Edição 113

Professor Construir

Minimalismo na educação

Nildo Lage

A sociedade maximalista é categórica: quem tem mais debela quem tem menos, e menos é maioria. De tal modo, mais sobrepuja a maioria… Esse prazer de dominar é um gozo tão altivo que a alma se deleita, enaltece… intensifica o próprio viver. É inquestionável, mais tem que ser mais! Pois a essência de mais retine como melodia aos ouvidos, acarinha o íntimo… mais é tudo! E esse tudo seduz, arrebata, satisfaz… Tanto que o ego não perdoa se receber menos. E é ele — o ego — quem governa a Central de Aspirações, e esta determina: “Tem que consumir”. Consumir é o ansiolítico que suaviza a tensão, relaxa, suplanta desilusões e atenua as dores dos fracassos. Assim, mais tem que ser, determinantemente, mais… E por hipótese alguma menos. Para uma minoria, a ficha cai, e cai no instante mais crítico: no impacto da queda. A ocorrência é que o humano é capaz de trucidar o íntimo, reduzir o próximo a pó para não alancear o orgulho.

Todavia, a humanidade tem ciência de que o planeta não será o mesmo após a Covid-19. O vírus não apenas ameaçou, atentou com retraimento, mortes… Suas ações redirecionaram olhares, alteraram comportamentos e constituíram tendências, excepcionalmente, de vida, obsecrando a demolição de velhos padrões educacionais para que a educação recomece remodelada e reestruturada para atender não a prováveis pandemias que podem sobrevir, todavia para acatar os anseios da comunidade escolar, que sentiu dores nos tímpanos de tanto ouvir o sistema pregar que a escola progredia na cadência das evoluções, por isso não resguardava investimentos em reestruturações, adequações; que o zelo do sistema a revestiu com laboratórios de ciências, informática, para promover a inclusão… Só isso? Não! A escola não pode perder o contato com os avanços tecnológicos… Para escoltar os passos do desenvolvimento, conectou-a ao mundo por meio da rede mundial de computadores… Tem mais? Claro! Para administrar tamanho progresso, ninguém melhor do que a insurrecionária BNCC, que acendeu alvoroços no planeta educação.

Quando o véu foi rasgado, lá estava uma educação nua, comprimida num canto sombrio de uma escola em ruínas, completamente desamparada, contemplando alunos adentrarem e se evadirem por não serem seduzidos por uma educação atraente… E o pior: sem ferramentas para camuflar a própria ignomínia, revelando o quanto estamos distantes de oferecermos uma educação inclusiva, tampouco desatar os nós críticos para prosseguirmos ante um colapso como o atual.

O investimento astronômico em ferramentas supérfluas no transcorrer das décadas se converteu em sucata, não teve utilidade no isolamento… Se os recursos fossem investidos nas necessidades da educação, teríamos instrumentos digitais para oferecermos aos alunos e suporte para não perderem tempo e conteúdos; e sabemos que o retraimento não foi ausência de recursos, foi falta de planejamento, mau investimento… Investimentos em materiais inúteis, e não investimento no material humano — o educador. Se fossem canalizados para o que realmente precisa, a educação, tínhamos como oferecer suportes e aportes ao professor para aulas online de qualidade e, ao educando, subsídios para não interromper o avanço escolar.

Mas algo tem que ser feito para sairmos da desordem e atendermos ao novo mundo que entrará em movimento. Nesse novo mundo, a escola terá que acompanhar a sua rotação e se apresentar em trajes revestidos de inovações tecnológicas, pois aulas online tem que ser realidade no cotidiano da educação, e isso estabelece autodisciplina e ferramentas que proporcionem a conexão escola-professor-aluno-mundo. Tais ferramentas terão que enriquecer conteúdos com nutrientes para locupletar o conhecimento, moldar sonhos, dilatar olhares, oferecer valores que saciem a fome de uma geração que regressará mais famélica do que nunca, e a educação terá que disseminá-los inseridos num ensinar, cujas estratégias, além de sedutoras, sejam capazes de proporcionar um aprender homogêneo desde o berço prepara as suas crias para consumirem o próprio planeta… São tão eficazes na deseducação que têm até plano B: “— Se o planeta não produzir o suficiente para saciar sua gula, coma a fatia do outro!”. É a lei de Gerson… Um reflexo de que a cultura midiática vai resistir para imperar absoluta. Aos desavisados, é a nova Ordem Mundial sobrepujada pelo bloco do “Consumo, logo existo”.

