Edição 48

LEI No 45.649/08

A vez e a voz da África

Heloísa Cerri Ramos

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A obrigatoriedade do ensino da história e da cultura brasileiras ainda esbarra na falta de material didático, mas já surgem bons lançamentos.

A editora Companhia das Letras publicou o livro Contos e Lendas Afro-brasileiros: A Criação do Mundo. O autor, Reginaldo Prandi, é professor de Sociologia e escritor de livros de sociologia da religião, mitologia afro-brasileira, literatura infanto-juvenil e ficção policial. Aqui ele apresenta o tema da criação do mundo a partir das histórias dos orixás, os deuses africanos. Em narrativas que se interpenetram, o leitor vai acompanhando como os orixás criaram o mundo. É por meio da personagem Adetutu, uma jovem mulher caçada na África por traficantes de escravos, que o autor liga a história de um mito a outro. Enquanto o navio negreiro que a traz para o Brasil atravessa o oceano, Adetutu sonha com as histórias de seu povo que a avó lhe contara. As belas ilustrações da artista plástica Joana Lira ajudaram a criar o clima onírico dos contos e das lendas.

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Dessa forma, o leitor é apresentado a mitos cujos nomes conhece, mas, provavelmente, não sabe a história. Assim desfilam Oxum, Oxalá, Exu, Xangô, Iemanjá e Iansã, entre outros. São contos e lendas que fazem parte do patrimônio mitológico ioruba que o Brasil herdou da África. Esse patrimônio é hoje parte constitutiva da cultura brasileira. Contado oralmente e transmitido ao longo de gerações, garantiu-se sua preservação.

Cultura afro-brasileira na escola

O Brasil foi povoado por inúmeros grupos étnicos, e cada um deixou a sua marca na cultura brasileira, mas foi na cultura africana que a nossa mais bebeu. Raros são os aspectos que não trazem a sua marca: a família, a língua, a religião, a música, a dança, a culinária e a arte popular em geral.

“Apesar de a África ter uma influência decisiva nos horários e nos costumes, mesmo daqueles brasileiros que não são afrodescendentes”, como afirmou o escritor Júlio Braz, em seu livro Lendas Negras, pouco ou nada sabemos sobre esse continente e sua cultura.

A ausência de tão importante conhecimento nos currículos escolares justificou a Lei nº 10.639, promulgada em 2003, que tornou obrigatório o ensino da História da África e da cultura afro-brasileira na educação básica. O Brasil é um país que se formou do encontro de diversos grupos étnico-raciais: o índio, o negro, o europeu, o asiático, etc.

Para conhecer o Brasil e seu povo, é preciso conhecer a história e a cultura dos povos que aqui se encontram e que, com suas bagagens e memórias, têm contribuído para a construção da identidade brasileira.

No entanto, as escolas ainda carecem de edição de livros e de materiais didáticos para diferentes níveis e modalidades de ensino que abordem a pluralidade cultural e a adversidade étnico-racial da nação brasileira. Propor a leitura de Contos e Lendas Afro-brasileiros: a Criação do Mundo significa, portanto, uma contribuição para a compreensão de quem é o povo brasileiro, de onde veio e como se formou.

Heloísa Cerri Ramos é formada em Letras pela Pontifícia Universidade Católica – PUC Campinas, com especialização em Semântica, Linguística e Didática de Língua Portuguesa pela PUC-SP. É também autora de livros didáticos e consultora pedagógica.

Revista Carta na Escola. A Vez e a Voz da África. São Paulo: Confiança, dez. 2007/jan. 2008, nº 22. p. 53–54.

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