoais são suficientes para se aproximarem; a atração física é o bastante para que os relacionamentos aconteçam e garantam a procriação da espécie.

Sobre a nova plataforma, pai não é mais o varão, a autoridade máxima da casa, pois o novo regime igualitário que impera no seio dos lares derrubou a supremacia masculina que não mais domina o território. Marido e mulher se converteram simplesmente em “macho e fêmea” que estão juntos até que os interesses sobrevivam; até que opiniões e pontos de vista não entrem na zona de convergência.

Se isso acontecer, a praticidade da modernidade tem uma saída estratégica: o divórcio. Uma simples ação judicial colocará “o macho e a fêmea” na estaca zero. Preparados para começarem uma nova vida, com uma nova “família”. Quem ficar para trás que se vire para se reconstruir.

Em meio à desordem, a escola torna-se um instrumento fundamental para equilibrar dificuldades, pois, se cumprir o papel social da educação, poderá proporcionar o crescimento humano e fortalecer as bases da sociedade através do envolvimento escola-família-comunidade. Nesse tripé, poderá concretizar valores para que a sociedade moderna não se transforme numa geração de cidadãos deficientes de essência humana.

Para adicionar esses ingredientes ao cotidiano escolar para formar cidadãos críticos, coerentes, o sistema deve fazer um exame de ótica para vislumbrar novas ferramentas, amadurecer conhecimentos e inseri-los no processo educacional para que as deficiências se ajustem com a realidade social da clientela.

Somente dessa forma, a escola conseguirá cumprir os papéis políticos e sociais da educação por meio de instrumentos acessíveis, realizando, assim, o maior sonho do sistema, que é promover a inclusão.

Mas… Humanidade sem rumo…
Sociedade sem direção…

Reconstruir uma sociedade de contrastes religiosos e culturais, ofuscada pelo desnível social devido à má distribuição de renda, exige resgates que reequilibrem os relacionamentos e despertem a responsabilidade do cumprimento de deveres.

O retardamento de atitudes está fazendo com que um novo nível social desponte transversalmente por meio de líderes com força, coragem e disposição para imporem os seus direitos. Para tal, obrigam a própria polícia a cumprir suas deliberações: recuar e permitir que a lei de quem tenha audácia de fazer acontecer impere.

E está imperando com tamanha eficácia que os generais do tráfico comandam, com pulso de ferro e auxílio dos “trabucos”, bairros e cidades, determinando regras, dando o toque de recolher… E, se o descaso das autoridades competentes prosseguir, o Brasil voltará a ser colônia, mas dos delituosos que dominarão o País sem que o Estado consiga fazer valer os direitos do cidadão de ir e vir com liberdade e segurança.

Existe cidadão que está enveredando pelos caminhos do crime para fazer valer o direito maior — o direito de viver —, pois aqueles que deveriam cumprir deveres como proporcionar segurança são negligentes, omissos e permitem que os cidadãos se tornem alvos vulneráveis.

Chegamos a esse patamar porque, no país mais democrático do planeta, que se orgulha de ostentar o maior programa social entre as nações, o cidadão não tem voz. Tudo que lhe resta é permitir ser sugado pela mais alta taxa de impostos, pois, nessas bandas do mundo, caçar um bicho para matar a fome ou armar uma banca com algumas bugigangas para garantir a sobrevivência da família são crimes punidos com agressão, humilhação e transmissão pela imprensa.

Liberdade, direitos e deveres existem apenas numa publicação da União denominada Constituição Federal. No enredo da vida real, lei e justiça não comungam os mesmos ideais e, para muitos que impõem o direito de viver, são excluídas ou abatidas impiedosamente.

Nesse fogo cruzado, cada um cria a própria lei — a da sobrevivência. Inicia-se aí a guerra maior para edificar a autodefesa para salvar, pelo menos, a dignidade da pessoa humana. Essa peculiaridade ainda é a orientação que conscientiza os “deletados” da sociedade de que, além de cidadãos, são humanos, e humanos não podem ser estagnados ou se tornar um elo perdido e forçado a passar pela máquina de acabamento designada padrão social, que, mesmo defendendo os Direitos Humanos, não valoriza o humano.

