Edição 88
A fala do mestre
DISTÚRBIO DO PROCESSAMENTO AUDITIVO CENTRAL
TDAH, TOC, TAG… DPAC… A definição de cada sigla exprime transtornos e distúrbios que eliminam, interrompem os sonhos dos alunos, exclusivamente no espaço escolar, demandando cuidados constantes de pais, professores e especialistas.
A fim de chegar a um denominador para aclarar mentes, é indispensável um mergulho na própria massa cinzenta para avaliar a estrutura humana e, dessa forma, balancear sua capacidade no processo de aquisição da aprendizagem. Absorver códigos e decodificá-los é imperioso na integração dos mecanismos humanos para transformar esses subsídios em conhecimento.
Assim como o sistema digestivo tem as suas etapas, o mesmo ocorre com a aprendizagem, pois está atrelada ao funcionamento de uma cadeia de sistemas: mentais, neurológicos, auditivos… Estudos neurocientíficos apontam três: a psicodinâmica, que gerencia o psicoemocional, harmonizando a aprendizagem por meio das absorções psíquicas; o Sistema Nervoso Periférico, que age como um radar, auxiliando os receptores sensoriais, ajustando a aprendizagem por meio das informações dos sentidos — audição e visão; e o Sistema Nervoso Central, um potente HD, que armazena, registra e processa as informações.
Nesse processo, com a harmonia das engrenagens da mente humana, que opera em alta rotatividade para atingir os seus limites, há uma simultaneidade perfeita de ações, sincronizando os estímulos para a área auditiva secundária, para que os sons captados sejam processados e, no instante seguinte, reconhecidos, traduzidos, para que sejam atribuídas definições ao que ouvimos.
Esses propósitos são atingidos ao se convergirem no território dos lobos occipitais, temporais e parietais, no chamado Campo de Wernicke, cognominado Área de Broca, que é a região do cérebro encarregada pela expressão da linguagem, o administrador dos programas motores da linguagem.
As áreas temporais e occipitais formam a teia que interliga as áreas motoras do lobo frontal — centradas na terceira circunvolução frontal —, incumbido de juntar as palavras. Esse ponto — circunvolução frontal ascendente — é responsável pela expressão da grafia.
Se até aqui o cérebro não deu um nó, temos condições para prosseguir no encalço do alvo, abordar o DPAC e seus empecilhos no processo de aprendizagem. Para que, entre buscas, fracassos e retrocessos, encontremos respostas dos porquês de o aluno X ter suporte, aporte, vigilância individualizada e não se desenvolver nos estudos.
Aprofundar-se em pesquisas que conduzam ao ponto exigirá testes, experimentos… até abordar o marco que origina a cadência de barreiras, como a fraqueza prosódica, onde o indivíduo enfrenta reptos, como ostentar o ritmo da fala, pois as habilidades verbais sobrepujam as não verbais, o que pode originar a ausência do traquejo social.
Chegar à fraca coerência é tão somente o passo seguinte. Os ruídos à sua volta, excepcionalmente os do fundo, podem provocar a desintegração do indivíduo com o meio, uma vez que há dificuldades para que obedeça as instruções verbais, o que obstruirá a fluência da leitura e da escrita.
Finalmente, vem o passo definitivo, a fraqueza associativa, que é a martelada do Supremo Tribunal dos Distúrbios (STD). Há os que são alvejados por flechadas certeiras, que provocam as deficiências associativas e obstruem a liberdade de expressão, pois a sentença caracteriza problemas na linguagem receptiva.
Ultrapassar essas barreiras para proporcionar equilíbrio às vítimas decretará à ciência estudos aprofundados, para, assim, delinear tratamentos progressivos para que o professor tenha uma noção de que a não aprendizagem, muitas vezes, pode não ser aquele “desligamento automático” da idade, hiperativismo ou, muito menos, desinteresse, desatino… Essa desintegração entre ensino e aprendizagem, que deixa muitos “ouvindo e não escutando”, é, exatamente, o Distúrbio do Processamento Auditivo Central (DPAC).
