Edição 48

Projeto Didático

Árido não, semiárido!

Ana Catarina Vieira da Costa
Saulo Nogueira da Costa

arido

Nas nossas pesquisas, vimos que antigamente acreditava-se que toda essa região correspondente ao semiárido seria o resultado da destruição de outros ecossistemas, como a Mata Atlântica ou a Floresta Amazônica. Entretanto, em nossos estudos, encontramos um ecossistema rico, com uma biodiversidade muito variada e considerada extremamente frágil e com os seus componentes muito ligados e dependentes uns dos outros, onde podemos ver muitas relações ecológicas.

Imagem 01 – Espécies diferentes de vegetais que vimos com muita frequência no local.

Os climas a que essa imensa região está submetida variam de semiáridos a subúmidos secos tropicais de exceção e são caracterizados por uma quantidade de chuva concentrada em um só período (de 3 a 5 meses), com médias anuais situadas entre 250 e 900 milímetros, irregularmente distribuídas no tempo e no espaço. As temperaturas médias anuais são relativamente elevadas, entre 26 ºC e 29 ºC. A umidade relativa do ar é de cerca de 50%, e as taxas médias de evaporação são em torno de 2.000 mm por ano. Os solos, com algumas exceções, são pouco desenvolvidos em matéria orgânica, mineralmente ricos, pedregosos, pouco espessos e com fraca capacidade de retenção de água. No nosso trabalho, partimos para a caracterização e o levantamento do ambiente de caatinga do Estado de Pernambuco, conhecendo seus habitantes e os componentes abióticos (temperatura, ar, água e solo) e procurando entender os tipos de relação e as formas de utilização dos recursos naturais pelos seres vivos.

• O Ambiente

O semiárido brasileiro é uma região onde ocorrem secas com uma quantidade de chuvas muito irregular, de 400 a 800 mm anuais. Seus solos são rasos, onde aparece uma vegetação, conhecida como xerófila, resistente a longos períodos de seca. O semiárido brasileiro é um cenário muito diferente do que se vê no dia a dia. Um dos maiores problemas com a seca é que ela não proporciona muito comércio à região, fazendo com que os donos de grandes empresas fiquem sem possibilidades de realizar grandes construções para sua terra e os prefeitos dessas cidades não tenham o poder do dinheiro para investir no povo.

A maior atividade econômica do semiárido está no Setor Primário, em que se situa a grande criação de gado e de outros animais. A temperatura do semiárido é muito variada, e a chuva é mal distribuída física e temporalmente. Devido às características climáticas da região, o Nordeste possui um dos maiores índices de evaporação do Brasil, o que torna os reservatórios de água pouco profundos e inúteis em épocas de seca.

arido-2

Paisagem do Vale

A água dos barreiros e açudes, baixados onde se acumula a chuva, é geralmente poluída e cheia de vermes. Em uma região com essas características, a pecuária pode ser uma boa saída para os problemas da população, pois alguns animais, como os bodes e algumas raças de boi, conseguem se desenvolver nessas condições ambientais.

O Brasil abriga a maior biodiversidade do planeta, contando com cerca de 10% da biota global. Trabalhos recentes estimaram a biota brasileira entre 170 mil e 210 mil espécies conhecidas, mas essas estimativas podem aumentar para a faixa de 1,8 a 2,4 milhões de espécies se considerarmos as espécies desconhecidas. Essa biodiversidade está presente em grande parte no Nordeste do Brasil, que apresenta uma paisagem muito diferenciada: em alguns pontos, temos uma parte plana; em outra região, encontramos muitos relevos.

Essa diferença no meio ambiente faz com que haja uma grande quantidade de seres vivos que vivem em estreita relação ecológica entre espécies diferentes, como as palmeiras, conhecidas como Catolé, que servem de suporte para várias orquídeas e bromélias. Observamos uma grande quantidade de cactos, que são plantas que conseguem armazenar, no seu interior, uma certa quantidade de água e, por isso, são muito procuradas pelos animais.

Outro vegetal que é bem característico da região são as bromélias, que conseguem formar uma verdadeira cadeia alimentar em seu corpo.

Todo esse ecossistema é conhecido como caatinga, que fica em uma região de clima quente com curta estação chuvosa. Sua temperatura média é de 35 ºC, sendo que existem locais com 800 metros de altura, onde encontramos uma das temperaturas mais baixas de todo o Nordeste.