Infelizmente, temos que admitir que a humanidade chegou ao seu limite, principalmente de tolerância, no qual atacar o próximo se tornou o mais sublime ato de defesa. Dessa forma, todos saberão que estamos vivos e vigilantes aos mais singelos bulícios à nossa volta.

Transitar nesse circuito de traições e trapaças, ser forte, é uma provisão; ter sempre em punho a arma fatal para destruir é a garantia para ficar de pé. Gentileza, num recinto onde todos querem ser, é, para muitos, um gesto que humilha, é curvar-se diante do próximo e reconhecer a sua superioridade. E, mesmo flagelado, é imprescindível evidenciar firmeza, ser duro, irredutível para não salientar temor. Do contrário, não se está preparado para a guerra pela supervivência.

Ainda há algo a fazer?

Mudar o perfil do país do “jeitinho”, da “Lei de Gerson”, da “malandragem” e transformá-lo num país sério requer uma sociedade de cidadãos que não usem o sentimento, a simpatia, o acolhimento caloroso como cartão de visita, mas que desliguem o dispositivo da “gentileza” para agirem com o racional e não façam a “gentileza” de permitir abusos e transformar uma realidade cuja situação fugiu do domínio do Governo.

Sabemos que não existem valores absolutos ou atemporais, mas, como célula de uma sociedade, podemos multiplicar virtudes essenciais à formação de cidadãos coesos, como o bem maior de um país, que é a justiça. E esta é distribuída envelopada para quem dispõe de cifras para adquiri-la, pois o novo milênio lançou um grande desafio para que a sociedade reconstrua os seus fundamentos: ambicionar garantir a subsistência das novas gerações.

E, no Brasil, democracia é uma mitologia, pois democracia sem autonomia para exigir direitos e fazer com que deveres sejam cumpridos resulta no estágio em que o País se encontra: um verdadeiro Deus nos acuda.

A tirania dos dominantes chegou a se converter em aberração: a população não tem forças para gritar. Muitos já não sabem assinalar o que é correto, incorreto, justo, injusto… Verdadeiro ou errado. Pois os soberanos, legalmente constituídos, proporcionam regalias absurdas aos não constituídos que favoreceram as suas ascensões ao poder.

O brasileiro necessita aprender a gostar de si para, assim, valorizar-se e votar com a razão, não trocando o voto por uma cesta básica, um saco de cimento, uma laqueadura… É preciso maturidade política para votar usando o racional, para dar um basta em representantes que brincam de ser governo fazendo farra com os recursos que são desviados para atender à cobiça desenfreada.

Quando chegarmos a esse estágio, conscientizaremo-nos de que voto não é tapinha nas costas, sorrisos ou um gole de cerveja no boteco da esquina… Voto é reflexão, responsabilidade com o futuro do meu, do seu… do nosso filho. Pois essa realidade é o reflexo de uma cidadania forjada que prega deveres e assalta direitos, vende sonhos e proporciona pesadelos… Impedindo que o livre-arbítrio transite nas alçadas sociais, reduzindo, assim, os próprios Direitos Humanos a ponto de a ética e a cidadania serem banidas de locais onde deveriam prevalecer como instrumento de mudanças.

Uma das veias de escape está no domínio do Estado de Direito, que deverá transformar as nossas escolas em espaços de formação humana para, somente assim, o País passar a construir espaços para a vida — salas de aula — e destruir espaços que são depósitos dos frutos de uma sociedade sem direção e que conduzem à destruição da vida — os presídios.

O preço dessa conquista pode ser parcelado no “banco da escola” se o Governo cair na real e reformular o sistema de ensino para se certificar de que valores se constroem através de uma trajetória de exemplos. Compreender que informação se encontra em qualquer lugar, mas o saber fazer para adquirir conhecimento requer espaços específicos, atitudes que eduquem por meio da inserção dos saberes e valores intrínsecos à formação humana, e não tentar afoitamente ajustar parafusos em máquinas que raciocinam, mas que não refletem por deficiência de estrutura, para atingir metas de um governo que se preocupa com os números do gráfico do Ideb, e não com a situação dos que dependem da educação pública para serem notados.

