Edição 128

Espaço pedagógico

A ludicidade e a formação do educador

Anita S. M. Pinheiro

“Ninguém te sacudiu pelos ombros quando ainda era tempo. E, agora, a argila de que és feito já secou e endureceu, e nada mais poderá despertar em ti o místico adormecido, ou o poeta, ou o astrônomo que talvez te habitassem.”
Antoine de Saint-Exupéry

Segundo pesquisadores, o estudo da ludicidade nos remete aos povos do Egito Antigo, há milênios, com a criação de jogos e regras definidas; à criação do xadrez na Índia, no século VI; passando, na era do Renascimento, a jogos mais elaborados e chegando na era dos jogos digitais, com domínio de interesse mundial.

Logo, como afirma Sá (2016), “Na história da humanidade, a ludicidade e a cultura se entrelaçam, refletindo as transformações sociais e tecnológicas de cada civilização”. Isso nos leva ao entendimento de que a ludicidade, em suas diversas práticas, sempre esteve presente nas experiências humanas seja associada aos jogos lúdicos, às atividades prazerosas, seja ao ato de brincar e a brincadeiras.

Santos (2011) nos apresenta uma definição de lúdico que “[…] vem do latim ludus e significa brincar. Nesse brincar, estão incluídos os jogos, brinquedos e divertimentos, e ele é relativo também à conduta daquele que joga, que brinca e que se diverte”. Nessa perspectiva, a autora nos faz refletir sobre a questão da importância do lúdico quando afirma: “Independentemente de época, cultura e classe social, os jogos e brinquedos fazem parte da vida da criança, pois ela vive num mundo de fantasia, de encantamento, de alegria, de sonhos, onde realidade e faz de conta se confundem”. Por esse entendimento, a concepção de lúdico/ludicidade está ligada ao jogo, que, por sua vez, está ligado à gênese do pensamento, da descoberta de si mesmo, da possibilidade de experimentar, de criar e de transformar o mundo (SANTOS, 2011, p. 9).

Nesse sentido, Leite (2008) defende a teoria de que o ser humano é totalmente dependente nos seus primeiros anos de vida e que os desenvolvimentos do corpo, da inteligência e da sensibilidade acontecem ainda quando criança, respondendo pelo despertar das suas potencialidades ainda latentes. E complementa:

Não basta nutrir o corpo, é preciso nutrir a alma. Não basta zelar pela qualidade das oportunidades que estão sendo oferecidas à criança para desenvolver suas potencialidades. O modo peculiar de brincar está intimamente ligado ao seu grau de maturação e desenvolvimento.

Sendo assim, podemos entender que o ato de brincar tem sua importância científica a partir do processo de desenvolvimento da criança e ocorre através dos estímulos dos adultos, em cada atitude em relação às crianças e às brincadeiras, com significados que serão explorados por elas e constituirão o ser adulto, equilibrado, capaz de participar da construção de uma sociedade mais harmoniosa. Com isso, a autora nos leva a refletir sobre o significado do brinquedo, dos jogos e das brincadeiras e sua relação com a aprendizagem (de vida) e, consequentemente, sobre o trabalho na vida desse futuro adulto.

Por outro lado, pesquisas revelam que, apesar de a ludicidade, na atualidade, ocupar um espaço de discussão, de estudo e de vasta referência bibliográfica, ela não tem a devida importância na prática escolar, seja na Educação Infantil, seja nos anos iniciais do Ensino Fundamental.

As instituições de ensino, nas últimas quatro décadas, tiveram uma evolução significativa na qualidade da Educação Infantil quanto aos cuidados necessários a essa fase de desenvolvimento da criança, tão importante para o processo de ensino-aprendizagem. Mas, em relação à prática da ludicidade e correspondente formação do professor, ainda é preciso avançar para o domínio teórico da ludicidade aplicada à prática educacional, levantando questões ainda em aberto: por que os professores não estudam e vivenciam ludicidade em sua formação inicial? Por que, na estrutura física e logística das escolas, o espaço lúdico não é priorizado? Por que, nas escolas, ainda predomina a separação entre o tempo para ensinar e o tempo de recreação?