Seu solo é oligotrófico, muito arenoso e com pedras, além de pobre em nutrientes e com acentuado processo erosivo, não permitindo o acúmulo de matérias orgânicas. Esse solo apresenta muita permeabilidade; porém, mesmo quando chove, o solo pedregoso não consegue armazenar a água que cai, e a temperatura elevada (médias entre 25 °C e 29 °C) provoca intensa evaporação. Na longa estiagem, os sertões são, muitas vezes, tão semidesertos que, apesar do tempo nublado, não costumam receber chuva, o que submete as plantas a um grande estresse hídrico e, mesmo na estação chuvosa, isso faz com que as plantas captem água até da neblina. O aspecto agressivo da vegetação contrasta com o colorido diversificado das flores emergentes no período das chuvas, cujo índice pluviométrico varia entre 300 e 800 milímetros anualmente. Observamos que a caatinga apresenta três partes vegetais: arbórea (de 8 a 12 metros), arbustiva (de 2 a 5 metros) e a herbácea (abaixo de 2 metros). A vegetação adaptou-se ao clima seco para se proteger. As folhas, por exemplo, são finas ou inexistentes. Algumas plantas armazenam água, como os cactos; outras se caracterizam por terem raízes praticamente na superfície do solo para absorver o máximo da chuva.

Coroa-de-frade

Algumas das espécies vegetais mais comuns da região são as imburanas, a aroeira, o umbu, a baraúna, a maniçoba, a macambira, o mandacaru e o juazeiro. Este último pode ser observado em grande quantidade nas feiras e no comércio da região, pois é um vegetal que a população utiliza bastante para a produção de sabonetes e outros produtos de limpeza. Durante o nosso trabalho de campo, vimos que, no meio de tanta aridez, a caatinga surpreende com suas “ilhas de umidade” e seus solos férteis. São os chamados brejos, que quebram a monotonia das condições físicas e geológicas dos sertões. Nessas ilhas, é possível produzir quase todos os alimentos e as frutas peculiares aos trópicos do mundo.

Essas áreas normalmente localizam-se próximas às serras, onde a ocorrência de chuvas é maior. Através de caminhos diversos, os rios regionais saem das bordas das chapadas, percorrem extensas depressões entre os planaltos quentes e secos e acabam chegando ao mar ou engrossando as águas do São Francisco e do Parnaíba (rios que cruzam a caatinga).

Das cabeceiras até as proximidades do mar, os rios com nascente na região permanecem secos durante cinco a sete meses do ano. Apenas o canal principal do Rio São Francisco mantém seu fluxo através dos sertões, com águas trazidas de outras regiões climáticas e hídricas.

Quando chove, no início do ano, a paisagem muda muito rapidamente. As árvores cobrem-se de folhas, e o solo fica forrado de pequenas plantas. A fauna volta a engordar.

Os animais mais comuns na região, que não vimos em nossas caminhadas diurnas, mas ouvimos falar pela população local, são: o sapo-cururu, a asa-branca, a cotia, o gambá, o preá, o veado-catingueiro, o tatu-peba e o sagui-do-nordeste. Há uma quantidade grande de insetos como os cupins e as formigas, inclusive uma espécie muito conhecida por ser carnívora, também chamada de formigão ou formiga-preta. Observamos que a maior parte dos animais da região tem hábitos noturnos, a partir das nossas pesquisas e entrevistas no local. Nessa região coberta pela caatinga, vivem aproximadamente 20 milhões de brasileiros, em quase 800 mil km² de área. Quando não chove, o homem do sertão e a sua família precisam caminhar quilômetros em busca da água dos açudes. A irregularidade climática é um dos fatores que mais interferem na vida do sertanejo.

• O Homem

Artesão e morador local

O povoamento dessa área ocorreu em tempos antigos, e os primeiros sinais seguros da presença humana existem há 52 mil anos. Os portugueses, na sua chegada, há 500 anos, não reconheceram a sabedoria da população nativa, denominada de índios, o seu profundo conhecimento da natureza e a sua vida adaptada ao clima.

Os habitantes do semiárido brasileiro de hoje questionam, muitas vezes, seu destino de chamar essa região de pátria. Olhando, porém, o mapa-múndi, observa-se logo que terras com chuvas limitadas são muito mais regra do que exceção neste planeta. Desde regiões extremamente secas a moderadamente secas, tudo se encontra neste nosso globo terrestre. Terra úmida, com chuva constante, é um recurso limitado. Somente a zona semiárida abrange 49 países do mundo e ocupa 55% das áreas agrícolas. E, no Brasil, existe a região mais populosa do semiárido do mundo, onde uma mistura de descendentes de escravos, grupos indígenas e outros convivem e se misturam fazendo um grande caldeirão de cultura e religiosidade.

