Edição 99

Profissionalismo

Aprendendo com o erro do educando

Augusto França

Nos meus pouco mais de sete anos no magistério e em todas as leituras que esse tempo pode proporcionar a um professor, não me recordo de ter tido contato com um texto que falasse da importância de aprender a aprender nos cursos de formação de professores.

Digo isso porque, hoje, sendo professor de nível fundamental e universitário, senti, em minhas andanças pedagógicas, muita necessidade de desenvolver a sensibilidade de ouvir e absorver o que nossos jovens educandos gritam todos os dias.

Se pararmos para analisar as matrizes curriculares de todas as licenciaturas de instituições do Brasil inteiro, perceberemos a demasia das cadeiras que nos “habilitam” a ensinar. Didática do Ensino de Língua Portuguesa, de Matemática, de Ciências Naturais… Aprendemos a ensinar gêneros textuais, desenvolver atividades lúdicas, operações matemáticas. Importantíssimo, e nossas discussões estão longe de criticar as grades de nossos cursos de formação docente. Proponho aqui uma reflexão sobre as maravilhas que podemos absorver quando nos abrimos para receber o que nossos educandos têm a nos ensinar.

Certa vez, no início de minha vivência como professor alfabetizador, estava planejando uma aula sobre o algoritmo da subtração com reagrupamento que deveria ministrar a crianças de 9 anos. Pensei: fácil, pois, no 4º ano, subentende-se que todos já tenham tido o contato com todas as operações fundamentais. Meu tempo estimado para a conclusão desse tema foi de três dias, sendo dois horários por dia para trabalhar Matemática. De todos os planejamentos que já elaborei, esse foi o que mais mostrou disparidade entre plano e ação. De fato, todos os meus alunos já haviam tido contato com o conteúdo, mas cheguei a desejar, acho que no segundo ou terceiro dia de tentativas, que eles não o tivessem.

Abro um parêntese para compartilhar a forma como me foi ensinado esse conteúdo, e como costumo ensiná-lo, e como costumo relacioná-lo com as várias maneiras com as quais me deparo estando agora na posição de professor. Em minhas vivências de campo, arrisco dizer que cerca de 60% ou 70% dos alunos dessa faixa etária têm dificuldades de compreender a real intenção do reagrupamento de ordens. Na linguagem popular das salas de aula, ouvimos sempre termos como “sobe um”, “ganha um”, “pede emprestado”. Quando os alunos chegam a memorizar esse passo a passo, muitos professores (inclusive eu, na semana desse referido planejamento) preferem jogar a pá de cal no assunto. É mais cômodo aceitar que os alunos aprenderam, quando estes apenas memorizaram procedimentos prontos. Então, como alunos, levamos para a vida inteira termos famosos, como o “pede emprestado”.

Na subtração 1.450 – 1.280, avaliamos a forma com que o algoritmo pode ser desenvolvido de três maneiras:

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Agora, compartilho com vocês as conclusões que podemos ter sobre tais situações.

Na resolução A, percebemos um equívoco comum e primário no algoritmo da subtração, decorrente de nossa carência de compreensão da didática dos campos matemáticos. No campo aditivo, ensinamos nossos alunos a relacionarem parcelas. Na adição, a ordem na qual uma parcela será apresentada no algoritmo não interfere na soma, porém, na subtração de números naturais, sabemos que só é possível tirar uma quantidade menor de uma maior, que é posicionada “em cima” na disposição da conta. Ensinamos aos nossos alunos que o maior número deve vir primeiro.

Dessa forma, então, o aluno compreende que deve posicionar o minuendo, ou seja, o total, sobre o subtraendo. Aí, ele vai efetuar 0U – 0U, 8D – 5D, 4C – 2C e 1UM – 1UM. Perceba que, entre as dezenas, vários de seus alunos já cometeram esse mesmo “erro” no decorrer de sua alfabetização matemática. Muitos professores quebram a cabeça, comprometem o planejamento que, em sua concepção, não apresentaria problema algum. Isso por causa da explicação “o maior número deve vir primeiro”. Ora, se ensinamos aos nossos alunos que, numa subtração, devemos escrever o maior número primeiro, como estaremos preparando nossos educandos para dominarem o algoritmo quando essa subtração exigir um reagrupamento de ordens?

