Edição 103

Professor Construir

Como enfrentar o dilema da nomofobia

Nildo Lage

Conservar-se conectado com os amigos, com a família, com o grande amor e com o mundo é massa. A internet permite encontrarmos quem ambicionamos com um clique, independentemente da sua localização na cidade, no país, no planeta… É “top” matar a saudade visualizando a pessoa em imagens fantásticas… Compartilhar sorrisos, lágrimas, emoções, sentimentos… Ou tão somente colocar o papo em dia com a galera.

É fantástico enternecer-se com a vida que se exibe em imagem, áudio e vídeo… Em quantas dimensões ambicionarmos, compactando o mundo, que se abrolha como um holograma que levita na palma da mão… Um mundo cada vez mais integrado, sem distâncias, que reúne amigos para um bate-papo e proporciona entretenimento para todos os estilos, gostos e emana respostas a todos os questionamentos.

É relaxante se atualizar no que rola no grupo, azarar com a galera, se atualizar na rede… Aquele jogo é esplêndido… O tempo… Ah… O tempo… É mestre, aprimora, converte-se num extraordinário elo… Hoje e amanhã, estreitam o relacionamento humano-eletrônico a ponto de germinar vinculação.

O contato diário eleva a intimidade, abrolha manias, origina necessidades… Necessidades que arremetem a uma ação involuntária, conduzem por caminhos que proporcionam momentos únicos… O querer é cada vez mais… Conduz ao limite — o uso excessivo

Esse sinal é o alerta de que temos que nos apartar do mundo virtual, nos desligar das redes sociais e, assim, arrostar a vida real, experimentar os pés no chão, a brisa no rosto… Tocar em coisas e pessoas reais.

Do contrário, o passo seguinte pode conduzir à dependência… E, como as drogas, o smartphone se torna essencial, tão necessário que a ausência impacienta, acende medo, insegurança… Não tem jeito… O relacionamento ganha proporções dantescas… Não vivemos sem ele… Convidamo-no para dividir atenção à mesa, compartilhar o almoço e, por que não?, aquela reunião com os amigos.

A meta é estar conectado… O papo no WhatsApp fascina, desfecha o coração… De repente, o sinal da internet é interrompido… Fobia… Pânico, nervosismo… Rói unhas… Começa a se coçar… O que é isso? Dependência? Vício? Não! O relacionamento desenvolveu o vírus nomofóbico, converteu-se em doença! Infelizmente, a fronteira do humano foi arrombada pelos agentes tecnológicos… impelindo a vítima a enveredar pela rota da síndrome da dependência digital.

“De repente, o sinal da internet é interrompido… Fobia… Pânico, nervosismo… Rói unhas… Começa a se coçar… O que é isso?”

O QUE FAZER?

3Enfrentar o novo mal do século, cuja tecnologia proporciona conforto, lazer e diversão, é difícil… Difícil porque necessitamos dessas parafernálias… Por outro lado, é primordial prudência para impedir que o uso desordenado acenda convulsões, reações que impelem a caminhos ignotos e regem pela alameda da ansiedade, arremetem ao universo dos transtornos — como o bipolar —, sem contar com estresses ininterruptos — pós-traumáticos.

A partir desse estágio, funções simples, como tarefas do cotidiano, são interrompidas, e outras essenciais, como sexo, são descartadas… O grande deleite é estar conectado… Conectar é a preliminar… A conversa com a galera excita, conduz ao clímax.

O cenário é preocupante. O smartphone que conecta ao mundo facilita a vida para uns e se converte num aparelho insubstituível para outros, a ponto de não conseguirem dar um passo sem ele… Se for ao banheiro e não levá-lo, a ansiedade pode desencadear uma diarreia… O sono bate, todavia o seu cantinho na cama é garantido — de preferência debaixo do travesseiro — para ouvir as melodias das mensagens, compartilhar as vibrações — mesmo que seja de uma ligação feita por engano. Do contrário, pode ter pesadelos… Pois o seu contato, de tão importante, chega a ser essencial… Tão essencial que lazer e obrigações se liquefazem… Embaraçam…

M.T.R.A. não desconecta nunca. Há circunstâncias em que simula passar mal na escola para ir ao banheiro e checar as mensagens… Em casa, não cumpre tarefas simples como arrumar o quarto, fazer as atividades extraclasse… Uma nota musical ou o canto de um pássaro desvia a sua atenção para a tela do smartphone.

