Edição 103

Em discussão

Ética nas relações escolares

Maicelma Maia Souza

sFalar sobre ética hoje parece tão fácil como abrir os olhos ao acordar. Muitas pessoas não têm em si um conceito formado sobre a palavra, mas já ouviram a expressão ou conhecem algum fato que tenha sido “antiético”. Portanto há uma certa lógica no inconsciente coletivo sobre alguma atitude que destoa da natureza humana ou, ainda, que viola o bem-estar de toda uma comunidade social.

6Tanto o homem como a mulher são seres culturais, capazes de transformar a natureza conforme suas necessidades existenciais, por meio de ações intencionais (SAVIANI, 2005; SODRÉ, 2012). Ações refletem o modo de pensar, os costumes adquiridos na interação social, os valores construídos, também, a partir dos fundamentos morais que a sociedade estabelece em suas microrrelações intersubjetivas (SCHUTZ, 2012). Desde cedo, somos instruídos a nos comportar à mesa de determinada forma; são observados o nosso modo de falar quando estamos com pessoas estranhas, o andar, o correr, o cobrir o corpo, o sorrir, o brincar… À medida que o tempo vai passando, outros valores do espaço coletivo vão se incorporando para a constituição da identidade do indivíduo (HALL, 2006), e, como estamos em meio a uma diversidade de experiências culturais, precisamos de algo que nos oriente na convivência, que nos auxilie no respeito e permita a vivência digna das pessoas na sociedade. É a ética quem vai fazer esse papel.

Cuidados na escola

Retomando a discussão inicial, quando ouvimos a expressão antiética é porque alguma coisa foi feita que privilegiou um grupo e feriu a dignidade de um outro. Podemos refletir bem essas situações no meio escolar, haja vista que a escola é um espaço de pluralidade com caráter educativo e que toma conta de boa parte de nossa vida. É na escola que acontecem as mais fortes experiências das pessoas na vida em sociedade. Paulo Freire já dizia: “Mulheres e homens, seres histórico-sociais, nos tornamos capazes de comparar, de valorar, de intervir, de escolher, de decidir, de romper, por tudo isso nos fizemos seres éticos. Só somos porque estamos sendo. Estar sendo é condição, entre nós, para ser” (FREIRE,1996, p. 36).

Não há como dissociar o ato educativo da beleza de viver o respeito, e o respeito em todos os aspectos. Pois, se se nega o ser transformador que é a professora e o professor e não se promove sua valorização profissional, se não são oferecidas à comunidade escolar estrutura e condições capazes de promover uma formação integral aos educandos(as), se se nega aos estudantes a possibilidade de aprender a partir das vivências de sua própria cultura, por conseguinte também se está negando a possibilidade de pensar os seres humanos como pessoas em contínuo processo de formação e em perfeita capacidade de intervenção social. E, ainda, se está fortalecendo uma maneira de amesquinhar a experiência educativa, transformando-a em puro treinamento técnico para o mercado capitalista.

Sob essa ótica, as pessoas que convivem no ambiente escolar acabam por entrar em choque, pois se deparam com uma incoerente e agressiva forma de ensinar e aprender. Ninguém quer ser ignorado em seus sonhos ou em sua maneira de viver. Portanto cabe à escola construir gradativamente alternativas para que a ética seja uma verdade entre as relações nela existentes. Cabe aos atores educacionais lutar para que a dignidade e o respeito sejam os princípios de todo e qualquer ato educativo, desde o sistema de Educação ao trabalho pedagógico em sala de aula. Em meio a tantas contradições da sociedade dita pós-moderna, é preciso resgatar a ética do cuidado, como afirma Boff (1999): “O cuidado é, na verdade, o suporte real da criatividade, da liberdade e da inteligência. No cuidado se encontra ethos (ética) fundamental do humano. Quer dizer, no cuidado identificamos os princípios, os valores e as atitudes que fazem parte da vida um bem viver e das ações um reto agir.”

Maicelma Maia Souza, pedagoga, especialista em Psicopedagogia Institucional e Clínica, Mestra em Educação, professora de Currículo e Didática da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia – Centro de Formação de Professores – Amargosa-BA.

Referências

BOFF, Leonardo. Saber Cuidar: Ética do Humano – Compaixão pela Terra. Petrópolis: Vozes, 1999.

FREIRE, Paulo. Pedagogia de Autonomias: Saberes Necessários à Prática Educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

HALL, Stuart. A Identidade Cultural na Pós-modernidade. Tradução: Tomaz Tadeu da Silva, Guacira Lopes Louro. Rio de janeiro: DP&A, 2006.

SCHUTZ, A. Sobre Fenomenologia e Relações Sociais. Edição e organização: Helmut T. R. Wagner; tradução de Raquel Weiss. Petrópolis: Vozes, 2012.

SODRÉ, Muniz. Reinventando a Educação: Diversidade, Descolonização e Redes. Petrópolis: Vozes, 2012.

cubos