Edição 78

Em discussão

Sou professor. Por que estou me sentindo sozinho?

Sérgio Marcelo Salvino Bezerra

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Nos últimos dias, tenho pensado um pouco sobre como o professor deve se sentir sozinho. Talvez o estimado leitor não concorde, já que em uma escola há coordenadores, diretores, auxiliares de disciplina, psicólogo, psicopedagogo, porteiros, recepcionistas, entre tantas outras funções que são comuns ao ambiente escolar.

Mas a questão agora é: esses profissionais citados acima estão mesmo nas escolas? A resposta certamente não é tão difícil. O professor não está apenas só, mas está também esquecido e sem saber qual a direção que deve tomar.

A nossa reflexão é oriunda do caos instalado em nossas escolas. Salário e jornada de trabalho ficam em segundo plano quando o assunto diz respeito aos problemas enfrentados pelo professor. O que nos chama a atenção e, de certa forma, nos deixa intrigados é como a solução da maioria dos problemas estaria na escuta verdadeira e comprometida do profissional da educação. No entanto, este não é procurado.

Uma das grandes questões hoje é a chamada indisciplina dentro de sala de aula. Há uma discussão sobre o que é indisciplina, mas partiremos do princípio de que indisciplina é o não cumprimento de regras, a falta de respeito aos limites. Em oposição, pode-se afirmar, segundo o Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa (2002), que disciplina é submissão ou respeito a um regulamento.

Neste momento, o amigo leitor deve pensar que está diante de mais um enfadonho texto sobre disciplina e/ou indisciplina. Não, esse não é o tema central desta nossa conversa, mas apenas o pano de fundo para nossa análise, já que rotineiramente se tem atribuído ao professor a responsabilidade pela indisciplina. Mas será desse profissional tal prerrogativa?

A partir de agora, iremos focar na questão inicial expressa no texto. Por que o professor está se sentindo sozinho? A realidade é que estamos em pleno século XXI, e a sociedade mudou. Há 20 anos, tudo era bem diferente, mas as universidades que oferecem as licenciaturas em suas diversas áreas ainda estão formando seus professores como no século XIX.

Temo quando escuto de diversos colegas profissionais de escolas públicas e privadas que os professores venerados são aqueles que impõem medo aos alunos; os professores respeitados e elogiados são aqueles que, quando um supervisor entra em sua sala, seus alunos estão sentados e caladinhos aguardando algum comando; os professores reconhecidos são pessoas sérias, face carrancuda e que se assemelham a generais diante de seus comandados. Isto é, no mínimo, indecente. É o fim da educação e a falta de visão dos que se dizem conhecedores dessa área.

Teorias são boas, pensadores são bem-vindos, mas vale a pena ser colocada em prática uma dose de bom-senso. O que queremos aqui é um espaço para a reflexão sobre o que estamos vivendo em nossas escolas e o que estamos ouvindo dos nossos dirigentes da educação brasileira. Pessoas despreparadas estão ocupando cargos que jamais poderiam ser de alguém que nunca entrou em sala de aula como educador. Técnicos que não sabem da realidade à qual estão submetidos nossos profissionais de educação e que estão se tornando ícones nessa área.

Não quero aqui afirmar que é fácil mudar, mas é preciso ouvir, e ouvir com uma audição bem aguçada, para perceber o grito de desespero de nossos professores. Nunca se viu tantos profissionais de educação frequentando consultórios de psicologia e psiquiatria. O sinal está vermelho, não dá para avançar, mas o professor é exigido a ir além. Isso está lhe custando a saúde. A paz já não envolve mais seu coração. O professor está ficando doente…

É um absurdo cobrar de um professor com 40 ou até 60 estudantes em sala que estes estejam sentados, calados e só ouvindo. “As aulas precisam de mudança; seja criativo, professor.” Que frase desesperadora. Ser criativo é colocar 50 jovens ou crianças quietos durante o período mínimo de 5 horas por dia, sentados em cadeiras inadequadas e em ambientes muitas vezes sem o mínimo de conforto? Certamente, não.