O que é isso?
O DPAC, um distúrbio descoberto há menos de uma década, pela Associação Americana da Fala, Linguagem e Audição, é responsável pelas subversões de sons — como a linguagem falada —, e alguns pontos que o originam já foram demarcados: além daqueles com herança genética, habitantes dos grandes centros urbanos, cujos ruídos suplantam os decibéis toleráveis, são propícios ao DPAC, uma vez que diagnósticos assinalam que 20% da população é afetada e 7% desta são crianças em idade escolar.
Para se identificar o DPCA, são necessários exames e laudos detalhados para se conjecturar o que gerou a falha na habilidade auditiva. Se foi decorrente de distúrbio, atraso da maturação do Sistema Nervoso Central, lesões neurológicas e otológicas ou se teve origem genética. Outro fator que gera o distúrbio é o ambiente familiar. Gritos, aparelhos de som, televisão em alto volume podem ser canais para a germinação da semente do DPAC.
Todavia, tornou-se comum crianças passarem horas, dias inteiros com o fone de ouvido no celular ou no computador, por se tornarem dependentes dos jogos eletrônicos, do bate-papo nas redes sociais. Os números são um alerta; a ausência de informações pode induzir a erros pelo fato de o DPAC, em muitos diagnósticos, ser confundido com deficiência mental, distúrbio de atenção, ausência de inteligência e até mesmo hiperatividade.
Para obter referências a fim de entender o distúrbio, é imprescindível uma nova viagem ao Sistema Nervoso Central, para apreender até que ponto a deficiência neurológica afeta a compreensão das informações recebidas pelo cérebro e, assim, encontrar respostas para um questionamento que, na maioria das vezes, não recebe retorno convincente: Por que a vítima do DPAC ouve normalmente e não entende o que escutou?
É um desafio para a ciência. Ouvir e não apreender lança os afetados pelo distúrbio num estúdio de sons ensurdecedores — onde simples ruídos, como os do ar-condicionado, podem impacientar, gerar desatinos — que os deixam atordoados. Traduzir o que escuta, interagir numa conversa, absorver as explicações do professor exigem atenção e esforço máximo. Pelo fato de a deficiência o deixar desorientado pelos ruídos, uma vez que não consegue identificar a procedência do som, esbarra na dificuldade de corresponder a comandos, pois cadências, dicções, ênfases dão origem a redemoinhos na cabeça: a concentração é o grande repto.
É a partir desse ponto que se içam as barreiras que dificultam a aprendizagem no ambiente escolar, pois a deficiência neurológica obstrui a compreensão das informações, ou seja, as vítimas não dominam competências para coordenar fala com leitura, escrita e linguagem.
As ações do DPAC são de tamanha eficácia que impedem o processamento das informações captadas pelos canais auditivos, porque a vítima ouve com nitidez a fala, os sons à sua volta, todavia não os decifra e tampouco compreende a missiva escutada.
Para entendermos as dimensões das consequências, é preciso estacionarmos no ponto de convergência para vislumbrar que o DPAC é o transtorno do sistema nervoso que provoca desordens no processamento auditivo central e, se não for diagnosticado a tempo, pode conduzir a vítima à perda auditiva.
Afinal, de quem é a culpa?
Para o humano, a coisa mais simples é pôr o dedo em riste e professar: “A responsabilidade é sua!”. No caso do DPAC, o primeiro responsável é o ouvido: frágil, sensível, indefeso… exposto a todos os tipos de agressão… Todavia, não desliga, pois não pode deixar de ouvir o que não lhe interessa alto e bom som… De tão vigilante, submete-se a esforços desumanos para capturar o mais sutil ruído à sua volta, receptar o que não deve, como alergia disseminada pela poluição urbana — onde mucos se alojam detrás dos tímpanos. De tão sensível, até mesmo a posição em que o indivíduo usou a mamadeira — se deitado, pode fluir leite para os tímpanos — ocasionará o problema, alertando aos pais que, no processo de amamentação e até os 7 anos — período em que se desenvolve a parte auditiva do tronco cerebral —, deve-se ter atenção redobrada.