Quando essa ficha cair, o sistema entenderá que educação não é feita de gestores que reprimem, crédulos de que estão impondo ordem; de professores que protestam, gritam, coagem… acreditando que estão disciplinando; de governos que apenas investem para cumprir a lei e desviam o olhar com ar de “não estou nem aí” para a qualidade, fazendo da escola um recinto que não prepara para a vida nem insere conhecimentos básicos num ambiente que está se tornando cada vez mais elitista.

De olhos vendados, não assimilam que educar não é alfabetizar, despejar informações por meio da TV, de vídeos, bibliotecas e salas de informática. Educar é abrir caminhos… E caminhos que levem à realização pessoal e profissional através de conteúdos que originem conhecimentos úteis, e não futilidades para preencher o tempo… Pois a verdadeira arte de educar está em projetar o humano para crescer, construir sonhos e preparar pessoas para concretizá-los.

O cenário é desolador… Preocupa até aqueles que podem fazer algo para sairmos do caos: “Temos que saber se as crianças estão aprendendo. O resultado não é nada promissor!”. É o presidente Luiz Inácio Lula da Silva quem nos revela essa drástica verdade.

Recolocar os vagões nos trilhos exige cuidado para não desmoronar as frágeis estruturas. É preciso iniciar com o acionamento da locomotiva “família” para que saia da “roupagem” e parta à caça para capturar seus valores, pois os que sobressaem ou são heróis que superaram a desestrutura familiar, as deficiências de um sistema de ensino estremecido ou são oriundos de uma família estruturada nos princípios morais, éticos, civis e religiosos, na qual a justiça e a verdade foram aplicadas.

img-mat-esp-1676-05Se a sociedade se instituir, os resultados podem surpreender. Essa organização não tem custo além da participação de todos. Basta que deveres sejam cumpridos para que direitos resultem em responsabilidades. Essas mudanças de atitude são a diferença de quem faz da educação um instrumento de transformação social.

E foi na busca de referências que me surpreendi com a Escola Municipal de Ensino Fundamental Vera Cruz, no distrito de Posto da Mata, município de Nova Viçosa.

A escola de 1.500 alunos foi moldada numa gestão que entra para o seu quarto ano. Nessa trajetória, as falhas foram ajustadas entre discussões, confrontos e conflitos. As divergências levaram ao amadurecimento da comunidade escolar, que se conscientizou de que o futuro dos seus filhos não depende exclusivamente da escola, mas da parceria na busca de alternativas por meio do envolvimento escola-família- comunidade.

Essa iniciativa proporcionou autonomia ao professor, liberdade ao aluno e estimulou o comprometimento da família. A partir desse ponto, conflitos e desvios comportamentais foram reduzindo, pois a realidade da clientela é tecida através de programas nos quais os temas drogas, violência, sexualidade, cidadania, meio ambiente, família e educação são apresentados por especialistas, e, posteriormente, os alunos se deparam com eles através de feiras, apresentações, seminários, cuja plateia são alunos e professores de outras escolas, famílias e comunidades.

Os ingredientes da receita?

Nasceram com o estreitamento do relacionamento gestor, funcionários, supervisão pedagógica, professores, alunos, famílias, comunidade, entidades, empresas, aplicação dos recursos de programas do Governo Federal como Proinfo Acessibilidade, Plano de Desenvolvimento da Escola (PDE Escola), Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE) e programas com empresas privadas, entre eles Parceria Votorantim pela Educação com Prefeitura Municipal.

As mudanças fizeram com que a escola mantivesse os seus portões abertos, onde professor de disciplina apenas controla a entrada e saída de pais e visitantes para garantir a segurança de alunos, professores e funcionários.

