Edição 120
A fala do mestre
Caminhos para superação pós-pandemia
Leo Fraiman
Um dos grandes desafios dos líderes e gestores na atualidade é a construção de um caminho que possa promover o acolhimento, a inspiração e a superação. Direta e indiretamente, toda a comunidade escolar foi afetada pela pandemia. Falamos aqui em perdas financeiras, perdas de vínculos, perdas no aproveitamento escolar. Não é realista imaginar que os alunos chegarão no pós-pandemia (se e quando isto acontecer) tranquilos, equilibrados, prontos para aprender, como se tivéssemos apenas que apertar o botão start e seguir a vida normalmente, muito longe disso.
Mais do que nunca, a escola precisará se constituir em um ambiente em que as competências cognitivas sejam trabalhadas lado a lado com as competências sociais e emocionais. Na prática, isso significa uma readequação do calendário escolar para contemplar, em primeiro lugar, rodas de conversa, dinâmicas de grupo, palestras de conscientização e cursos que possam ajudar os educadores e demais profissionais da escola a construírem o seu próprio equilíbrio emocional. Muitas vezes, instituições escolares investem enormes quantias de dinheiro e dedicam todos os seus esforços para preparar as escolas para que os pais se encantem com suas instalações, para que os concorrentes percebam a beleza da sua estrutura, mas acabam por desprezar aquele que é o agente mais impactante nos resultados acadêmicos e no bem-estar que se vive dentro da escola, que é o professor. Investir no professor é o que funciona na prática quando se esperam resultados duradouros.
A boa notícia é que hoje sabemos que isso não precisa necessariamente significar um investimento estratosférico nos já delicados orçamentos das instituições escolares. Imagine uma roda de conversa em que o professor de Filosofia traga aos seus pares reflexões e inspirações dos grandes filósofos sobre o momento que estamos vivendo. Que tal a área de Ciências Biológicas compartilhar dicas para a qualidade do sono, a boa nutrição e os cuidados que precisamos ter com a nossa saúde? Da mesma forma, professores de História podem ter um papel crucial neste momento ao compartilhar estratégias de pessoas que, ao longo dos tempos, alcançaram a superação. Cada um dos componentes curriculares tem muito a agregar em termos de reflexões, dicas práticas e conhecimentos, e todos podem fazer uma enorme diferença.
Só para se ter uma ideia, o simples fato de um professor assistir a aulas de seus pares e, depois, conversar sobre o que aprendeu com o estilo e o modo de trabalhar do colega já traz imensos benefícios em termos de socialização e rendimento profissional. Todos aprendendo uns com os outros. Sonho? Não, possibilidade! Conviver em um contexto em que todos contribuem para o bem comum custa muito pouco. E quanto vale? Muito.
Para contribuir com as famílias, podem ser oferecidas rodas de conversa presenciais (respeitando o distanciamento e os protocolos, claro) ou mesmo via algum sistema eletrônico, no qual cada pai e cada mãe podem apresentar os produtos, os serviços do seu trabalho. Isso mesmo, estamos falando no intraempreendedorismo, a possibilidade de que a escola se componha em um ambiente de interlocução, de apoio mútuo, fomentando novos negócios para que a comunidade de familiares se fortaleça, se acolha e participe uns da vida dos outros. Uma mãe que seja psicóloga poderia escrever um artigo sobre equilíbrio emocional a ser compartilhado com os demais familiares, um pai sociólogo poderia ter muito a dizer sobre como o grupo pode contribuir para que nos sintamos acolhidos e motivados a persistir, mesmo diante das adversidades. E, se quisermos ir a outro nível, então podemos criar momentos de diálogo entre professores e familiares unindo essas ideias todas para potencializar ainda mais tudo o que já foi falado aqui.
Junto aos educandos, o desafio também não precisa ser encarado como algo terrível, dificílimo, complicado de se fazer. Todos temos um mecanismo natural de cura e de bem-estar; este é o destino do ser humano: encontrar o prazer e evoluir, crescer e seguir em frente apesar de todas as dificuldades. É assim que conseguimos nos desenvolver como espécie e povoar os quatro cantos do planeta Terra, criar foguetes, telescópios e todos os demais conhecimentos que, juntos, permitiram que superássemos tantas e quantas adversidades vividas até aqui.
Este é um excelente momento para o protagonismo do gestor escolar. Já se sabe há muito que uma organização tem a cara do seu líder. Se mostrarmos a face da humanização dentro de nossas escolas, se entendermos que cada colégio pode e deve se unir em torno do bem comum e que criar essas práticas não é perder horário de aula nem tampouco custo extra, o milagre acontece.
A logoterapia, que estuda o sentido da vida, ciência criada por Viktor Frankl, um sobrevivente de Auschwitz, ensina-nos que, se estamos diante de uma situação difícil, devemos tentar mudá-la, e, se não conseguirmos, devemos mudar a nós mesmos. Em sua obra Em busca de sentido, esse célebre autor nos ensinou a máxima já citada por Nietzsche de que, nos momentos cruciais da vida, nas horas mais delicadas da nossa existência, importa menos o que nós queremos da vida.
O que importa é o que a vida quer de nós.
Estamos todos machucados, isso é um fato. Estamos todos diante de uma condição bastante delicada, isso é um fato. Mas o que define um ser humano nunca é o fato, e sim o ato. Sartre já nos ensinara que mais importante do que o que fizeram conosco é o que nós vamos fazer com o que fizeram conosco.
O desafio está posto, e o convite está feito. É um momento em que cada um de nós deve ser convocado a dar uma resposta às tantas dores que estamos vivendo, pois não escolhemos o nosso sofrimento, mas podemos, sim, escolher o que fazer com ele.
Uma condição difícil não precisa ser vista como uma condenação, nem de sonhos nem de esperanças, a não ser que nós permitamos isso.
Finalizando, o convite é para a autoconsciência, para a autorresponsabilização e para a autogestão de nós adultos. Caminhando juntos e de mãos dadas, aprendendo com as soluções, construindo respostas para perguntas que ainda estão sendo formuladas e mostrando que o ser humano pode, sim, dar o que não tem, é que superaremos este momento em que estamos, estas nossas dores e angústias.
É o que fez Albert Sabin com suas vacinas, Steve Jobs com a Apple, Walt Disney com suas criações. Eles deram o que não tinham, fizeram o impensável e não se deixaram definir pelo seu tempo. Eles pegaram a vida nas mãos e protagonizaram o seu melhor diante dela. Nenhum de nós está condenado a coisa alguma na vida. É hora, momento e ocasião para se acreditar no que há de mais humano em cada um de nós. O fato de que, quando nascemos, nossa mãe nos deu à luz, faz com que caiba a nós nos reconectarmos com nossa luz interna para iluminar os novos tempos. Nós somos a luz no fim do túnel.
Leo Fraiman é psicoterapeuta, palestrante internacional, escritor e autor de mais de vinte livros, dentre os quais se destaca a Metodologia OPEE (Projeto de Vida e Atitude Empreendedora), presente em mais de 1.500 escolas no Brasil. Foi conferencista na ONU no Simpósio Internacional – Formando Lideranças para o Desenvolvimento Futuro, em Genebra/Suíça. Com mais de 30 anos de carreira, Leo Fraiman foi membro do Comitê Mundial de Educação para a Autonomia, em Paris; ganhador do Prêmio Shift – Agentes Transformadores com o case da Metodologia OPEE; e, atualmente, é autor aprovado pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC) no Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) com a obra Pensar, sentir e agir.