Principiar uma educação minimalista decreta projeto? Claro! Se a escola almeja cidadãos com atitudes minimalistas para que as novas gerações não degustem o planeta para satisfazerem o apetite voraz, deve iniciar a apresentação, salientando a importância de impetrar o suficiente para despertar a consciência de que mais é menos, por meio de atitudes que mentalizem o ter o suficiente, consumir o suficiente, usar o suficiente. Pois o suficiente é menos lixo, menos poluição, mais vida… Para que o objetivo de preservação do ambiente em que vive — casa e escola —

seja alcançado.

Esse passo é o ensaio para o próximo: rua, bairro, cidade… Pois uma cidade sustentável estabelece cidadãos com atitudes sustentáveis. Pois para atingir o objetivo minimalista na educação é preciso, acima de tudo, impor o desapego… Desapegar dos ranços, das picuinhas políticas, do conservadorismo… Até desapegar de um mais inútil, arremessado no colo do aluno — conteúdos fúteis, enrustidos numa BNCC que até então não justificou o porquê da sua chegada tempestuosa.

Se o sistema almeja mudanças, é sucinto redirecionar o olhar e mirar numa educação minimalista, mesmo que esse horizonte tenha uma dilatação pausada. Todavia, é um começo. Princípio que abre a fenda para entrever um raio de luz… E essa transformação deve principiar com a arrumação. Tal processo deve descartar, em primeira mão, a inabilidade do sistema para gerir dificuldades, como a deficiência na formação docente, a inexistência de valorização profissional… Esses pontos sombrios constituem o conjunto de fracassos.

Alcançado o objetivo de alteração de consciência, a escola impetra o objetivo ambicionado há décadas pelo sistema: a ordem no espaço escolar. Pois o minimalismo tem como fundamento estabelecer um acondicionamento. Arrumar é se desfazer do que não tem utilidade, incomoda, gera prejuízos, interrompe caminhadas, assola sonhos… por não somar nada para a vida pessoal, familiar ou profissional.

Nesse estágio, conquista, fracasso estão sujeitos às estratégias adotadas para implantarem o minimalismo no contexto educacional como ferramenta de transformação. É desafio? É! Pois irromper fronteiras de uma sociedade devota do maximalismo institui táticas fundamentadas nos propósitos para arrombarem os paradigmas e salientarem verdades. Veracidades que família, escola, sistema e governo fazem de tudo para conservar debaixo do tapete: o desequilíbrio. Desequilíbrio familiar, desequilíbrio social e desequilíbrio de gestão que impedem que os recursos designados sejam aplicados para atender às finalidades da educação.

Assim, é fundamental que a escola delineie estratégias específicas, cujas ações principiem com mudanças de hábitos, envolvendo situações que gerenciem olhares para proporcionar mutações de comportamento, excepcionalmente na família.

Nessa trajetória, a Covid-19 é mestre, pois pais e responsáveis tiveram a oportunidade de experimentar a realidade Perguntei se poderia conversar com os pais do Matheus. Bastou uma ligação aos genitores para a surpresa. Ambos — pai e mãe — são consumistas compulsivos. Nem eles sabem de quem o filho herdou a genética minimalista.

“Aos oito anos — explana a mãe — pediu-me que não fizesse mais festa de aniversário… Com o que se gastaria com o evento, queria que abríssemos uma conta-poupança, depositássemos o valor e lhe entregássemos o cartão… Fizemos a experiência no ano seguinte… Prestes a completar um ano, ficamos curiosos pelo fato do Matheus não nos pedir dinheiro, principalmente para tarefas escolares. Como tínhamos a senha, assim que foi para a escola, pegamos o cartão, dirigimo-nos ao banco para aferirmos o saldo e nos certificamos de que não havia sido gasto cinquenta por cento do valor depositado com materiais escolares, roupas, eletrônicos, suas guloseimas e outros objetos de uso pessoal!”

Encarei o adolescente numa videoconferência no dia seguinte, e este revelou que sempre guardou as moedas que ganhava dos avós para adquirir o que queria, pois nunca comprava algo porque sentia vontade, estava na moda ou em promoção.

“Numa promoção posso economizar… Mas devo comprar algo só porque está na promoção? Qual é a utilidade do que vou comprar para a minha vida? E se, no instante seguinte, necessitar de algo importante e não tiver o dinheiro para comprá-lo?”

— Quando tudo isso começou?

“Quando vi um panfleto de promoção de lanches… A imagem era linda, um lanche colosso, daqueles de encher os olhos… Pensei com água na boca: ‘Será que conseguirei abocanhar um sanduichão desse tamanho?’. Contemplei o folhetim durante dois dias… Tentado, juntei as moedas e fui… Comprei… Ao receber o lanche, vi uma coisinha que não servia nem como prato de entrada… Decepcionado, refleti: ‘Será que mais é realmente mais… ou é menos?’. A partir desse dia, economizo; se não preciso… Por que comprar?”

para despertar a consciência de que consumir é suprir necessidades básicas.