Observamos, no trabalho de campo, que a população vive da cultura de algumas plantas, como o milho, a mandioca, o caju, etc.

Pelo que observamos na aula de campo, a população daquele local usa muito a agricultura como uma forte fonte de comércio de plantas medicinais, e diversas culturas são usadas na sua alimentação.

arido-3

• A Água

Conhecidas são as notícias em televisão e jornais que relatam uma seca catastrófica no Nordeste. Relatam que choveu tão pouco que a semente não germinou ou a planta secou mais tarde. Porém, com a criação de animais, especialmente de cabras e ovelhas, poucos problemas aparecem. Mesmo em anos de secas grandes, os animais sempre encontram alimento suficiente. Esse fato deve chamar a atenção e levar à análise de suas causas.

Uma delas é encontrada na própria precipitação. Não é que a chuva seja pouca. Na média plurianual, registramos em Juazeiro, Bahia, um dos lugares mais secos do semiárido, com 505 milímetros de chuva por ano. Na verdade, o problema é outro: a irregularidade. A chuva cai de maneira irregular no “tempo e no espaço”. Isso significa que nunca se sabe em que mês se iniciará a estação chuvosa e, depois de uma chuva, quando cairá a próxima. Também a distribuição espacial é irregular demais. Uma tempestade forte pode encharcar a terra num determinado lugar, e a caatinga se desabrochar em flores, enquanto, alguns quilômetros adiante, os cactos estão ainda encolhidos; e as árvores, sem folhas.

arido-4

A falta de chuva e a sua irregularidade não são os únicos fatores decisivos para a seca no semiárido brasileiro. Existem regiões da Europa onde a precipitação é a mesma do semiárido, ou até menor, e ninguém fala de secas catastróficas. A diferença se encontra na evaporação, que, no semiárido, é muito alta, conforme constatamos em nossos estudos.

• Alunos em Trabalho

O semiárido está situado perto do equador, com temperaturas quentes durante o ano todo e baixa umidade do ar. Tudo isso contribui para uma evaporação alta, de aproximadamente 3 mil milímetros por ano, e faz com que, a cada ano, se evapore uma coluna de água de 3 metros de altura!

Outro aspecto que temos que considerar é a água subterrânea, que exerce uma influência decisiva no clima. Encontra- -se água já em profundidades rasas — 10 metros —, embora esses poços rasos, em anos de estiagem maior, tendam a secar. Água segura só é encontrada a partir de 100 metros. Apesar da abundância da água subterrânea, também aqui a captação da água da chuva encontra sua importância, por causa do alto preço da perfuração e dos custos constantes de manutenção da bomba do poço e do motor. Além disso, existe a carência de pessoal tecnicamente qualificado para eventuais consertos e manutenção preventiva.

O estudo desenvolvido mostrou que, no semiárido pernambucano, encontra-se uma população cuja subsistência sempre foi ligada à terra e aos seus recursos e que desenvolve a pecuária e a agricultura familiar com atividades ligadas aos ciclos das chuvas e ao que os recursos naturais oferecem. Ali encontramos muitas plantas nativas usadas como remédios.

Nos últimos quinze anos, uma parte dessa região se transformou em deserto devido à interferência do homem. A desertificação é um fenômeno que impossibilita a convivência do homem com o ecossistema. Pesquisadores dizem que o Nordeste brasileiro desertificado é diferente dos desertos naturais, como o Atacama (Chile) e o Saara (norte da África). “Os desertos naturais são importantes para o planeta, principalmente para o equilíbrio do clima”, segundo a Revista Brasileira de Ciência do Ambiente.

arido-5

As áreas em desertificação no Brasil são prova de que existe um desequilíbrio ambiental. A aridez do clima e, sobretudo, o uso inapropriado que a população faz dos recursos naturais contribui muito na formação dos desertos. Em algumas regiões, o esgotamento do solo — que começou há mais de três décadas com a monocultura de algodão e teve continuidade com a criação de gado para a produção de leite — chegou ao século XXI com a extração de lenha para apoiar as indústrias de cerâmica.