O que temos de sólido é que os efeitos despontam no espaço escolar como barreiras intransponíveis: dificuldades para absorver os conteúdos aplicados, o que resulta em lapsos provocados pela confusão de sons do ambiente da sala, que se tornam desconexos, embaralham a cabeça da vítima, que não consegue sintonizar, e o resultado final é baixo ou, nos casos mais críticos, nenhum rendimento.
A partir desse estágio, não adianta bombardear o professor pelo baixo desempenho do filho na escola, uma vez que a má-formação da audição afeta os neurônios do tronco cerebral, que não se conectam, fazendo com que sons comuns, como os ruídos de um brinquedo caindo, impacientem, por se tornarem insuportáveis… Na sala de aula, os rumores externos furtam a concentração, e exercícios tornam-se tarefas impossíveis de serem executadas, a ponto de, na maioria dos casos, o professor se irritar por achar que é provocação.
Os episódios dos que repudiam a escola por se tornarem vítimas de bullying são chocantes. Assim como os médicos têm dificuldades de identificar os sintomas para redirecionar as vítimas para o tratamento correto, o professor, mesmo com auxílio técnico, perde-se nos caminhos do ensinar, porque a dificuldade de concentração dos portadores é tão grande que tarefas simples não são desempenhadas.
As vítimas que resistem à exclusão são detectadas de longe: pelo medo, pela insegurança. A cabeça funciona como a de um zumbi, elevando a dificuldade de interagir, pois a simples ação de falar ao celular se torna um martírio, e, como não se concentram, não localizam os ruídos à sua volta. “Oi!” soa como “Tchau!”. Os ruídos dos automóveis, vozes embaralhadas, sons comuns — como os do ventilador —, uma música se transformam em ruídos infernais a ponto de provocarem dores de cabeça. Sem norte, o isolamento se torna uma válvula de escape; o afastamento de colegas é notável, pelo fato de o distúrbio afetar a fala, o que impede de se envolver em diálogos.
O desafio das vítmas
Por ser uma deficiência física que atinge o ponto do cérebro que processa os estímulos auditivos, o maior desafio das vítimas é se comunicar verbalmente. A compreensão, de tão abstrusa, confunde especialistas, que emitem laudos errôneos, pois os sinais emanam em circunstâncias intrínsecas, nas quais os problemas de discernimento auditivo bloqueiam o entendimento, gerando uma sequência de… “O quê?”, “Hã?”, “Repete, por favor!”. Se não houver subsídios com especialistas para contornarem o distúrbio, ouvirão como resposta: “Burro!”, “Surdo!”, “Desatento!”, “Mal-educado!”.
Se não incidir o alvo por meio de um diagnóstico precoce, a cadência de fracassos terá início na alfabetização, pois uma das características do distúrbio são desordens de sons, o que dificulta a decodificação de letras e, sem esse procedimento, ler e escrever tornar-se-ão processos complexos.
Desafios da escola
Se para especialistas é difícil compreender, para a equipe técnica da escola auxiliar o educador a decifrar o porquê do ouvir e não entender do seu aluno instiga uma busca além dos muros; numa turma, depara-se com uma pitada de tudo que obstrui a aprendizagem, a iniciar pela irresponsabilidade da família, pelo desinteresse da criança pelos estudos e, daí, uma longa classificação: artimanhas, preguiça, distração, retardamento… Seguir essa lista para chegar ao DPAC provoca transtorno no próprio professor, que terá que interromper o seu trabalho para fazer a anamnese de cada aluno desde a infância e recorrer a especialistas para perceber o que é genético ou oriundo do ambiente social. Nessas buscas, corre o risco de regressar de mãos vazias, de certamente encarar uma classe de indivíduos onde uns estão com os pés na sala e a cabeça na lua e quase todos perdidos à procura da procedência das vozes que ecoam à sua volta.