“Muitas vezes, estou dormindo e desperto subitamente como se a campainha do smartphone disparasse no volume máximo… Outras, estou deitada sem conseguir me conciliar com o sono e ligo a tela do aparelho dezenas, centenas de vezes… Pois ouço toques de mensagens e de chamadas ecoarem ininterruptamente…”

É febre, ou melhor, transformou-se em epidemia… Onde olhamos ­­­— direita, esquerda, frente, atrás —, confrontamos com alguém com a atenção cravada na tela, e os dedos, ágeis, não interrompem o ritmo, se movimentam sob a trilha da doce melodia “Pi… Pi… Pi…”.

O humano permitiu que as muralhas tecnológicas se erigissem de forma avassaladora, bloqueando o agir, reagir… Pensar… Refletir… A telinha emana um fulgor magnético que atrai, seduz a ponto de não conseguirmos ficar um minuto sem conferi-la para ver se não chegou mensagens ou se perdemos alguma ligação… É fissura… Até se ouvimos uma nota de uma música, seja em casa, na rua, no trabalho, na igreja, interrompemos tudo para averiguar o aparelho.

Todavia, o questionamento que poucos ousam fazer: que doença é essa? Nomofobia!

Assim como bebidas e drogas conduzem ao vício, à dependência, as ferramentas da tecnologia, excepcionalmente o smartphone, nos últimos anos, tornaram-se parceiros inseparáveis, uma ponte que abrevia caminhos, reduz distâncias entre os continentes, as pessoas, retira milhões do isolamento, da solidão. Contudo, se não forem aproveitados com moderação, podem se converter em agentes nocivos que contagiam o próprio querer.

A nomofobia converte o smartphone numa ferramenta que proporciona prazer, êxtase… Um contentamento instantâneo com um simples tocar na tela… O retorno está exatamente nas respostas instantâneas dos neurônios que proporcionam a exalação de dopamina… Como o tempo é o maior transformador, com o “passar” a vontade acrescenta… o desejo de clicar e fazer feedback energiza… Não contém os impulsos.

Tais reações são os primeiros sintomas da dependência tecnológica, alertando que o usuário necessita estar plugado, que o comportamento de adicção, especificamente em relação às mídias, proporciona prazer. Prazer em acessar, prazer em informar, prazer em jogar… Prazer em estar na rede.

Se não for contida, a nomofobia se converterá em problema de saúde pública… Há casos agressivos, em que a dependência pode comprometer até a funcionalidade dos neurônios, sem contar com males como ansiedade, depressão… Alguns dependentes, de tanto ficarem com a cabeça pendida, têm torcicolo… Esse gesto de reverência ao aparelho é de uma dimensão que não é preciso buscar na multidão… Estar em todos os lugares, em todos os ambientes… Seja transitando na rua, atrás da direção, escola, empresas, praças, parques, fila do banco, ônibus, metrô… A pandemia fecha o cerco a cada dia, encurralando uma população na qual mais de quarenta por cento não conseguem sobreviver sem um aparelho conectado à internet.

A dependência aprisiona de tal maneira que muitos não conseguem desconectar. Assistir vídeos, jogar, interagir nas redes sociais é tão fundamental que comer, dormir, amar… se torna inópia suplantada. A conexão relaxa, ostenta os olhos abertos… E, como notar é uma ação descartada, não percebe que os agentes do exército nomofóbico, como insônia, impulsividade, agem ininterruptamente.

Quando cai a ficha, estão entrincheirados pelos paredões do maior mal da era digital. A realidade preocupa governos, a exemplo da Coreia do Sul, que investe alto em estudos para reverter o quadro. Pois a elevação da produção de GABA no córtex cingulado pode desencadear lesão na integração funcional, comprometendo o processamento dos neurônios e, consequentemente, cognitivo e emocional.

Esse estágio é uma amostra do que virá… Pois as previsões asseguram que na próxima década a tecnologia preencherá o vácuo e atingirá 100% da vida do humano. Esse gráfico se arremeterá sincronicamente, à medida que a tecnologia evolucionar com aplicativos, jogos, gadgets que compreenderão o usuário. A sua eficácia será de uma dimensão que não teremos dependentes, pois o aglomerado tecnológico fará a mutação na mente e monitorará o humano. Seremos ciborgues.

Não é irrealidade! Os neurônios humanos obtemperam espontaneamente e, na medida em que os recursos tecnológicos abrolharem à nossa volta, não teremos forças para conter o desejo de feedback — espera o chip universalizar.