O eco desse alerta retine, decretando aos gestores que organizem, planejem, descartem os excessos, bloqueiem os desvios e invistam os recursos no que realmente importa, para atenderem às necessidades básicas da educação num instante em que o mundo recomeça o fluxo com um novo olhar.

Tais transformações devem ser inseridas no contexto como um todo para que a comunidade escolar visualize os símbolos aplicados na contabilidade da vida, e estes salientem, nos resultados, que mais é menos, estabelecendo um agir que desperte a consciência familiar, que

Nildo Lage

do educador no cotidiano de uma sala de aula. Confinados com as suas crias, assumiram o papel do educador para auxiliá-las nas atividades online. Foi uma subversão. Muitos entraram em pânico. Esses muitos que, nas reuniões de pais e mestres, bradavam a todos pulmões: “Professor é pago para isso, e não entendo por que o meu filho não aprende nada!”. Estes muitos pagaram e entreviram, em todas as dimensões, que as suas crias não têm limite, não têm postura, não têm educação e não querem nada… Absolutamente nada com os estudos, com a própria vida, pois encaram a escola como um ponto de encontro para zoar com os colegas.

Os sismos fendem a placa, as responsabilidades resvalam entre as frestas, e os responsáveis pela formação subterfogem: pai se esquiva, gestor retrocede, sistema recua o olhar, e educador rebola, requebra, dá os seus pulos… decepciona, enfastia, extenua e senta à espera do suporte para exercer o seu trabalho. Não sobrevém.

O fato é que a escola do presente é como muitos casamentos: fachada. Todavia, o novo mundo estabelece, além de fachadas magníficas, mudanças de postura da família, do educador, do sistema, do gestor e, sobretudo, do cumprimento de metas do governo, com suportes ininterruptos — como formação continuada — e instrumentos que redirecionem olhares, para somente então alterar procedimentos, justamente por a escola ser um ambiente de fusão — social, cultural, religioso… E temos ciência de que, mesmo se o minimalismo cumprir a sua missão no espaço escolar, prosseguiremos fragmentados por olhares e ações dos que se conservarão crentes de que obter é conforto, acumular cada vez mais é segurança, consumir aleatoriamente é jactância… Todavia, amortecerá o avanço do consumismo, que induziu o planeta a abordar o limite da sua capacidade de produção.

O interessante é que, mesmo em temporada de lockdown, quando o humano carcome o próximo para não abocanhar a si mesmo, é possível encontrar respostas para perguntas que desafiam a educação. Porque muitos adentram pelos portões da escola com uma estrutura formada a ponto de descobrir, em meio aos predadores, minimalistas natos, como Matheus de 12 anos.

Por meio de meus contatos com os professores, MRT (do Fundamental II) se encanta com a postura do Matheus: “É surpreendente a sua desenvoltura para administrar recursos e geri-los para atenderem às suas necessidades básicas. Tudo o que faz tem foco, dedicação… É simplesmente único!”, revela o educador com entusiasmo. “Dá prazer tê-lo como aluno!”

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O QUE PERPETRAMOSA PARTIR DESTA LIÇÃO?

O Matheus aprendeu pagando para ver. Todavia, o despertar da consciência para discernir entre o obter para ter e o não obter para reservar é uma lição para cada um de nós. Lição de que uma vida minimalista se constitui de disciplina, planejamento, prudência, autocontrole… Organização… Uma parada para refletir no que é e no que não é útil para a vida.

Essas advertências se tornaram regras constituídas pelo adolescente, e esse agir coeso é um alerta que paira no ar, advertindo que é preciso refazer planos, reavaliar prioridades, adotar atitudes que abdiquem dos excessos que sobrecarregam e asfixiam os valores da vida, pois consumir apenas o suficiente e fazer uso do necessário vão além de compartilhar, deixar uma porção para o outro, é aliviar-se de fardos e fazer da vida uma trajetória prazerosa, vivendo com o necessário. E viver com o básico. É preciso listar o essencial para prosseguir com o mínimo de excesso possível e, assim, progredir rumo ao ponto almejado para desenvolver a plataforma do viver que se deseja.