Os tempos são outros. O professor precisa estar cada vez mais preparado, estudar e aplicar novas metodologias, utilizar as novas tecnologias. Concordo, mas não se pode fazer isso sozinho. É inadmissível exigir do professor que sua sala seja homogênea. O professor é aquele que precisa ensinar a grosso, e seu aluno recebe a informação a varejo. Definitivamente, estamos diante de um caos.

Não pretendo oferecer uma receita. É fato que sabemos por onde começar, mas simplesmente não somos levados a sério. Ao contrário, ouvimos insultos por lutarmos por um salário digno e uma jornada de trabalho adequada. O que trataremos agora pode não ser unanimidade, mas se você, leitor, é um professor, certamente compreenderá nosso intuito.

Definitivamente não dá mais para se ter uma sala de aula com mais de 15 alunos. Admitamos uma quantidade máxima de 20 alunos. Mesmo assim, o professor não dará conta. Não há sala homogênea. O profissional comprometido precisará dar atenção a todos os seus alunos. Para isso, ele necessitará de um auxiliar, um estagiário, uma pessoa que esteja habilitada para assumir a função de apoio ao professor. Com 20 alunos, poderemos dar uma melhor atenção, com o auxiliar poderemos diagnosticar quais alunos precisam de apoio maior para uma aprendizagem eficaz. Esse cenário é dentro de sala. E fora dela?

Fora da sala, mas dentro da escola, precisamos de psicopedagogos que tratarão das dificuldades de aprendizagem. Precisamos de psicólogos que acompanharão situações ligadas ao comportamento de educandos, à relação com familiares e educadores. Precisamos de porteiros, que estarão atentos ao fluxo de todos que entram e saem da escola. Precisamos de vigilantes, que ajudarão a preservar o patrimônio da escola. Precisamos de coordenadores de disciplina, que serão o elo entre o professor e a coordenação para situações diversas em que alunos não queiram permanecer nas salas de aula. Precisamos, enfim, de pais comprometidos, que acompanharão e auxiliarão na formação de seus filhos.

Pode-se agora questionar: a escola não é assim? SUR-PRE-SA… Não é. Não é, e parece que nunca será, pois nada de absurdo foi abordado até agora, mas simplesmente nada é feito. O que queremos é um funcionamento adequado e a presença de profissionais que promovam uma educação eficaz e um ambiente de aprendizagem harmonioso e produtivo.

Há um campo vasto de oportunidades para os diversos profissionais ligados à educação. É preciso contratar, realizar concursos públicos e apoiar aquele profissional que tem se sentido sozinho. Milhares de profissionais se formam a cada ano. O psicopedagogo e o psicólogo precisam urgente e definitivamente compor as equipes escolares. Não dá mais para o professor caminhar isolado. É tempo de reivindicar, é tempo de mostrar à sociedade a real situação da educação. Não podemos nos iludir com números e propagandas de governo que mostram escolas com prédios belíssimos e uma jornada integral para seus alunos com o intuito de apresentar uma educação em ascensão e com excelentes resultados.

Um país sério investe em educação e apresenta resultados palpáveis. Não adianta apenas importar modelos de monitoramento de países bem-sucedidos na área de educação sem termos as mínimas condições em nossas escolas. Cabe ao nosso país reformular os cursos de licenciatura e estimular a sociedade a seguir a carreira docente. As escolas precisam de profissionais comprometidos e com condições dignas de trabalho.

Ao professor, cabe a esperança de não mais permanecer sozinho e tirar de seus ombros o peso da sensação de solidão e da impotência no contexto escolar. Enquanto esse momento não chega, ele caminhará sozinho e se sentirá esquecido.

Sou professor… Ainda me sinto sozinho.

Pensem nisso.

Sérgio Marcelo Salvino Bezerra é gestor escolar da rede estadual de ensino do Estado de Pernambuco, professor da rede municipal de ensino do Recife, graduado em Geografia pela Universidade Federal de Pernambuco, especialista em Gestão Ambiental (Faculdade Frassinetti do Recife – Fafire) e Psicopedagogia (Universidade Católica de Pernambuco – Unicap/Cepai).
Endereço eletrônico: sergiobezerra.prof@gmail.com.

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