Os resultados foram surpreendentes, principalmente quando a escola ficou em terceiro lugar na Olimpíada Brasileira de Astronomia e Astronáutica (OBA), organizada pela Sociedade Astronômica Brasileira (SAB) em parceria com a Agência Espacial Brasileira (AEB) e com a Furnas Centrais Elétricas S/A, em 2009.

Com essas atitudes, demonstraram que educar com responsabilidade, liberdade, consciência e parceria pode ser um salto para que a sociedade de direitos assuma deveres e reconquiste valores.

img-mat-esp-1676-06E o Estado de Direito… Por onde
andam os seus deveres?

Vivemos numa sociedade cuja lei se preocupa com o delinquente que tem direito a um defensor público, autonomia de silenciar para omitir os seus delitos… E o Estado atende o criminoso incomodado com a cela superlotada, com a marmita que chegou fria, atrasada ou repetiu os ingredientes da refeição anterior. Esse mesmo Estado que prega Direitos Humanos continua ignorando o cidadão que repousa sob pontes, pilastras, praças ou transita virando latas de lixo para matar a fome… Continuaremos com um Brasil de vias independentes, onde cidadãos-cordeiros desconhecem os princípios da justiça e da dignidade, pois os Direitos Humanos transitam por presídios e delegacias preocupando-se com a “estadia” do assassino de elite, do traficante, do assaltante de bancos, dos sequestradores, dos pedófilos, que têm regalias na sociedade de direitos sem deveres a cumprir. Dessa forma, os casos de sucesso, como o do Colégio Vera Cruz, continuarão como episódios isolados.

No submundo de uma sociedade que cobra um preço para existir, o tráfico de entorpecentes, a criminalidade, a prostituição disputam terreno com a corrupção, que lança a dignidade do voto no abismo do descaso, fazendo da ilegalidade uma alternativa de vida. Pois segurança é algo que deixou de existir há muito tempo, e quem a tem paga um alto preço para ostentar um batalhão de seguranças particulares, carros blindados e uma parafernália eletrônica que exige altos investimentos… A polícia está cada vez mais desacreditada, pois muitos policiais, em vez de proteger o cidadão, prestam serviços às milícias, e, como é impossível distinguir policial de um “marginal de farda”, o clima de insegurança é cada vez mais tenso.

Nessa atmosfera de terror, a sociedade se comprime entre dois paredões: o Estado, que suga através da alta taxa de impostos, descumprindo deveres; e o poder paralelo, que impõe os seus limites por meio da selvageria.

Com pés e mãos atados, só nos resta bradar — antes que uma bala perdida silencie a nossa voz: é justo pagarmos por segurança e permitirmos ser vítima da violência? Termos direito à educação de qualidade e aceitarmos escolas que mais parecem campos de concentração? Saldarmos a nossa dívida com a saúde e sermos atendidos em hospitais cujo descaso com a vida os transforma em abatedouros? Ou será que o Estado de Direito tem somente direitos… E os deveres são unicamente do cidadão?

Os disparates desabam em cascata sem que ninguém assuma a responsabilidade de fazer algo: Estado, família, sociedade… Todos passam a bola adiante. O Estado continua omisso, fazendo vista grossa para os problemas sociais; as famílias, desestruturadas, em estado de saturação, perderam a receita para educar os seus filhos com princípios, limites e valores… No vai e vem de quem faz, de quem manda e de quem obedece, as consequências recaem sobre a sociedade, que simplesmente não reage.

E o Estado, em vez de oferecer amparo, age como um padrasto cruel tratando os seus filhos com indiferença, desrespeito… Esse Estado de leis paralelas — que liberta o assassino de alta periculosidade e o réu confesso alegando insuficiência de provas e falta de espaço em delegacias e presídios — resguarda o político corrupto que desvia milhões… E esse mesmo Estado algema um pai de família e atira-o num camburão da polícia, simplesmente porque, no ápice do seu desespero, encontrou como alternativa manter o filho enclausurado em casa para não ser exterminado por traficantes.