Refletindo sobre essas questões, iniciaremos pela formação inicial do professor. A maioria dos currículos da graduação não contempla o estudo da ludicidade na modalidade teórico-prática. Sendo assim, os docentes que atuam na Educação Infantil e nos anos inicias do Ensino Fundamental desconhecem fundamentos que concebem a ludicidade como sendo:

[…] pressupostos que valorizam a criatividade, o cultivo da sensibilidade, a busca da afetividade, a nutrição da alma, proporcionando aos futuros educadores vivências lúdicas, experiências corporais, que se utilizam da ação, do pensamento e da linguagem, tendo no jogo sua fonte dinamizadora.

Além disso, a autora chama a atenção quanto ao entendimento sobre o significado do jogo:

[…] o jogo está na gênese do pensamento, da descoberta de si mesmo, da possibilidade de experimentar, de criar e de transformar o mundo. […] a função educativa do jogo oportuniza a aprendizagem do indivíduo, seu saber, seu conhecimento e sua compreensão de mundo (SANTOS, 2011, p. 9).

Logo, faz-se necessária e urgente a inclusão da base teórica da ludicidade na formação inicial do professor, para que ele possa se apropriar dos fundamentos e das concepções lúdicas, como também vivenciar os métodos, nessa aprendizagem, e estar aberto para aplicá-los em sua prática escolar de forma prazerosa. Desse modo, passamos à segunda questão (a valorização do espaço lúdico no ambiente escolar): os professores precisam passar a priorizar, na escola em que atuam, o espaço lúdico estruturado para seu melhor desempenho no uso dos jogos como ferramenta pedagógica.

Nesse sentido, compreendemos que, garantindo a base teórica e vivencial na formação inicial do professor, estamos favorecendo a prática pedagógica lúdica que integra o brincar ao aprender, como afirma Rau (2007):

[…] o jogo oportuniza a aprendizagem do sujeito e o seu desenvolvimento. […] com base no pressuposto de que toda prática pedagógica deve proporcionar alegria aos alunos no processo de aprendizagem, o lúdico deve ser levado a sério na escola, proporcionando o aprender pelo jogo e, logo, o aprender brincando.

Com isso, vamos para a terceira questão (a não separação do tempo para ensinar e o tempo de recreação). O professor deve, em sua atuação lúdico-pedagógica, fazer uso de jogos, brinquedos e brincadeiras, na perspectiva de explorar estratégias e possibilidades de utilização das funções lúdicas e de aprendizagem de forma integrada.

Considerando as questões tratadas anteriormente, compreendemos a importância da formação lúdica do professor para que ele se aproprie dos fundamentos e métodos lúdicos em sua aplicação prática pedagógica, na perspectiva de:

“[…] entender que a utilização do lúdico como recurso pedagógico na sala de aula pode aparecer como um caminho possível para ir ao encontro da formação integral das crianças de forma integrada; articula-se a realidade sociocultural do educando ao processo de construção de conhecimento, valorizando-se o acesso aos conhecimentos do mundo físico e social” (RAU, 2007, p. 35).


Anita S. M. Pinheiro é psicóloga, psicopedagoga e Especialista em neuropedagogia.

Nota: Professores e professoras, na próxima edição daremos continuidade à temática Ludicidade e Educação, abordando o tema O brincar como eixo para o desenvolvimento da aprendizagem. Aguardem!

Referências

RAU, Maria Cristina T. D. A ludicidade na educação: uma atitude pedagógica. Curitiba: Ibpex, 2007.

SANTOS, Santa Marli Pires dos (Org.). O lúdico na formação do educador. 9. ed. Petrópolis: Vozes, 2011.

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