Edição 113

Profissionalismo

Eu quero… Eu quero… A birra da criança pelo consumo: minimalismo na educação

Rosangela Nieto

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A birra da criança pode ter vários significados, entretanto refletiremos aqui acerca do momento em que a criança apresenta um comportamento de “ter”, de “querer consumir”. É comum observarmos a birra da criança quando não são atendidos os seus desejos, em especial nas lojas, quando ela apresenta o desejo de “ter”, de “comprar”, de “querer consumir”. Muitos pais não sabem o que fazer para controlar a criança, que, muitas vezes, grita, se joga no chão, esperneia e, certamente, deixa os pais envergonhados.

É verdade que vivemos num paradigma de consumismo, muitas vezes consumimos para satisfazer nossas ansiedades, os desejos não realizados ou porque somos devorados pela mídia e pelos paradigmas sociais. Hoje, sabemos que o chamado neuromarketing atinge efetivamente as diversas idades induzindo a consumir. Os comerciais são tão convincentes que promovem o desejo de ter, o que atinge também as crianças.

Certamente, quando a criança “quer”, fundamentada no “ter”, ela faz parte de um ambiente que valoriza esse movimento de consumismo. Não é fácil orientar a criança para a mudança de um comportamento de “ter tudo o que quer”, para um comportamento de “ter o que é necessário”. Esse processo de conscientização comportamental deve começar logo cedo na família e, posteriormente, ter continuidade na escola. Educar no modelo simples, em que poucos elementos são suficientes para viver, é um desafio.

Aprender a viver no “modelo” minimalista requer uma mudança significativa dos valores e do estado de cidadania. O minimalismo ensina a valorizar o que é realmente importante, em fazer uso de poucos elementos e se sentir feliz.

O conceito de minimalismo é multidisciplinar. No âmbito político, minimalista é o grupo ou indivíduo que exige o mínimo de reivindicações, propostas ou mudanças no sistema político; no aspecto familiar, é algo ou alguém adepto de viver com o que é simples e elementar. O minimalismo está voltado para um estilo de vida em que as pessoas buscam o mínimo possível de meios e recursos para viver.

A palavra minimalismo surgiu no século XX, originada dos movimentos artísticos que tinham como ancoragem o uso de poucos elementos visuais e, gradativamente, foi sendo utilizada no campo social. O mini-Optar malismo pode ser entendido no campo comportamental como um reflexo de movimentos contraculturais que questionaram a sociedade de consumo e seus excessos, segundo o pesquisador em cultura e comunicação Marcelo Vinagre Mocarzel, professor da Universidade Federal Fluminense.

Para a escritora americana Francine Jay, autora de Menos é mais: um guia minimalista para organizar e simplificar sua vida, o minimalista dá menos importância às posses materiais e valoriza as experiências. Para a autora, o minimalismo é um estilo de vida em que se vive com menos coisas para se ter mais espaço, mais tempo livre e mais energia vital.

Optar por um estilo de vida minimalista certamente remete à aquisição de hábitos e costumes a longo prazo, inicia-se na educação familiar, em casa, mas a escola pode promover projetos com o tema, voltados para a Educação e a Cidadania. Sim, a educação minimalista é uma proposta de cidadania. Na Europa (Portugal), já existe esse projeto nas escolas, onde o tema já é elencado na base curricular do ensino. No sistema educacional português, trabalha-se o conceito minimalista no aspecto multidimensional, dinâmico e polissêmico como abordagem pedagógica no domínio da Educação para a Cidadania.

A ideia minimalista é muito antiga, surgida no século 4 a.C., através do Estoicismo, uma escola filosófica da Grécia Antiga que definia a felicidade como objetivo central da vida, um conceito relacionado a uma vida simples e em harmonia com a natureza.

Certamente, adotar uma vida minimalista é optar por mudança de hábitos, costumes e ações. É buscar a felicidade não através das coisas, mas através da própria vida. Assim, cabe a cada um escolher o caminho do que é necessário e o que é supérfluo em sua vida. O minimalismo, em sua essência, é a promoção intencional de valorizarmos o que realmente é importante — as pessoas, o cuidado com o outro, o tempo livre, a sustentabilidade —, voltado para a clareza e o propósito.

O minimalismo também alia alguns preceitos na saúde, na alimentação (evitar os excessos para não adquirir doenças), na sustentabilidade e até no aspecto espiritual.

Ser minimalista é experimentar o prazer do desapego, ter menos coisas cria valores fundamentais e mais liberdade. Certamente, pessoas são mais importantes que coisas, como enfatizam os escritores Joshua Fields Millburn e Ryan Nicodemus, autores do documentário Minimalism: a documentary about the important things (Minimalismo: um documentário sobre as coisas que importam, em tradução livre).

O minimalismo é uma ferramenta para se livrar do excesso da vida em favor de se valorizar o que é importante. No entanto, não é fácil dar os primeiros passos na jornada ao minimalismo. É uma mudança de ações, hábitos e atitudes.