Dentro do Brasil, há outro “país” dominado pela seca, onde a sobrevivência é árdua e as ações em favor do meio ambiente são raras. Na área de 1,3 milhão de quilômetros quadrados que compõe o semiárido, a natureza está sendo “derrotada” pelo homem.

Os problemas sociais são bastante sérios, o que acaba refletindo na pressão que a população exerce sobre a natureza. Com isso, boa parte dos terrenos se tornou improdutiva porque o solo não serve para o plantio ou as fontes de água secaram. Como afirma Edmon Nimer na Revista Brasileira de Geografia, “A desertificação impossibilita a convivência do homem com o ecossistema”.

Inicialmente, quando escolhemos esse tema para desenvolver as pesquisas, pensávamos que íamos estudar um ambiente muito pobre em biodiversidade e aspectos interessantes, mas estávamos todos enganados! Constatamos que o local apresentava muitas coisas curiosas, como os processos de adaptação das estruturas do corpo e os hábitos dos animais e das plantas da região. Por exemplo, percebemos que poucos animais circulam durante o dia, pois a maioria é noturna, evitando, assim, a perda de água e o sol escaldante do dia. Notamos também as mudanças na forma das plantas, que apresentam espinhos e, dessa maneira, conseguem absorver água. Além disso, os espinhos servem de proteção e defesa contra os predadores, que, buscando saciar a sede e a fome, comem muitas plantas com o objetivo de absorver sua água e seus nutrientes.

Outro ponto que nos chamou muita atenção foi a relação que existe entre o homem e o meio ambiente. O homem faz tudo que é possível para utilizar, de forma harmônica, os recursos naturais, como as plantas, na alimentação e na medicina, e a criação de animais. Constatamos que alguns moradores da região utilizam a madeira para consumo, construção de casas e criação de objetos de arte, como o escultor Zé Bezerra, mais conhecido na região como Zé de Carmelita, que utiliza a imburana para esculpir peças representando animais e seres humanos.

Com a necessidade de aproveitar o máximo do meio ambiente sem depredá-lo, o homem buscou alternativas de subsistência, inclusive para o armazenamento de água, para que esta não se evapore com tanta rapidez. Algumas técnicas de aproveitamento foram desenvolvidas, como o preparo de cisternas. Com essa constatação, conhecemos um projeto chamado Cem Cisternas, que visa ao estudo das dificuldades do povo do semiárido e à busca de soluções. Para isso, a Escola Recanto, junto com outras do Recife, está mobilizada para investir e aprender com a região, oferecendo coletivamente uma melhoria da qualidade de vida da sua população.

Referências Bibliográficas

A. A. N. Incursões à Pré-história da América Tropical. In: MOTA, C. G. (Org.). Viagem Incompleta. A Experiência Brasileira (1500-2000). Formação: Histórias. São Paulo: Senac, 2000. ABREU, C. de. Capítulos de História Colonial. Belo Horizonte: Itatiaia, 1988. BOXER, C. A Idade de Ouro do Brasil: Dores de Crescimento de uma Sociedade Colonial. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000. CANIELLO, M. O Editos Brasílico: Sociologia Histórica da Formação Nacional: 1500–1654. Tese de Doutoramento. Recife: UFPE/PPGS, 2001. CUNHA, M.C. da (Org.). História dos Índios no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1992. MARTIN, G. Pré-história do Nordeste do Brasil. Recife: UFPE, 1999. MOTA, C.G. Viagem Incompleta: a Experiência Brasileira. São Paulo: Senac, 2000. ALMEIDA, J.R.; ORLOSON, A.M.; PEREIRA, S.R.B.; AMARAL, F.; SILVA, D.M. Planejamento Ambiental: Caminho para Participação Popular e Gestão Ambiental para Nosso Futuro Comum. Uma Necessidade, um Desafio. Rio de Janeiro: Thex, 1993. MINTER/Sudene. Uma Política de Desenvolvimento para o Nordeste. Recife: 1985. MINTER. Plano Integrado para o Combate Preventivo aos Efeitos das Secas no Nordeste. Série Desenvolvimento Regional. nº 1. Brasília: 1973. Saulo Nogueira da Costa (orientador) é bacharel e licenciado em Ciências Biológicas pela Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE). É professor de Ciências e coordenador dos projetos Dom Helder – um Novo Olhar sobre o Semiárido (do Colégio Recanto) e 100 Cisternas (da Fundação Cáritas). Ana Catarina Vieira da Costa (coorientadora) é formada em Pedagogia e Arte-educação e professora de Artes da Escola Recanto.

cubos