Edição 112

A fala do mestre

As metodologias ativas e os sábios da Macedônia

Lécio Cordeiro

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No artigo passado, falei sobre os anacronismos que estão presentes nas nossas salas de aula muito mais do que pensamos. Peço permissão para insistir nisso porque ultimamente tenho visto vários deles, cada um mais rejuvenescido que outro. Muitos são verdadeiros artigos de brechó sendo vendidos como “a oitava maravilha dos sábios alquimistas da Macedônia”, como disse o cigano Melquíades nos Cem anos de solidão, quando levou a Macondo um simples ímã. Estou falando das metodologias ativas, ou melhor, do que muitas escolas estão fazendo com elas. É um rótulo novo para algo velho — o filósofo e pedagogo norte-americano John Dewey (1859–1952) falava sobre isso há mais de cem anos!

No final do século 19, precisamente em 1896, Dewey criou uma escola-laboratório no interior do Departamento de Filosofia e Pedagogia da Universidade de Chicago. A intenção dele era, simplesmente, produzir o fundamento para a experiência das crianças e ver como a educação poderia ser aperfeiçoada, mais ou menos como as escolas de hoje que buscam a aprendizagem via experiência. Já naquela época, Dewey falava que os saberes se organizam logicamente e de forma entrelaçada, interativa e simultânea durante a experiência, o melhor caminho para se chegar à aprendizagem genuína. Hoje, não chamamos mais esse processo apenas de experiência, mas de projetos, questões-problema, e sua aplicação, nas mais variadas maneiras, corresponde às metodologias ativas. Apesar disso, basicamente tudo continua: trabalho em equipe, interação, diálogo, protagonismo, aplicação na vida cotidiana. Ou seja, alguns nomes mudaram, mas a essência continua: dar aos estudantes algo para fazer, não algo para aprender. O fundamento é bastante simples: a natureza do fazer demanda pensamento, e a aprendizagem é o resultado desse processo. Logicamente, há muita novidade nisso. Há várias metodologias disponíveis marcadas pela atividade, como o ensino híbrido, a sala de aula invertida, a educação por pares, a educação baseada na resolução de problemas e muitas outras sendo criadas constantemente, como resultado de um mundo em intensa transformação.

Atividade é a palavra-chave dessa mudança. Estamos passando de um modelo centrado no professor e que colocava os alunos em uma postura passiva para um novo modelo, este centrado no próprio aluno, que participa ativamente da experiência. As benesses dessa mudança são evidentes, pois o aluno aprende melhor quando interage. Essa interação é múltipla: se dá com o objeto de aprendizagem, é interpessoal e passa necessariamente pela linguagem. Mas parece que ainda não estamos pensando efetivamente sobre isso. Há duas grandes barreiras nesse percurso: a necessidade de repensarmos nosso papel enquanto professores e a emergência de as escolas delimitarem claramente a aplicação dessas metodologias.

Meus amigos, estamos diante de uma ruptura que leva à nossa transformação pessoal. Para a criança, é natural fazer parte, participar, ser protagonista do próprio aprendizado. Normalmente a criança se adapta com facilidade às novas situações, mas muitos de nós não. Conheço professores que sentem extrema dificuldade de abrir mão do controle. Precisamos entender que essa nova postura vai muito além da técnica, do planejamento da aula. Ela passa por uma nova forma de se relacionar com os alunos. E como todo corpo docente é, por essência, heterogêneo, a pergunta é: como ficarão os colegas que sequer planejam suas aulas? Levante a mão quem se coloca como um oráculo na sala de aula, uma entidade à qual os alunos devem recorrer apenas quando tiverem dúvidas complexas. Outra pergunta (não precisa levantar a mão, mas passá-la na própria consciência): quem se coloca na condição de carrasco dos alunos e se compraz com isso?

A transformação da escola é o outro problema. Ao levantar a bandeira das metodologias ativas, as escolas têm de ter muito claro o que vão fazer e, mais importante ainda, deixar isso claro para os professores e, principalmente, para os pais dos alunos, pois, vocês sabem, eles vão cobrar. No dia em que a criança começar a voltar para casa sem tarefa, eles exigirão explicações. Não esperem apoio quando um pai souber que o filho passou a manhã toda “brincando” na escola ou “cuidando” da horta. O problema é que há muita perfumaria em torno desses métodos, pois, ao que parece, muitas escolas estão pondo em prática o que ainda não conhecem muito bem. Pior: estão atribuindo valor de grife para isso e seguindo o que os sábios alquimistas da Macedônia disseram ser o futuro. E, para isso, não estão buscando capacitar os professores, ou pior, estão deixando-os sozinhos com um trambolho nas mãos. Querem que eles se reinventem da noite para o dia, que aprendam a conduzir uma discussão de caso, que passem a planejar e conduzir uma aprendizagem baseada em projetos, em equipes, em problemas. Obviedade: as metodologias ativas não podem ser implementadas de um dia para outro nem podem ser uma surpresa para alunos e familiares. É preciso cautela, diálogo, planejamento e muita pesquisa. Depois, quando o trambolho tiver forma, aplicação e finalidade, é preciso chamar os pais para uma boa conversa. O problema é que muitos deles não estão preparados para o novo. Na verdade, muitos não estão preparados nem para o que é velho, mas isso é outra conversa.

Não estou dizendo que essas metodologias devem ser adiadas, muito pelo contrário. Estou dizendo que não podemos ficar parados esperando a tempestade passar, porque ela não vai passar. A implementação delas é urgente e importante, sempre foi, pois a transformação da experiência em conceitos, pensamentos, ideias nos permite trabalhar com outras experiências em um ciclo sem fim por meio do qual prepararemos nossos alunos para o mundo real. Mas é preciso considerar que sua aplicação efetiva é muito mais profunda que encantar pais com aula maker ou sala Google e, por trás das cortinas, tirar sangue dos professores exigindo relatórios, provas, simulados, cadernetas, aula-show e que terminem o livro didático no fim do ano.

A mudança é grande, por isso precisamos nos molhar o quanto antes. É indiscutível que não conseguimos mais prestar nossos serviços no estilo do passado. A educação agora está baseada na inteligência, não na memória. Se olharmos para fotografias de salas de aula de séculos passados, veremos que a organização das carteiras, o posicionamento do professor, a padronização dos uniformes, tudo isso continua até hoje. O que mudou foi o aluno. Precisamos prepará-lo não para o mundo do passado nem para o nosso mundo. Precisamos prepará-lo para o mundo dele, o mundo do futuro. Essa reflexão é extremamente atual, mas confesso que não é minha. Praticamente tudo isso veio de Dewey. Há vários pensamentos dele diluídos aqui. Um ponto para quem achá-los!

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Lécio Cordeiro é formado em Letras pela UFPE. É editor e autor de livros didáticos de Língua Portuguesa para os anos finais do Ensino Fundamental.

E-mail: leciocordeiro@editoraconstruir.com.br

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