Ao contrário do que muitos discorrem, adotar um estilo de vida minimalista não requer abrir mão do eu, do estilo pessoal… Muito pelo contrário, uma vida minimalista estabelece, em primeira mão, estilo. Todavia, sem excessos, por seguir na oposição do caráter de uma sociedade que dissemina arquétipos enrustidos em comerciais fantásticos para incentivar o consumo.

É possível viver com menos? Elementar, meu caro maximalista! Ao contrário do que prega, para contextualizar o minimalismo num formato que enleia… para granjear terreno… Quem adere ao modo de vida simples não se submete às decisões monocráticas de uma sociedade consumidora de produtos e valores, que impele a gastar o que não se tem para se ostentar num momento de pérfida alacridade… Adotar uma vida minimalista não é abrir mão do conforto e de andar na moda com looks sofisticados; é tão somente ter ciência para onde vai cada centavo investido, e isso é planejamento. Especificamente, financeiro. E planejamento financeiro em tempos de crise é a salvação da lavoura de muitas famílias.

Pois minimalismo não consiste em arremessar tudo pela janela, doar ou atear fogo para salientar altruísmo. A limpeza deve principiar, sim, pela casa. Todavia, mente, coração e alma devem ser varridos para dar espaço à consciência do planejar e, assim, esboçar mudanças, principiando pelos descomedimentos e hábitos de consumo.

Quem planeja compra mais o essencial… Pois o equilíbrio financeiro é uma das inúmeras características do minimalismo, e isso não significa que quem tem um emprego não possa ter uma renda extra… O que muda no extra é como será gasto, pois seu padrão de vida não precisa necessariamente ruir, basta descartar o excesso.

Ao se desfazer da carga inútil, além de suavizar o viver, autocobranças se esvaecem, e, quando esse fardo de fúteis desmorona, descobre-se o mapa de um tesouro que muitos passam uma vida esquadrinhando e morrem sem encontrar: o autoconhecimento. Ao encontrar essa preciosidade, edifica-se o ponto de equilíbrio, que é gerenciado pelo amor próprio, e este, quando aufere consistência, extirpa fracassos e frustrações, pois esses fardos, ao serem rejeitados, revelam os ingredientes da receita do viver melhor: feliz, salientando que o alvo minimalista não é apenas o consumo. O consumo é tão somente o vilão que se transforma num motivador que induz os compulsivos ao excesso. E o excesso de consumo restringe os horizontes da sustentabilidade, afeta a saúde, pois, quando é alimentar, uma lista de enfermidades choca, pois vai desde ansiedade e depressão a distúrbios alimentares.

Abordar esse estágio é o reflexo de que a evolução humana alcançou o nível de sabedoria, pois se o humano não evoluir a ponto de atingir, no mínimo, a consciência de que deve consumir o suficiente, restringirá a existência da vida no planeta por deficiência do essencial: água, alimentos… oxigênio. Ou seja, as novas gerações não encontrarão um planeta habitável, pois é o excesso que vem provocando o desequilíbrio, especialmente o ambiental.

O caos estabelece, pelo menos, consciência. Consciência para definir e redefinir metas, para que tempo e dinheiro sejam investidos naquilo que realmente importa para proporcionar equilíbrio, por meio de uma vida sem demasias. O excesso é o grande vilão que endivida, e descartá-lo é fazer reservas, excepcionalmente para uma emergência.

Fazer de menos mais principia com o despertar para uma realidade: a de que viver com menos é mais vida… E ganha consistência com a mudança de mentalidade. Mentalidade que, desde a chegada da Covid-19, a humanidade despertou para pequenos gestos. O minimalismo nunca foi tão levado a sério — mesmo por aqueles que desconhecem os seus princípios. Pois muitos recuaram para resgatar o tempo perdido com mais, conscientizando-se de que menos é o bastante e que ostentar a vida se tornou tão extraordinário que as ameaças à vida fizeram com que a vida saltasse aos olhos, exigindo abaixo de menos para satisfazer o prazer de viver e atender ao desejo maior do humano: ser feliz.

O confinamento restringiu a liberdade, contudo despertou os sentidos, aguçou a sensibilidade, dilatou olhares que visualizaram a diferença entre a alegria de ter e a felicidade de ser, por encontrar, nas coisas simples, a autêntica definição da vida, e foi nesse significado que o outro — raramente notado — foi descoberto como uma raridade, e o vírus que descontinuou a rotação da Terra se tornou elo para aproximar pessoas, reintegrar famílias… A sua eficácia foi tamanha que reaproximou esposo de esposa, amigos de amigos, irmãos de irmãos… Pais encontraram o verdadeiro sentido de serem pais… Valorizaram momentos, a importância de estar juntos, de se tocar, de se sentir… abraçar… sorrir… brincar… E filhos valorizaram como é bom estar ao lado dos pais e se sentir acolhidos e amados.

