Edição 118

Professor Construir

A Necessidade urgente de uma “reforma” do pensamento humano: Superação e equilíbrio emocional

Rosangela Nieto de Albuquerque

Todos nós sabemos que o mundo mudou e se transforma a cada dia. As mudanças acontecem em nível planetário, e a urgência em se construir um futuro sujeito individual e coletivo se faz fundamental para vivenciarmos um mundo melhor. Construir um mundo de cidadãos com habilidades e competências para lidar com urgências, incertezas, catástrofes e situações de risco requer desenvolver no sujeito também a superação e o equilíbrio emocional. Reformar o pensamento é uma necessidade urgente, os estudos acerca dos pensamentos Complexo e Ecossistêmico podem contribuir para novos paradigmas. Escola e sociedade precisam educar para a cidadania planetária, no verdadeiro sentido da vida, e deixar o pensamento local, individual, e se preparar para enfrentar o que nos limita e impede de garantir a sobrevivência planetária.

É fundamental desenvolver, nesta geração, competências para enfrentarmos a incerteza presente em nossa realidade, prepará-la para o futuro, através do processo de construção do conhecimento. A reforma do pensamento humano irá desenvolver uma futura geração que aprenda uma maneira de pensar observando a importância de se aprender a religar as coisas em vez de separá-las, de se superarem metas, objetivos e dificuldades e construir um equilíbrio emocional capaz de compreender a relevância de saber problematizar para encontrar soluções mais adequadas aos problemas atuais.

Morin (2002) enfatiza que é urgente a necessidade de uma reforma do pensamento humano para se responder aos desafios da globalidade e da complexidade do cotidiano, para tal desenvolver habilidades e competências para um mundo que se apresenta sob um aspecto desafiador, com violência, injustiças sociais, ignorância, corrupção e adoecimento psíquico. Certamente, a comunidade científica mundial intensifica seus estudos acerca do comportamento humano, baseados nos fatores antropológicos, sociológicos e psicológicos para redesenhar as possibilidades da construção do sujeito da futura geração. O enfrentamento aos problemas, os limites, o nível de superação e equilíbrio emocional vão além das questões nacionais, eles são também de natureza transnacionais, transversais e complexos, são fatores com que tanto a família quanto a escola devem se preocupar na construção desses novos sujeitos.

A “reforma” do pensamento humano

O mundo clama por um novo paradigma humano, uma necessidade que transita por um paradigma educacional baseado na visão sistêmica, complexa e relacional da vida. É um processo que permeia a compreensão dos aspectos ontológicos e epistemológicos enfatizados nos processos de construção do conhecimento e na aprendizagem.

A construção do pensamento se dá através da nossa percepção, da experiência vivenciada, dos códigos linguísticos de uma realidade social, e a ciência já comprovou que sentimos, pensamos, agimos conforme nossos hábitos, valores, atitudes e estilos de vida, portanto a nossa realidade é um reflexo de nossos pensamentos, ações e forma de viver. Por isso, para promover a reforma do pensamento precisamos valorizar a autonomia, a reflexão, o diálogo, a construção coletiva, a abertura ao novo e ao criativo e a sincronicidade dos processos.

A Teoria Autopoiética de Maturana e Varela (1995) enfatiza bem que a vida é um eterno processo de auto-organização e que vida e cognição não estão separadas. Certamente, a visão que temos do mundo é elaborada conforme a maneira como o observamos, como o conhecemos, como apreendemos e interpretamos a realidade. Portanto, viver é conhecer; conhecer é aprender; aprender é viver, é uma obra continuamente aberta, em seu processo de possibilidades, de emergências e de transcendências.

O paradigma do pensamento humano norteia as nossas ações e reações, a nossa maneira de ser e estar no mundo, de viver e conviver em sociedade; assim, compreender o Pensamento Complexo e o Pensamento Ecossistêmico nos remete a propor uma reforma no pensamento humano.

Afinal, o que é Pensamento Complexo e Pensamento Ecossistêmico?

Para Morin (1996), o Pensamento Complexo permeia a tessitura que opera o pensamento e a ação — inseparavelmente associados —, o indivíduo e o contexto; portanto, a ordem, a desordem e a organização, as ações e as interações organizacionais ocorrentes, o sujeito e o objeto, o professor e o aluno e todos os demais tecidos que regem os acontecimentos, que tecem a trama da vida. Pensar de maneira complexa é ver o objeto relacionalmente, pois não podemos fragmentar o que é complexo e relacional. Morin enfatiza que, para compreender essa realidade complexa (ontologia), foi preciso desenvolver a Epistemologia da Complexidade, com seus operadores cognitivos (princípios da complexidade) para um pensar complexo, pensar relacionalmente.

O Pensamento Ecossistêmico é possível através da construção de práticas pedagógicas que, certamente, podem transformar o ser, o fazer, o conhecer, promover a valorização das virtudes, desenvolver consciência ecológica, o cuidado planetário, a cultura de paz e não violência.

O Pensamento Complexo e o Pensamento Ecossistêmico são duas perspectivas filosóficas complementares nas bases ontológicas e epistemológicas, pois ambos estão preocupados com a formação humana integral do sujeito aprendente e comprometidos com o resgate da cidadania planetária, com a justiça social e econômica, com a sustentabilidade ecológica, como fundamentos urgentes de condição para se viver/conviver num mundo tecnologicamente enredado, cada vez mais globalizado, mutante e excludente.