O DESAFIO DA EDUCAÇÃO

4No âmbito educacional — quando a vítima é criança ou adolescente — a nomofobia afeta o ensino-aprendizagem… A partir desse tirocínio, se não for contida por meio de tratamento, o próximo conflito poderá acarretar no retraimento do convívio social.

O desafio é encontrar alternativas que atraiam a atenção dos nativos digitais. As nossas crianças se semelham a ciborgues… Nascem com o chip resetado, concluído para absorver os avanços do seu meio… É impressionante a habilidade para se relacionar com a tecnologia… É como se em seu cérebro estivessem instalados aplicativos, drivers e manuais de todos os dispositivos… Bastam alguns minutos com aquele superlançamento de um smartphone para descobrir atalhos e funções de todos os recursos.

Temos ciência de que o smartphone é um instrumento essencial na era da comunicação. Se os benefícios forem canalizados para a formação — uso pedagógico —, pode se converter numa ferramenta para facilitar a aprendizagem.

O obstáculo é proporcionar uma educação sedutora, pois, mesmo com investimentos, BNCC, o sistema não consegue atrair as Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) para a sala de aula, tampouco fazer com que o instrumento mais amado por crianças, adolescentes e jovens — smartphone ­— se converta num caminho alternativo para ampliar os horizontes da aprendizagem.

Assim, transita na contramão, quando deveria, no mínimo, ser empregado como ferramenta para promover o processo ensino-aprendizagem. É exatamente porque a escola não consegue precipitar os passos para acompanhar a evolução social que não perde de vista as evoluções tecnológicas.

Suas dependências transformam-se em campo de batalhas, pois enveredar pelos caminhos das gerações é desafio para titãs… Porque o educador não tem como ter ciência de que se relaciona com um imigrante digital, nativo digital ou sábio digital… A quem culpar?

O nativo digital é o menos responsável, pois nasceu em meio às parafernálias da modernidade… Não conhece outra realidade sem televisão, smartphone, internet… Relaciona-se com esses brinquedinhos com familiaridade e tem a conectividade como plataforma que explora com fluência por conhecê-la como a palma da mão.

“A dependência aprisiona de tal maneira que muitos não conseguem desconectar.”

Pais dos nativos digitais são responsáveis pelo alastramento da nomofobia, pois, devido à falta de tempo para cuidar dos filhos, adotam eletrônicos como babás e os cercam de equipamentos. Ilhados, exploram e, da mesma forma que as primeiras palavras e a cultura, a linguagem digital passa ser a sua língua materna — tanto que muitos, mesmo depois de alfabetizados, não conseguem abandonar o dialeto internetês — e como navegar instiga, motiva a interação pró-ativa, convida ir além, amplia a criatividade que proporciona a metamorfose de conteúdo.

Já os imigrantes digitais, que, mesmo alertados de que a tecnologia compactaria o planeta, resistiram e experimentam as dificuldades para transitar num mundo conectado, e como não entendem uma palavra da língua digital — apenas bisbilhoteiam —, ostentam conceitos, pensamentos e ações analógicas.

Assim, mesmo com esforços, muitos deparam com problemas para construir um relacionamento com os instrumentos, pois as evoluções sobrevêm em tempo real e o cérebro, cujas ações obedecem ao ritmo de botões e válvulas, não acompanha as mutações incitadas pela touchscreen.

A situação não balanceia, mesmo com ações daqueles que aceleram os passos para não perder o contato com o novo e exploram a tecnologia, os chamados sábios digitais… Fatores que germinam conflitos no espaço escolar, uma vez que o choque de gerações, que sempre foi empecilho — por não falarem a mesma língua —, se intensifica mais e mais na era digital, porque o cérebro dos nativos digitais — educandos — se desenvolve no ritmo dos avanços tecnológicos, ao passo que o imigrante digital — educador — contrasta, emperra… Não cede, e a aprendizagem não sobrevém.

Como o cérebro do nativo digital granjeia faculdades que propiciam novas habilidades, a guerra está declarada. O diferencial é quando esse mediador avança ao ponto de chegar ao patamar de sábio digital, cuja sabedoria o conduz por veredas sedutoras, harmoniza uma aprendizagem homogênea à base de conteúdos atraentes, por adotar como ferramenta pedagógica a tecnologia.