Acontece que nós temos o hábito de tatuar cada vez mais passo a passos na cabeça dos nossos jovens estudantes, na tentativa de que logrem êxito na aprendizagem. O que esquecemos é que, fazendo com que eles decorem algoritmos dessa forma, estamos procrastinando o nosso verdadeiro enfrentamento dessas situações. O aluno que, insistentemente, resolve uma subtração dessa forma terá dificuldades imensas no domínio do reagrupamento.

A forma de resolução B é a mais usual na nova didática do ensino da Matemática. Todos os livros didáticos orientam que operações de subtrair sejam ensinadas dessa forma. Quando aprendem o algoritmo, dificilmente erram alguma operação, mas a maioria facilmente não sabe explicar o porquê das modificações propostas pelo reagrupamento de ordens. Mas nós, professores, nos negamos o direito de aprender quando analisamos casos em que o algoritmo seja resolvido da seguinte forma:

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Você consegue acompanhar o raciocínio de uma criança que resolveu uma subtração dessa forma antes de ler os comentários ao lado?

Nesse caso, chamo a atenção para o termo “pede um emprestado” ou simplesmente “ganha um”. Quando ensinamos dessa maneira, é fato que há uma sequência lógica para a resolução desse algoritmo, pois estamos disseminando que a ordem que precisa ser reagrupada simplesmente ganhou 1, ou uma unidade. Quando o valor relativo e o valor absoluto dos numerais não são bem trabalhados antes das operações fundamentais, corre-se o risco de se deparar com essa situação por muitas vezes, até que o educando realmente chegue ao nível de entendimento adequado.

Se o aluno pensa tal como o que resolveu da maneira exemplificada na A e começa a ter contato com o reagrupamento de ordens sem ter sanado as dúvidas do algoritmo sem reagrupamento, possivelmente cometerá os mesmos erros exemplificados na operação B. Se o meu 5 ganha mais 1 e o resultado deve relacionar-se com uma subtração por 8, o mais óbvio para quem não conhece o processo é subtrair 8 – (1 + 6) = 7. Perceba que este aluno já tem o entendimento de que o número 1 foi “emprestado” pelo 4, que se tornou 3. Este é um aprendizado concreto e deve ser considerado, porém este aluno ainda precisa de uma base de valor absoluto e relativo para que tenha o sucesso que o aluno da resolução C obteve.

Confesso-lhes que a operação C exemplifica a forma com que fui apresentado ao reagrupamento de ordens em subtração, apesar de, na época, sequer saber o que significava o “ganha um, devolve”. Recorri a esse modo para tirar do ponto de inércia meus alunos que não absorviam a explicação. Porém, estava começando a fazer com eles o que foi feito comigo quando “aprendi” essa conta. Decidi, então, abortar o conteúdo por hora e voltar ao assunto valor absoluto e valor relativo. Aprendi com meus pequenos daquela turma de 2016 que meu planejamento não é mais importante que a sede deles por aprender de forma correta. Que tudo aquilo que pensei no conforto de minha poltrona e no calor de minha xícara de café poderia e deveria ser modificado, caso algo não saísse nos conformes.

Uma vez, li em um texto de Augusto Cury que “Sábio é o ser humano que tem coragem de ir diante do espelho da sua alma para reconhecer seus erros e fracassos e utilizá-los para plantar as mais belas sementes no terreno de sua inteligência”. Um planejamento é um bem valiosíssimo para qualquer professor comprometido com o que faz, pois ali ele está depositando sua experiência, suas emoções, suas expectativas e sua criatividade. Costumo dizer nos ambientes educacionais onde leciono que todo professor é autor, pois escreve seus roteiros diariamente ou, no máximo, semanalmente. Você já se imaginou organizando sistematicamente os materiais de estudo que você elabora para seus alunos em um único material? Certamente, teria um livro de muita qualidade ao final de cada ano letivo, que serviria de base para você no ano que viria.

Fracassar em um planejamento faz parte da rotina de qualquer professor que ousa o novo, sai de sua área de conforto e enfrenta as adversidades. Ao estarmos dispostos a analisar o erro do educando e os nossos próprios erros, estamos nos dando a chance de crescer profissionalmente. E é isso que os nossos alunos mais nos ensinam: a crescer! Cada pergunta, cada comentário dentro da aula ou cada erro cometido por eles deve ser encarado por nós professores como uma oportunidade de nos reinventarmos diariamente. Esse é o maior bem que nossos alunos podem nos deixar.

Augusto França é Especialista em Gestão Educacional, assessor pedagógico, professor da rede
pública de ensino, professor de cursos de pós-graduação e autor de literatura infantojuvenil.
E-mail: franca.augusto@outlook.com

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