Edição 91

Espaço pedagógico

Desafios da escola integral: ensino eficaz e diversificado

Simone da Silva Viana

9A discussão sobre educação integral está cada vez mais presente nas escolas brasileiras, inserida tanto nos projetos políticos de governos como em iniciativas propostas por entidades da sociedade civil. Os conceitos e as práticas desse modelo educacional ganharam mais força no debate pela melhoria da qualidade do ensino no País. No Brasil, a organização da escola em tempo integral ainda é pouco conhecida e pouco entendida pelas pessoas envolvidas no processo, como pais, alunos e professores. As questões que envolvem a sua implantação no cotidiano da escola oportunizam debates e reflexões de conceitos como as dimensões afetivas, artísticas e espirituais; os valores; a saúde; e o corpo, tornando-se um grande desafio trabalhar a ressignificação das ações pedagógicas com conteúdo escolar e curricular, que só poderá ser significativo se dialogar com os interesses do grupo, seus conhecimentos prévios, seus valores, sua cultura regional e seu cotidiano. Alguns desses aspectos ou manifestações não são valorizados pelas pessoas das respectivas regiões. O reconhecimento por algo onde se está inserido, onde se convive a maior parte do tempo, é atribuído com a devida importância e significado de identidade.

Na educação integral, ter mais tempo exige ter mais planejamento pedagógico para aproveitar de forma mais transversal esse tempo, de forma mais conectada; e o diálogo com a realidade do aluno deve ser uma preocupação nas escolas que adotam esse modelo. Só faz sentido pensar na ampliação da jornada escolar, ou seja, na implantação de escolas de tempo integral, se considerarmos que o horário expandido representa uma ampliação de oportunidades e situações que promovem aprendizagens significativas e emancipadoras. A questão é problemática no atual cenário político em que vivemos, pois será preciso muito investimento nas estruturas física, pessoal e didática das instituições escolares, principalmente públicas, para serem alcançados resultados positivos no modelo proposto.

Aprendizagem significativa é o conceito central da teoria da aprendizagem de David Ausubel. Segundo Marco Antônio Moreira, “A aprendizagem significativa é um processo por meio do qual uma nova informação relaciona-se, de maneira substantiva (não literal) e não arbitrária a um aspecto relevante da estrutura de conhecimento do indivíduo”.

O Documento Final da Conferência Nacional de Educação (Conae), realizada no período de 28 de março a 1º de abril de 2010, já se preocupava em articular uma mobilização social em prol da educação e se inspirava, dentre outros, em princípios que devem propiciar condições para que políticas educacionais promovam: o direito do aluno à formação integral com qualidade; o reconhecimento e a valorização à diversidade; a definição de parâmetros e diretrizes para a qualificação dos profissionais; o estabelecimento de condições salariais e profissionais adequadas para o trabalho dos docentes e funcionários; a educação inclusiva; a gestão democrática e o desenvolvimento social; o regime de colaboração, de forma articulada, em todo o País; o financiamento, o acompanhamento e o controle social da educação; e a instituição de uma política nacional de avaliação. A Conae foi criada para desenvolver uma maneira em que todos possam participar do desenvolvimento da Educação Nacional. Possui caráter deliberativo e apresentará um conjunto de propostas que subsidiará a implementação do Plano Nacional de Educação (PNE). As conferências nacionais de educação são coordenadas pelo Fórum Nacional de Educação.

A Conae é precedida por etapas preparatórias, com o objetivo de garantir a participação da sociedade nas discussões pertinentes à melhoria da educação nacional, com espaços de discussão abertos à colaboração de profissionais da educação, gestores educacionais, estudantes, pais, entidades sindicais, científicas, movimentos sociais e conselhos de educação, entre outros.

A preocupação com a educação integral como direito de todos tem sido foco de constantes debates, seja na formulação de ideias, na formação acadêmica ou na elaboração de um currículo que se preocupe com as diferenças sociais e necessidades especiais, com base no preceito constitucional da igualdade de condições para acesso e permanência na escola. É através da construção da proposta pedagógica da escola que a Base Nacional Comum e a Parte Diversificada se integram. Não se trata apenas de um simples aumento do que já é ofertado, e sim de um aumento quantitativo e qualitativo.

[…] É necessário que a “educação escolar” seja eficaz, isto é, ensine o que se proponha a ensinar e ensine bem; ensine o que o indivíduo precisa aprender e mais: seja devidamente distribuída, isto é, que ensine às pessoas algo suficientemente diversificado (TEIXEIRA, Anísio. Coleção Educadores. MEC. Recife: Massangana, 2010, p. 103).

Tornando-se importante a discussão sobre a proposta de uma educação voltada para a cidadania que articula comunidade e escola em seu projeto pedagógico e organização curricular, principalmente no que tange à escola de tempo integral.

A proposta de uma escola em tempo integral nos remete a questões fundamentais como: a forma de gestão da escola e do tempo; a necessidade de reorganização do currículo, do planejamento e das atividades didáticas; a possibilidade da formação integral dos alunos, assegurando ganhos que possibilitem aprendizagem em todos os aspectos do desenvolvimento, facilitando o acesso a patamares mais dignos da cidadania, promovendo a melhoria da qualidade de vida das crianças e dos adolescentes, contribuindo na formação intelectual dos alunos e no fortalecimento de sua identidade social, possibilitando conhecer e reconhecer o espaço onde vivem e pertencer e se apropriar do mesmo no decorrer da sua história, promovendo a troca de significados e vivências, criando-se uma cumplicidade entre o ser social e cultural. Na educação brasileira, esse crescimento do processo de aprendizagem eficaz e diversificado é alcançado com sucesso quando ocorre de fato uma atitude pública eficaz e eficiente em seu objetivo de melhorar a qualidade do ensino e
das escolas.

A educação de tempo integral é uma alternativa pedagogicamente valorizada, mas existem ainda muitos entraves à sua implantação. É necessário criar condições de trabalho para o professor, dar autonomia e recursos para as escolas e diminuir o número de alunos por sala de aula. O que temos hoje como educação integral nas escolas não é uma formação cultural e pessoal ampla, conforme consta na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, mas um treinamento técnico, mercantilizado e por vezes reduzido a reforço escolar. É necessária uma educação integral de qualidade na rede pública de ensino. Percebe-se que, no cenário das escolas particulares que têm optado por este modelo de ensino, os resultados obtidos são eficazes em relação à rede pública de ensino.

Simone da Silva Viana é professora na rede pública de ensino e na Universidade Estácio de Sá.

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