Assim, suas aulas tornam-se atraentes, pois os conteúdos da disciplina atingem as metas na construção do conhecimento. Conhecimento que impele além do desenvolvimento de capacidades cognitivas inatas… Promove o desenvolvimento humano por inserir nos conteúdos a essência que proporciona a cidadania digital

“Assim, a tecnologia germina um novo pensar e, consequentemente, um novo olhar, um novo agir… Exigindo que a educação repense, reanalise, reconstrua.”

É a partir dessa convergência que a sala de aula se divide, pois os conflitos das gerações intensificam; geração Z é coisa do século anterior, a onda é geração C, a marca é MILLENNIALS, a identidade é EVOLUIR… Tão inovador que não consegue agir, pensar se não estiver conectado.

A geração C nasce diferente? Não! O contato com a tecnologia é desde o ventre. Mal chega e é recepcionada por parafernálias tecnológicas, cresce em ambientes automatizados… Assim, a tecnologia germina um novo pensar e, consequentemente, um novo olhar, um novo agir… Exigindo que a educação repense, reanalise, reconstrua para formar uma geração que nasceu, cresceu e enveredou pelos portões da escola sob as influências da interne

A geração está atenta às evoluções. De tão peculiar, não rotula nem estabelece faixa etária… Para receber a marca dessa nomenclatura, é preciso ter o novo como propósito… Ser adepto da conexão… Conectar com o outro, conectar com o grupo… Com o mundo.

Para se relacionar com essa geração, não é necessário ser um nativo digital, tampouco alfabetizado para compreender a cartilha do internetês, disseminar memes… Basta acompanhar, de preferência, as zoações disseminadas em mensagens… Mensagens que devem ser analisadas, para que conteúdos com essências interessantes abarquem e bifurquem olhares.

O repto? Como convencer a geração “zapear”, que não conhece outra realidade sem computadores, smartphones, internet, iPods, Netflix, de que é preciso desconectar para experimentar pisar o chão, notar o próximo… Sentir a natureza?

Diálogo? Qual é o papo com essas crianças, adolescentes e jovens? O vocabulário deve, no mínimo, dominar o manual digital básico, cujos emojis… Memes… atraiam olhares… Pois “mico” é uma espécie pré-histórica que há muito entrou em extinção… O bagulho é doido… Não vacila… Todavia, como um analfabeto digital vai falar de YouTube, WhatsApp, Snapchat, Facebook, Instagram?…

A alusão é para você, educador… Você que está face a face com a geração do “clico, logo existo”… Estar na fita… são coisas do seu tempo… Vídeos, projeções de imagens… pixels, 3-D…. Música… É adotar, no mínimo, uma metodologia de ensino que amplie os horizontes dessa geração que não aceita nem lousa digital, tampouco quadro branco, livro didático e apostila como instrumento de ensino.

Evolua, maximize o olhar, faça da interatividade uma ferramenta pedagógica… Use e abuse da internet para atrair ferramentas inovadoras para a sala de aula… Do contrário, descobrirá — tarde demais — que o seu influente posto de mediador não auxilia em nada na formação daqueles que não conseguem aprender com ferramentas do século anterior.

Ou o sistema de ensino entra na onda ou adote decisões como a da França, cujo gestor, preocupado com a presteza com que o smartphone emergiu no ambiente escolar, deliberou, por meio de medidas severas, retroceder o olhar do educando para a educação, pois o alastramento — que atingiu mais de 90% dos estudantes — salientou resultados preocupantes como o vício dos alunos com eletrônicos.

Assim, chegou à sapiente ilação de que smartphone e educação não se conciliam, pois bifurcam olhares, dividem a atenção… Decidindo, terminantemente, proibir, nas dependências das escolas públicas, o uso de qualquer equipamento conectado à internet… O alvo? Apartar lazer de educação.

Tá na Disney, educador? Pi-pi-pi pó-pó-pó… Atenta… Se ficar longe do smartphone provoca um temor brutal, como reage ao voltar o olhar e não vislumbrar o smartphone? Angústia, desfalecimento? O afastamento de pessoas próximas é notado? Descontinua uma conversa, tudo que está fazendo com um simples sinal de mensagem? Qual é a atitude ao sair à rua para fazer compras e descobrir que o “queridinho” foi esquecido sobre a poltrona? Entra em pânico? É o momento de refletir sobre o uso do smartphone… Tais sinais são reflexos de que o tecnoestresse apresenta e, quando este se acerca, afeta tudo: emoções, deliberações… O próprio existir.

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