Edição 124

Como mãe, como educadora, como cidadã

Cadeiras da vida

Zeneide Silva

Na minha família e em muitas que conheço, existe uma quase tradição, que vem se perpetuando já há algumas décadas, que é presentear os bebês com uma cadeirinha de plástico colorida, daquelas com braços. Assim que as crianças começam a andar, alguém sempre traz esse peculiar presente, e elas passam a ocupar a cadeirinha, ainda com os pezinhos balançando no ar. É verdade que, antes disso, a maioria já passou pela cadeirinha de alimentação e a do carro e por alguns carrinhos de bebê, com formato similar a uma cadeira. Mas esse utensílio é de outra natureza, porque sua presença vai além da funcionalidade de um móvel, talvez por ser também um brinquedo, é como se a cadeirinha simbolizasse o primeiro estágio do desenvolvimento humano. A partir daí, vamos escrevendo nossa história, estabelecendo nossas relações e ocupando muitas cadeiras ao longo da nossa vida.

O bebê costuma dar variados usos à sua cadeirinha, e, muitas vezes, sentar é o que ele faz menos. Sobe, arrasta, vira ao contrário, se encosta, balança; e, mais tarde, faz dela um elo com outras crianças, criando, com as cadeirinhas, carrinhos, camas e trenzinhos e usando-a em muitas outras formas de brincar.cadeiras-da-vida

No processo de constituição e desenvolvimento das sociedades, volta e meia alguma cadeira ganha papel de destaque. Ela está em todo lugar e diz muito da pessoa que a utiliza; tanto que ocupar uma cadeira é o mesmo que adotar uma posição ou função social específica.

As cadeiras mais antigas de que se tem notícia surgiram no Egito há 4.800 anos, feitas de ébano e marfim. Esculpidas em madeira dourada, elas eram cobertas com materiais caros e tinham status de obra de arte. Depois foram criadas as cadeiras que balançam, giram, embalam, reclinam, dobram, massageiam, entre outras. É difícil pensarmos em algum ambiente ou situação em que não exista pelo menos uma cadeira.

Voltando para a cadeirinha de plástico dos bebês, à medida que eles vão crescendo, os pés tocam o chão, e a relação tende a mudar. Quando iniciam a vida escolar, conhecem as cadeiras da escola, que costumam ser chamadas de bancas ou carteiras e têm uma mesinha acoplada. Já na vida adulta, continua o convívio com esse tipo de cadeira, e também é costume chamar as matérias da faculdade de cadeiras. Assim seguimos, sempre acompanhados de perto por essa testemunha da história, que é também um símbolo do nosso crescimento e da mudança de fases e condições de vida. Até chegarmos a um tempo menos apressado, quando ocupamos com prazer a cadeira de balanço e, ao mesmo tempo, oferecemos as primeiras cadeirinhas de plástico aos nossos netos. E o ciclo se repete, como em uma dança de cadeiras, em que se mudam as posições e as pessoas, mas o jogo continua.

Nos tribunais e nas Academias de Letras, por exemplo, fica evidente que ocupar uma daquelas cadeiras é alcançar prestígio, reconhecimento e poder, mas é também assumir responsabilidades e abraçar uma causa. Já os tronos e tudo o que eles representam são para poucos privilegiados tomarem assento. Mas qual é a importância que uma simples cadeira pode ter? O que a observação da relação com as cadeiras ao longo da nossa vida pode nos ensinar? Longe do glamour das autoridades e suas suntuosas cadeiras, aprendemos mesmo é com as cadeiras que nos servem no cotidiano e as que escolhemos ocupar.

A cadeira conta a história do homem e da mulher desde que se puseram de pé e quiseram descansar, criando, então, lugares para isso, inspirados nas pedras côncavas e nos troncos de árvore. E se a gente olhar com atenção vai ver que, pelas cadeiras que usamos, também podemos ler nossa própria história. E ainda temos os modelos vinculados às profissões: cadeira para massagem, com um furo para apoiar a cabeça; as reclináveis e giratórias que ficam nos salões de beleza; as temidas cadeiras de dentista; e as famosas cadeiras gamer da atualidade; todas elas têm algo a dizer sobre seus usuários e as relações estabelecidas naquele ambiente. Mas as lições desse móvel doméstico vão além da sua funcionalidade. A cadeira é um convite para sentar e conversar; e, assim sendo, é um chamado à pausa e um alerta com relação ao tempo que dedicamos ao cultivo das nossas relações. Até quando nos referimos à “cadeira de pensar” adotada por algumas famílias e escolas quando as crianças fazem trela, o pedido de parada para reflexão permanece dando sentido à ação.

Desconfio que muitas das doenças e dos distúrbios mentais que afetam a sociedade contemporânea poderiam ser evitados ou, pelo menos, ter seus efeitos minimizados se a gente curtisse o acolhimento desse utensílio que nos acompanha desde crianças. A cadeira está nos chamando para a presença e o encontro, dois passos fundamentais para cuidarmos da saúde dos nossos relacionamentos.

Longe do glamour das autoridades e suas suntuosas cadeiras, aprendemos mesmo é com as cadeiras que nos servem no cotidiano e as que escolhemos ocupar.

E, quando for adquirir suas cadeiras, mais do que definir a compra pela beleza ou pelo conforto que proporcionam, ouça também o recado que elas trazem. Apesar de não abrir mão de presentear os bebês com as tais cadeirinhas de plástico, será que você já parou para vê-los brincar, ajudá-los a sentar ou subir nelas? Será que notou quando as crianças estavam sentadas e conseguiram encostar os pés no chão pela primeira vez e como isso modificou sua interação com a cadeira? Pois é, neste tempo de correria, a cadeira está aqui para não nos deixar esquecer de que “A pressa é inimiga da perfeição”. Então, para fluir com mais harmonia na vida, o convite é esse: escolha sua cadeira, entregue-se a ela e se deixe estar. Na permanência, a gente consegue aprimorar a observação e a reflexão. E não há coisa melhor do que uma boa cadeira para acolher e acalmar o turbilhão de pensamentos e sentimentos que costuma nos habitar.

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