Edição 14

Professor Construir

O Ecossistema Manguezal potencializando competências e habilidades na Educação Infantil: da proposta à prática

A Prefeitura do Recife, através da Secretaria de Educação, vem construindo, junto aos educadores da Rede Municipal, uma proposta pedagógica comprometida com a construção da identidade cidadã dos nossos alunos das camadas populares.

Nesse sentido, propõe a inserção da cidade no temário da educação escolar, tendo como definição político-pedagógica a possibilidade do agir-cidadão na perspectiva da construção coletiva de formas de viver e conviver, destacando valores ético-sociais, como a solidariedade.

A proposta cidade-escola tem o sentido de mobilizar os alunos para o reconhecimento da produção cultural local, a apropriação de linguagens e de símbolos e a interlocução entre os sujeitos, num processo de construção de identidades. É nessa perspectiva que se insere a educação para a cidadania, na qual o sujeito, sem abandonar suas raízes, se referencia nas questões globais, ressignificando o seu viver e o conviver cotidiano, tornando-se cidadão do mundo.

Imbuídos desse espírito, os gestores decidiram homenagear, no ano de 2003, o cantor e compositor Chico Science, artista local, falecido precocemente, há quase sete anos, em trágico acidente automobilístico. Líder do Movimento Mangue, Chico foi um menino pobre da periferia que, vivendo no manguezal do Recife e convivendo com ele, aprendeu a amá-lo, respeitá-lo e preservá-lo. Mais que isso, inspirado em sua beleza e suas potencialidades, criou o movimento Mangue Beat, tornando-se um expoente da música pop dos anos 90. Criou ritmos, compôs e cantou o mangue, encantando o Brasil e o mundo com sua arte-educação.

O mangue que recorta a cidade do Recife e inspirou a produção cultural de Chico Science também motivou a nossa crença na identificação dos nossos alunos com a realidade na qual viveu o idealizador do Movimento Mangue.

Nesse sentido, acreditamos que a educação ambiental deve ser ensinada desde a Educação Infantil, com a promoção de atividades que possibilitem pensar o bem-estar coletivo na perspectiva da inclusão social.

A partir desse elemento, nós, que fazemos a Escola Municipal Alto Santa Terezinha, conhecendo a realidade socioeconômica e cultural do alunado, resolvemos articular o nosso projeto político-pedagógico com o projeto Aprendendo e ensinando uma nova lição, do movimento Afrosmangues, com o qual estabelecemos uma parceria. Esse projeto amplia a jornada escolar e propicia aos alunos uma vivência cultural diretamente ligada à mistura de ritmos populares. Envolve a iniciação musical das crianças, através de experiências com a flauta doce, o maracatu, o coco de roda, o frevo, o xaxado, o baião, o forró, além do contato com a capoeira e com o jogo de xadrez.

O projeto Aprendendo e ensinando uma nova lição foi desenvolvido com 20 crianças, na faixa etária de 5 anos de idade, que, em sua maioria, nunca freqüentaram a escola e enfrentam as dificuldades que a exclusão social promove. Logo, o perfil de entrada dessa turma caracterizava-se pelos saberes oriundos de suas experiências trazidas do contexto familiar.

Considerando esse quadro, a escola percebeu a necessidade de estimular o desenvolvimento da cidadania da comunidade, com a implantação de projetos que minimizem a exclusão social em que vivem.

Dessa forma, estamos garantindo a permanência dos alunos na escola o maior tempo possível, considerando que a realidade das crianças é a da convivência direta com a violência e o tráfico de drogas, que as coloca em situação de risco.

Os desafios são inúmeros, e, entre muitos, destacam-se a urgência em reinventar a escola e suas práticas, a necessidade de encantar o aluno e suas famílias na alegria da ida à escola e, nela, o aprendizado do sonhar e o ensaio dos primeiros passos no agir-cidadão. Entende-se cidadania como:

A participação extensiva ao conjunto da população, enquanto protagonista (individual ou coletivo), em todas as suas fases (desde a concepção, passando pelo planejamento, pela execução, até a avaliação), no processo de conquista, manutenção e ampliação dos direitos humanos, em todas as suas modalidades (civis, políticos, econômicos, culturais, etc.) e em todos os âmbitos (do local ao internacional e vice-versa) (Calado, 2001:17).

Todas as ações desenvolvidas com os alunos objetivaram a construção de afetos, competências e habilidades dentro da temática. A participação das crianças em todo o processo de construção do conhecimento fez com que se sentissem sujeitos ativos de suas aprendizagens. Adotamos a metodologia do planejamento participativo, espaço em que as crianças, desde a Educação Infantil, aprendem a exercer a sua cidadania, participando das decisões coletivas em sala de aula: desde a escolha do tema, a realização de uma aula-passeio e, até mesmo, a maneira como seriam construídos os nossos trabalhos. Para que a temática fosse aproveitada em todas as suas potencialidades didáticas, utilizamos uma prática interdisciplinar e uma avaliação realizada de forma processual e formativa, considerando o tempo de aprendizagem de cada aluno.

Considerando a interdisciplinaridade e a contextualização como elementos fundamentais ao processo de construção do conhecimento, tive que rever algumas práticas pedagógicas e romper com aquelas que se limitam apenas a uma mera transmissão dos conhecimentos, pois, nessas práticas, os mais diversos conteúdos são “depositados” na cabeça dos alunos, de forma desprovida de significados.

O projeto foi dividido em dois momentos. No primeiro, buscamos conhecer a vida, o trabalho e as músicas de Chico Science. No segundo momento, partimos, então, para o manguezal, onde fomos conhecer o mangue e sua diversidade.

O projeto contemplou competências através das seguintes áreas de conhecimento: Língua Portuguesa, Artes, Ciências, História, Geografia e Matemática.

Foi vislumbrando a consolidação das atividades com Arte e Cultura que pensamos em introduzir também as crianças da Educação Infantil. Buscamos interagir com elas em sala de aula, visando a construção de conhecimentos sobre os nossos manguezais. Nessa perspectiva, buscamos o enfoque ambientalista de preservação ambiental, chamando-as desde cedo para a responsabilidade do agir-cidadão, especialmente no que tange à destinação final do lixo, que constitui um grande problema para quem, como elas, mora nas encostas e nos morros.

Ressaltamos, também, a importância da ampliação do universo cultural das crianças moradoras do Alto Santa Terezinha, que, com o nosso trabalho, têm ampliado suas experiências e vivências, considerando que as suas inúmeras limitações empobrecem sua visão de mundo.

Ana Lúcia Hilário dos Santos – graduada em pedagogia pela Universidade Federal de Pernambuco – Recife/PE, especialista em Educação de Jovens e Adultos.
Publicações: Conselho Escolar: concepções e representações sociais – Anais do III Congresso de Iniciação Científica da Universidade Federal de Pernambuco; Gestão Educacional: concepção e representações sociais – Anais da 47ª Reunião Anual da SBPC. E-mail: anahilario@uol.com.br

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