O vírus ceifa vidas, mas os sobreviventes desvendaram o fidedigno valor da solidariedade, do compartilhar donativos, gestos… sentimentos… A importância do amor, de ser amado; a necessidade de amar, de olhar para o outro e estender a mão como entrega, num gesto de dependência recíproca… Pois o que antes era descartado — coisas simples como pais ficarem em casa e cuidarem dos filhos — ganhou tamanha importância quanto o instante que antecede à despedida da vida… Pois nunca a empatia foi tão valorizada, nunca um ato de reconhecimento foi um ato tão espontâneo.

É extraordinário como o pânico acendido ativou a fé… Cumprindo-se o mandamento maior: “Amar a Deus sobre todas as coisas e o próximo como a si mesmo”… A Palavra é tão exercitada, tão presente na vida da humanidade que muitos não esperaram o toar da trombeta para despertar o temor, compungir-se, a ponto de piadas no WhatsApp serem substituídas por versículos bíblicos e pedidos de orações.

O agir do corona foi de uma eficácia que incitou fugas para a igreja, deportou vidas para os pés do Criador, despertando, nos que ainda vivem, a necessidade de viver a vida na sua plenitude, por experimentarem o que antes era descartado. O corona, de tão eficaz, reumanizou o humano… Pois nunca os habitantes do planeta Terra foram tão humanos e tão humanitários como no pós-Covid-19. Os que não se sensibilizaram com a dor do outro foram atingidos pelas circunstâncias — como demissões — e, ao se verem acuados, impelidos a descartar os supérfluos para ajustar o apertado orçamento, asseveraram que podem viver com menos… Que, verdadeiramente, menos é mais.

Quem sobreviver aprenderá a valorizar o menos como essencial… Pois, para muitos, mais já se tornou tão menos que descartou o desnecessário, reorganizou… Abriu mão dos exageros… Porque as privações e o isolamento despertaram a consciência de que ser frenético é se posicionar à frente da linha de fogo inimiga… Correr pode até assegurar um espaço no pódio; todavia, reduzir o ritmo é segurança, é resguardar a própria vida e proporcionar alegria àqueles que nos cercam.

Com tantos exemplos de vida e de morte, mais tem que ser menos. Do contrário, tudo o que vivemos, suportamos, sofremos, perdemos será inútil… Corremos atrás do vento… Não alterou hábitos… Não despertou o desejo de ser, viver com menos… Pois a vida — que sobreviver ao vírus — continuará, simplesmente, uma vida… Vida que temeu a morte, mas não foi vivida, inventada, reinventada para se acomodar nos arquétipos da felicidade… A impassibilidade prevalecerá e umedecerá questionamentos: mais pode ser realmente menos? Como não errar na conta quando a vida voltar ao normal? O que fazer? Voltar a correr, deter ou tão somente atenuar o ritmo para avançar na cadência da vida? O silêncio reina… Ninguém ousa replicar.

Assim, conservaremos em silêncio. É cômodo, pois temos ciência de que muitos podem não valorizar o minimalismo e esquecer, voltar a consumir, consumir… Até abocanhar a última fatia do planeta… Mas jamais se esquecerão de que, além de um vírus que enclausurou o planeta, descontinuando a sua rotação, existe um Deus supremo, e esse Deus está acima de tudo, de todas as coisas e levará como exemplo que viver vai além de ostentar um sopro. Viver consiste em aproveitar cada instante como instante último, mesmo que este último instante seja menos… Tão somente para olhar no olho do outro e dizer o último “Eu te amo”, como o mais sublime instante da trajetória do viver.

Assim, conservaremos o silêncio. É ético, mas os que sobreviverem, exclusivamente, no universo educação terão a oportunidade de escrever os próximos capítulos dessa fábula alcunhada… “Minimalismo na educação” e predelinearem o caminho para uma educação formadora de humano, cujas habilidades, competências e responsabilidades formem guardiões, para resguardarem o planeta do próprio humano… E que as interrupções provocadas pela Covid-19, os desafios, as provações e as perdas humanas e materiais sejam aprendizados e alertas para despertarem o desejo de um novo começo.

Assim… Conservaremos
o silêncio… É segurança… Pois, em toda situação de risco, o silêncio, verdadeiramente, tem que reinar para que os ecos da razão ressoem… Como resposta que todos temos, todavia poucos arriscam içar o olhar para entrevê-la na tabuleta:

Assim como o novo corona é invisível e mata, substituir mais por menos permite que a vida seja vivida!

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