Edição 66

Lá Vem a História

Um livro “indispensável”!

Jorge da Silva

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Dona Therezinha perguntava todos os dias quem o tinha trazido. Até que um dia, depois da resposta de Carlinhos, veio o silêncio total de uma classe.

Iniciava-se mais um ano letivo naquele colégio de subúrbio do Rio de Janeiro. A professora, a mesma da série anterior, insistia para que os alunos providenciassem o novo livro de História. “É in-dis-pen-sá-vel!”, não se cansava de repetir, marcando com ênfase cada sílaba.

— Olha, não vou avisar mais. Quem não trouxer o livro não vai assistir à aula e vai perder pontos na prova. Sem desculpas.

Apesar de exigente e sisuda, Dona Therezinha era uma professora querida. Com fala pausada e firme, explicava os fatos históricos com tanta emoção que, às vezes, fazia com que os alunos se vissem neles envolvidos. Tinha o hábito de repetir as explicações e, pacientemente, tornava a fazê-lo se alguém o pedisse. Sua dedicação ia a ponto de conferir e rubricar os cadernos dos alunos. Mas não abria mão do livro. “In-dis-pen-sá-vel!” Afinal, tratava-se de um colégio particular.

— Quero ver os livros. Quem trouxe levanta o braço — dirige-se à turma em tom incisivo.

Vários não o levantam. Ela resolve, então, perguntar a estes, um a um, o motivo da inadimplência. No fundo, tratava-se de mero ritual, destinado a comprometer cada discente com a obrigação. As justificativas eram as de sempre: ou o livro ainda não tinha sido comprado, sob a alegação de que não fora encontrado, ou tinha sido deixado em casa, por esquecimento.

A turma era praticamente a mesma do ano anterior, e Dona Therezinha sabia o nome da maioria. Era atenciosa até mesmo com Pedro Capeta.

— Por que você não trouxe o livro, “seu” Pedro Paulo dos Santos?

— É que meu pai ainda não comprou. Ele disse que não encontrou. Eu acompanho aqui no livro da Aninha.

— Não tem desculpa. Na próxima aula, cada um com o seu livro. Quem não trouxer já sabe: não precisa nem entrar na sala.

E segue o ritual. Chega a vez de Carlinhos, um dos preferidos de Dona Therezinha. Exemplo de aluno, pois não faltava e sempre acertava as respostas da revisão ao final da aula. E lá estava ele, de novo, ainda sem o livro.

— E o livro, Carlos Alberto, por que não trouxe o livro, meu filho?

— Não trouxe porque não trouxe, ué! — o educado aluno responde de forma inesperadamente ríspida. E a professora, perplexa, insiste, agora de forma dura:

— Mas não trouxe por quê?

— Porque não trouxe — ele repete, secamente.

Dona Therezinha cai em prantos. Senta-se à mesa, prostrada, as mãos no rosto, e chora convulsivamente.

— Por que, meu Deus? A gente faz tudo por eles e recebe isso em troca. Eu não mereço. Só quero o bem deles. Ai, meu Deus!

Silêncio total. Ninguém sabe o que fazer. Dona Therezinha pega as suas coisas e sai, chorando. Frágil. Carlinhos fica estatelado. Desespera-se. Não queria aquilo. Arrepende-se e, em pânico, corre para pedir-lhe desculpas, mas não a alcança. Pediria na aula seguinte. Acontece que Dona Therezinha jamais voltou ao colégio.

Jorge da Silva é Doutor em Ciências Sociais e professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro.

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