Edgar Morin, principal precursor do Pensamento Complexo, encaminha-nos para a emergência de um novo paradigma: o Paradigma da Complexidade, que transita pela transdisciplinaridade. Os estudos estão fundamentados nos teóricos da Física Quântica, da Nova Biologia, da Antropologia, da Sociologia, da Filosofia e da Política. Compreende-se, assim, a necessidade de uma proposta de um novo paradigma que promova uma reorganização ou reforma do pensamento.

Entrelaçar os pressupostos fundamentais do Pensamento Complexo e do Pensamento Ecossistêmico é compreender a natureza dialógica da complexidade e, portanto, as relações de trocas, os intercâmbios, as simbioses, as retroações entre as entidades físico-químicas e psíquicas que customizam a organização viva — o ser humano e a sociedade. Por isso, para Morin, o princípio dialógico constitui uma forma operativa do Pensamento Complexo, que, juntamente com a forma operativa do Pensamento Ecossistêmico, coordena as relações de equilíbrio-movimento, mudança-permanência, rigor-espontaneidade, objetividade-subjetividade, implicando, assim, a associação complexa de diferentes instâncias necessárias à existência e ao funcionamento de um fenômeno sistêmico organizado.

Superação e equilíbrio emocional

A palavra limite também é compreendida como superação, vitória, esforço. No entanto, uma interpretação psicológica dos “limites” remete a algo que supera seus próprios limites, algo admirável, como vencer (o medo, por exemplo), uma vitória sobre certa dificuldade. A superação de limites tem lugar de destaque na dimensão moral.
Certamente é possível também pensar que a busca de superação de si — e não apenas no campo da moral — enfrenta dificuldades advindas de certos valores que são dominantes hoje em dia, como a competitividade; a falta de generosidade; a humildade, que é esquecida; e a justiça, pois muitas vezes o justo é visto como bobo, etc. Quando falamos em superação, pensamos em limites, que são deveres positivos que promovem o bem-estar dos seres humanos.

É importante enfatizar que a superação de si, a superação dos próprios limites, é indissociável da moral, que tem implicação para a dimensão psicológica, portanto o desenvolvimento moral (em direção à sabedoria) depende de um trabalho sobre si mesmo, uma superação. O entrelace de superação e construção do sujeito também permeia a realidade de vida. O bem e o mau, os valores pessoais são também autoaperfeiçoados.

A intenção de promover o bem não se restringe em não praticar o mau; é preciso pensar e agir em ações boas, portanto fazer o bem requer um investimento afetivo e cognitivo, um esforço para se tornar uma boa pessoa.

Uma pessoa pode até não ser má, no sentido de não realizar ações moralmente condenáveis, mas ainda assim ser incapaz de promover o bem. É por essa razão que Kant também afirma que, ao lado do dever de promover a felicidade dos homens, existe outro, também fundamental: o do aperfeiçoamento pessoal.

Um dos caminhos para a mudança pessoal é o autoaperfeiçoamento, a busca do desenvolvimento pessoal, do crescimento, do superar limites. Neste contexto, a procura pelo equilíbrio emocional é um fator importante, as pessoas almejam ter mais solidez para lidar com as suas emoções e com as das outras pessoas, seja na vida pessoal, seja na escolar ou profissional. Já se observa no âmbito educacional propostas pedagógicas pautadas na inteligência emocional.

Considerações finais

Sabemos que vivenciamos um período histórico da humanidade com dificuldades de várias ordens, momento difícil e marcado por grandes desafios. É o interesse econômico sobrepujando a existência humana, uma sociedade dominada pelo lucro, manipulada pelo poder político, econômico e social, subjugada pela corrupção, com desgastes e conflitos interpessoais, e os impasses da revolução tecnológica mundial.

Nesse contexto, o mundo globalizado também nos proporciona enormes carências do ser humano, principalmente de afetividade e espiritualidade. Neste mundo globalizado tão vulnerável, com muitos imprevistos, faz-se necessária uma reforma no pensamento humano, para então termos a esperança de uma futura geração mais “humana”.

Assim, desenvolver uma reforma no pensamento é fundamental e urgente para a geração futura. É importante investir no sujeito para que ele seja capaz de customizar o saber e a vida nas relações sujeito-objeto, sujeito cognoscente, indivíduo/natureza/sociedade, e os saberes teóricos/práticos e existenciais. As escolas precisam instaurar uma pedagogia ecossistêmica, objetivando a superação do antropocentrismo das pedagogias tradicionais, e reconstruir as práticas pedagógicas e estratégias de ensino e aprendizagem. É preciso desenvolver uma nova cultura de aprendizagem mais adequada à evolução da ciência e da tecnologia, criando ambientes de aprendizagem que privilegiem a autoria, a autonomia, a criatividade, a criticidade e a reflexividade. E, certamente, compreender que os sistemas educacionais necessitam estar a serviço de um tipo de sociedade que promova a inclusão, que valorize a ética da diversidade, do cuidado, a ética da vida. Portanto, a reforma do pensamento se faz necessária para a consciência crítica em relação à cidadania planetária, para formar a futura geração de sujeitos que superem suas dificuldades, que construam um equilíbrio emocional para a vida e o viver; assim, seremos capazes de gerar uma nova consciência civilizacional.

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