Entretanto, as leis que reprimem o abuso de poder raramente são postas em prática, pois temos uma Câmara e um Congresso especialistas na arte de criar leis para se autobeneficiar, pois a maioria está extremamente preocupada com o próprio umbigo… O reflexo está estampado nas cifras dos custos dos nossos parlamentares, que são os mais caros do mundo; reembolsados a peso de ouro, como prova a pesquisa realizada pela organização Transparência Brasil, que mostra que um minuto que o Congresso serve à Nação custa aos contribuintes mais de 11 mil reais.

O festival de gastanças gera números que assustam, pois cada senador tem um custo anual de mais de 30 milhões de reais. Essa “merreca” é uma das maiores vergonhas do nosso Congresso. Se compararmos com os congressos de países mais ricos, como Itália, França e Espanha, depararemos com diferenças absurdas. Só para se ter noção, seis meses de salário de um parlamentar brasileiro pagam um mandato de quatro anos de um italiano, que está entre um dos maiores da Europa.

Mas, como cada povo tem o governo que merece, elegemos um presidente que acredita que os que têm a carga menor não têm condições de fazer absolutamente nada de política social. E se não acertarmos nessa eleição, continuaremos a navegar no mar das turbulências, longe da rota de uma sociedade sustentável, pois o desrespeito, o descumprimento de leis continuará imperando, postergando o direito à vida numa democracia em que alguns representantes entendem que o paparico da mídia é o mínimo que pode ser feito para exaltá-los mundo afora como “salvadores da pátria” que conquistaram o equilíbrio financeiro, lançando a Nação num aterro movediço:

Eu levanto de manhã, vejo manchetes e fico triste. Acabei de inaugurar 2.000 casas, não sai uma nota. Caiu um barraco, tem manchete. É uma predileção pela desgraça. É triste quando a pessoa tem dois olhos bons, e não quer enxergar. Quando a pessoa tem direito de escrever a coisa certa e escreve a coisa errada. É triste, melancólico, para um governo republicano como o nosso!

É o Presidente Lula, que se despede com ar de missão cumprida.

É triste viver num país democrático e ser governado pelas milícias que impõem as suas leis e definem as suas regras, pois a lei que rege é a promulgada na constituição do poder paralelo, que substituiu a letra “Ouviram, do Ipiranga, as margens plácidas”, do Hino Nacional, pelo “ra-tá-tá-tá”, acompanhado pela orquestra de metralhadoras, fuzis e granadas das polícias clandestinas, em que a justiça oferecida é: fuja ou a faça com as próprias mãos.

É triste apreciar as estruturas do país do futuro se ruírem e deslizarem no lamaçal da corrupção, levando para o precipício o futuro — as nossas crianças lançadas à própria sorte e instigadas a viver na ilegitimidade: dormindo em bancos de praças, viadutos, calçadas… mendigando o pão de cada dia nos sinais, ante o olhar de uma sociedade que passa em alta velocidade com receio de puxar o freio de mão e ser assaltada ou entender tamanha carência familiar, descaso político, social e fazer um gesto para amenizar essa realidade.

É mais cômodo não encarar a vida do outro e viver a própria vida; é mais seguro pisar fundo, acelerar a máquina do poder e passar alheio ao futuro que a cada dia é uma ameaça maior à sociedade do que engatar uma ré e resgatar uma vida que pede apenas para viver.

Pois essa vida é o futuro do país que se expõe física, emocional e moralmente e que está sendo moldado para ser uma prostituta, um traficante, um sequestrador, um assassino… Pois, no país do futuro, não existe presente… O país do futuro transita no paralelo das injustiças e desigualdades sociais, na contramão da vida… O seu presente é o abandono, o descaso de vidas que se iniciam e já estão submersas no submundo dos entorpecentes, do meretrício, da criminalidade… Com esse avanço que elevou o País à oitava potência econômica, resistiu à crise mundial, conquistou a autossuficiência do petróleo… Atingirá o ápice com mais uma autossuficiência: a industrial, quando se converter numa fábrica de marginais. Dessa forma, a sociedade de direitos jamais terá deveres.
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