Edição 43
Profissionalismo
Tudo é uma questão de escolha
Heliene Silva Alves
Sempre fiz de tudo para cumprir minhas tarefas da melhor maneira possível e, quando me tornei professora, não foi diferente. Aulas planejadas, conteúdos revisados, exercícios programados, correções em dias preestabelecidos, agenda impecável.
Cheguei a acreditar que a educação se resumia em planejamento incondicional de todos os passos a serem seguidos durante o dia, o mês, o semestre e o ano, mas, lá no fundo, senti que faltava algo: o amor!
Amor por aqueles alunos que chegam à escola em busca de novidades e improvisos; amor pelos que aprendem a cada dia com pequenas ações; amor por aqueles que não trazem as tarefas feitas porque tentaram, e não conseguiram; amor pelos que vivem no meio de adultos hiperatarefados; amor por todos os alunos que acreditam em minhas palavras e ações; amor pelos que me olham como alguém especial.
No dia em que percebi essa lacuna no meu “eu-professora”, busquei dentro de mim as ações que me fizeram a aluna que simplesmente amava a escola. Lembrei que lá encontrava mais que “dadores” de aula, e sim educadores. Professores que atraíam a atenção com gestos singelos, olhares calmos, ações verdadeiras, palavras serenas e engraçadas. Pessoas de uma luz tão intensa que iluminavam o caminho escuro e desconhecido da aprendizagem.
Embora não tenha tido somente professores assim, aprendi com todos, inclusive com os que dissertavam fórmulas que eu não compreendia e que adiavam minha alegria para aulas em que os conteúdos eram recitados como poemas que saem do coração de um poeta.
A partir desse dia, deixei de lado a rotina, o programado, o preestabelecido, o previsto, o milimetrado, o que não significa que tenha deixado de planejar minhas aulas, e sim que agora adapto meu planejamento às necessidades reais dos meus alunos. Passei a olhá-los com mais atenção, procurando perceber o que eles realmente precisavam e queriam aprender, em vez de usar o pequeno tempo que passamos juntos para cumprir tarefas que fariam pouca diferença na vida de cada um.
O que ganhei com isso?
Um grupo de alunos maravilhosos, seguros de suas ações, cheios de coragem de errar e de motivação para tentar novamente. Uma turma que é comprometida com seu aprendizado e que se orgulha de seus resultados. Alunos que se ajudam mutuamente e que assumiram o sentido da coletividade em sua vida. Sorrisos mil de alegria a cada dia que chegam à escola.
E os conteúdos?
Continuam sendo ministrados de acordo com o que foi programado no início do ano. A grande diferença é que a aprendizagem ficou mais prazerosa e de fácil compreensão, já que os alunos agora sentem que tudo o que será ensinado foi pensado para eles, e não para satisfazer a vontade dos outros.
Você pode estar pensando que é impossível aplicar tal mudança à sua realidade.
Afirmo que não! O que é impossível para um professor que atua com vontade de mudar a história daqueles a quem ensina? Cada um de nós pode escolher se chega à escola como quem parte para um encontro com o futuro ou se sai de casa, todos os dias, para uma triste realidade na qual foi inserido.
Podemos optar por trabalhar com o aluno que, sob um ponto de vista, é considerado problemático e incapaz ou com o aluno que, sob um novo ponto de vista, precisa apenas de ajuda para aprender e que pode se desenvolver se essa ajuda for real. Podemos optar por culpar a família do aluno pelo seu “abandono” escolar ou buscar os reais motivos pelos quais essa família não consegue se fazer atuante na vida dessa criança. Podemos culpar vários agentes pelos insucessos desse aluno ou fazer parte da mudança pela qual ele tanto espera, afinal de contas ninguém fracassa por vontade própria. Podemos fazer muita diferença na vida de cada um dos nossos alunos ou sermos lembrados como“aquele professor que eu não lembro o nome e que dava a aula chata daquela disciplina que eu não lembro bem”.
Sempre há tempo para mudarmos nosso fazer pedagógico e nossa atuação social. Temos, todos os dias, a chance de corrigir as falhas de ontem e fazer com que elas se transformem nos acertos de amanhã. A vida dá a poucas pessoas a opção de consertar seus erros, e nós, professores, temos a oportunidade de mudar não somente os nossos, mas também os dos outros. Os erros daqueles que destruíram aos poucos a natureza por falta de uma consciência ambiental. Os erros daqueles que praticam a política de maneira inconsciente porque não aprenderam noções de ética e cidadania. Os erros daqueles que não respeitam as leis porque não aprenderam a conviver pacificamente com os direitos dos outros. Os erros daqueles que erram todos os dias porque não acreditam numa possibilidade de mudança.
Uma tarefa impossível e injusta para alguém que trabalha tanto, ganha pouco e é cobrado a todo momento ou uma tarefa para aquele que tem a certeza de que sua luta não será em vão?
Quem pode responder a essa pergunta está, por vontade própria, com este texto na mão. Tudo é uma questão de escolha.
Heliene Silva Alves é pedagoga, especialista em Psicopedagogia e professora do Ensino Fundamental I e II da rede particular na cidade de Itapipoca.