No processo educativo, a escola poderá promover projetos em Educação em Cidadania — que envolvem a estrutura de ações, hábitos e atitudes em viver como bom cidadão. Segundo McLaughlin (1992), esse processo corresponderia a uma abordagem pedagógica e minimalista, que é o desenvolvimento de competências de Cidadania, não apenas um processo de aquisição de informações, mas a prática (aprender fazendo), o experienciar a cooperação, o envolvimento e a participação de todos na escola e na comunidade.

Educar para a Cidadania — promover um bom cidadão — engloba Educação em/pela Cidadania, na medida em que se defende a promoção de um conjunto de ferramentas — valores, competências, atitudes, conhecimento e compreensão; na área de Formação Pessoal e Social: educação ecológica, prevenção de acidentes, educação do consumidor, educação familiar, educação sexual, educação para a saúde, educação para a participação nas instituições, aquisição de um saber integrado e desenvolvimento do espírito de iniciativa, autonomia, serviços cívicos e outros.

Implantar na escola um Projeto Pedagógico sobre Cidadania Minimalista é contribuir com a formação do futuro cidadão engajado na sustentabilidade, com bons hábitos e costumes. A cidadania, hoje, é mais do que um status que se concede e que garante aos indivíduos um conjunto de deveres. Certamente, é experienciar uma “cultura a construir”, na qual a educação se tornou imprescindível (SACRISTÁN, 2002).

A cidadania deixou de ser privilégio de alguns, ela permeia uma aprendizagem de todos e, certamente, é responsabilidade para a escola. Trabalhar a cidadania em modelos pedagógicos remete à possibilidade de vertentes mais minimalistas e mais transformadoras. Desenvolver o sujeito — futuro cidadão — para vivenciar a vida pública e a vida privada exige uma formação integral e sólida.

Quando se faz a opção pela educação minimalista, consolidaremos na criança a compreensão do que é necessário para consumir e o que é supérfluo.

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Considerações Finais

A educação, sem dúvida, é indispensável à humanidade; nas últimas décadas, ela tem alargado as suas fronteiras e os seus espaços de atuação. Certamente, a educação é a responsável pela construção dos ideais de justiça social, liberdade, paz e equidade.

É grande o clamor pela mudança de perspectiva na missão de educar, e, na educação familiar e escolar tem sido urgente essa transformação. O comportamento das crianças, o consumo exagerado, os valores com significados materiais, a falta de valorização do outro, a luta desenfreada pelo ter são fatores que devem ser repensados. Quando a criança faz birra para satisfazer o ter, acende-se uma luz vermelha que sinaliza a necessidade de repensar os valores da família.

Buscar uma educação minimalista, cidadã, pode ser o primeiro passo para a construção de atitudes, competências e ações na vida pública e privada. A prática (aprender fazendo) familiar numa díade com a escola, “atores fundamentais”, traz uma efetividade na formação do sujeito. Muitas vezes os pais condicionam os filhos com excesso de brinquedos/presentes porque também se constituem consumidores em excesso ou porque querem compensá-los pela “dor de sua ausência”, forjando assim, no comportamento da criança, a valorização do ter.

Escola e família devem repensar a possibilidade de uma vida simples, sustentável, com valores humanos efetivos, uma verdadeira vida cidadã.

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Referências

ARAÚJO, A. P. de. Minimalismo: o que é e como ser minimalista. Reportagem. 2 fev. 2020.

JAY, F. Menos é mais: um guia minimalista para organizar e simplificar sua vida. eBook Kindle. Editora Fontnar, 2016.

MCLAUGHLIN. Minimalistas y maximalistas: una comprensión minimalista de la educación para la ciudadanía sería la basada. Arnot, Madeleine,1992.

MILIBURN Joshua Fields; NICODEMUS Ryan. Minimalism: a documentary about the important things (Minimalismo: um documentário sobre as coisas que importam, em tradução livre).

MOCARZEL, M. V. Minimalismo: pessoas mais importantes que coisas. Documentário – BBC – Brasil. Laís Modelli – 11 jan. 2020.

MODELLI, L. O prazer do desapego: minimalistas defendem que ter menos coisas cria mais liberdade. Reportagem – BBC – 09 set. 2017.

SACRISTÁN, J. G. A construção do discurso sobre a diversidade

e suas práticas. In: ALCUDIA, Rosa et al. Atenção à diversidade. Porto Alegre: Artmed, 2002.

SANTOS, M. F. O espaço crepuscular: mito-hermenêutica e jornada interpretativa em cidades históricas. In: PITTA, D. P. R. (Org.) Ritmos do imaginário. Recife: UFPE, 2005.

Rosangela Nieto de Albuquerque é Ph.D. em Educação (Universidad Tres de Febrero), pós-doutoranda em Psicologia, Doutora em Psicologia Social, Mestre em Ciências da Linguagem, psicanalista clínica, professora universitária de cursos de graduação e pós-graduação, psicopedagoga clínica e institucional, pedagoga, licenciada em Letras (Português/Espanhol), autora de projetos em Educação, autora da implantação de uma clínica-escola de Psicopedagogia Clínica como projeto social e autora e organizadora de treze livros nas áreas da Educação e da Psicologia.

E-mail: rosangela.nieto@gmail.com

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