Edição 07

Lendo e aprendendo

Criança e Paz

Toda criança é portadora da paz. Com sua demanda de es-paço e de vida, renova a frater-nidade. Suas perguntas nos obrigam a pensar sobre a razão de cada passo e o rumo de nossa vida. Rai-nha da paz e mestra da sabedoria, quase nunca é levada a sério.

Há dois mil anos, em Belém, nascia uma criança carregada de paz. Não havendo lugar para ela. Foi acampar nas cercanias da cidade, à espera de pessoas que pudessem recebe-la. Ao seu encontro, acorreram os guardadores de ovelhas. Gente simples, de baixa colocação na pirâmide social. Pessoas comprometidas com a paz, mas carentes de dignidade e de cidadania. Povinho carregado de esperança, mas sem valia nas relações da economia e da política.

Hoje, como ontem, a paz se encontra em periferias e baixadas, sempre nas mãos de uma criança. Coberta por uns trapinhos, a paz chora de fome e de frio, e, assim, vai definhando na vida perdida da criança desnutrida.

Em cada seis, uma é paz morta pelo pão que não foi repartido, pelo re-partido, pelo teto descoberto e pela ausência do carinho de pai e da ternura de mãe. Órfã de um mundo que globalizou o reinado da economia excludente e predatória.

Há bem pouco tempo, vestida de branco e à luz de vela, a Cidade Maravilhosa esperava amanhecer o dia trazendo a paz, como um sonho de Cinderela! Quando a paz chegou a adentrou o tempo do consumo, foi enxotada pelos defensores da ordem e do progresso! As luzes das lojas se apagam, e as portas foram cerradas pelas mesmas mãos que acenavam das janelas com toalhas brancas. Os jornais noticiaram.

A gente pensava que a paz chegaria travestida de anjo. Eis que aparece mal-vestida e mal-cheirosa, pois, sem conhecer a estabilidade de uma tapera, vegeta em barracos desprovidos de conforto e de mordomias.

Não estava no script que a paz estaria nas mãos da criança coberta de andrajos e de olhos esbugalhados diante de tanta fartura e beleza. Malditos sem teto! Ousam perturbar o weekend da frivolidade e da fantasia.

O engraxate da esquina cantarola, sorrindo com os olhos. Pareceu-me ouvir a melodia do Chico Buarque, cantando o desfile da vida em festa. Lembrei-me de que em outros tempos proibiram passeata de panela vazia. É tão simples basta enche-la!

Mas adiante um mendigo gargalhava. Não precisa ser médico para prescrever o único remédio que afugenta o sem-teto. De novo, é tão simples. A moradia. Terra, casa e escola, os três segredos de Fátima para salvação do Brasil. É tão simples não?

Em todos os tempos, procura-se a paz onde ela não se encontra. A paz não abre mão de ser criança que pede espaço para vida com dignidade e esperança. A paz é vida para as crianças. É teimosa. Defende a política da cidadania. Criança e paz. O destino da criança é a maturidade da vida, não o paraíso dos anjinhos. Encontra a paz quem abre caminhos para a criança crescer em idade, graça e sabedoria. O caminho da paz estará sempre nas mãos das crianças. Crianças e paz!

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