Para encontrar uma linha de ação que promova a inclusão, é preciso montar um exército à base de psicólogos, psicopedagogos, neurologistas, otorrinolaringologistas, otoneurologistas num sistema que falta apoio à ferramenta essencial: o professor.
Desafios do educador
Em meio aos transtornos, uma pergunta ressoa, difundida por gestores e educadores: “O que tenho a ver com o surgimento do DPAC?”. Muito! Escola é um estúdio cuja acústica permite que ruídos acima do admissível retinem. Pelo fato de ser local de convivência e sala de aula, ponto de encontro de gerações que gritam para serem ouvidas, entendidas, atenuar o volume pode ser um antídoto para impedir o surgimento do distúrbio.
O primeiro grande desafio do educador é conhecer o distúrbio. Em alguns casos, a família o ignora pelo fato de o sistema auditivo periférico — tímpano, cóclea e nervos auditivos — encontrar-se resguardado, não caracterizando a terminologia de surdez central, que ordena atenção, acompanhamento. Ao contrário da perda auditiva — condutiva e neurossensorial —, o Distúrbio de Processamento Auditivo Central, também cognominado de Transtorno do Processamento Auditivo ou Disfunção Auditiva Central, atinge em cheio o processo de aprendizagem.
Parece ficção científica, mas não é! Basta uma simples “estacionada” para um cafezinho na sala dos professores para se ouvirem histórias de outro mundo, como a de Joãozinho, de 13 anos, que não conseguiu passar de ciclo nem com aquele empurrãozinho.
O primeiro grande desafio do educador é conhecer o distúrbio
Preocupada, a mãe decidiu transferi-lo de escola, pois os exames de todos os transtornos que psicólogos, neurologistas e psicopedagogos listavam (TDAH, transtorno bipolar, dislexia…) davam negativos. Nada… Na nova escola, os mesmos problemas: baixo rendimento, reclamações… Reprovação… Foi então que a nova professora — que também era psicopedagoga —, de tanto ouvir os lamentos da mãe, decidiu acompanhar o aluno de perto.
Era uma sexta-feira, revistava, um a um, todos os cadernos e ficava encucada: os deveres extraclasse de Joãozinho vinham corretos; já os da classe, apenas acertava os que copiava do quadro.
Após contemplar o aluno dias a fio, fazer pesquisas, consultar especialistas, acercou-se da carteira e sorriu para o adolescente:
— Quanto são dois mais dois?
— Hã?
— Quanto são três vezes dois?
— Não entendi!
“Meu Deus!”, a professora pensou, levando ambas as mãos na fronte. Devia ter cursado Psiquiatria, Psicologia, Neurologia… Jamais Pedagogia para sobreviver numa sociedade infestada de distúrbios!
Nos dias seguintes, depois de novas pesquisas, esquadrinhou respostas na internet e passou a monitorar o aluno com atenção duplicada. Chamava-o no fundo da sala, e ele voltava o olhar para a frente; chamava-o à direita, e ele girava a cabeça para a esquerda à procura do som.
Preocupada, convidou os pais para uma conversa e os aconselhou a procurar outro profissional. Estes, num único disparo, acertaram o alvo, e o fonoaudiólogo indicou uma lista de especialistas… Uma nova corrida… Consultas com neurologista, otorrinolaringologista, otoneurologista… Baterias e mais baterias de exames, uma série de entrevistas detalhadas, cadências de exames para avaliações da audição central, da mente e do processamento dos sons… Finalmente, uma ressonância magnética funcional no cérebro identificou o enigma e induziu a origem: complicações na gestação, a mãe havia contraído sífilis, toxoplasmose e rubéola nos primeiros 6 meses… A doença neurodegenerativa afetou as áreas auditivas do córtex cerebral… Joãozinho era portador do DPAC.
Todavia, a resposta chegou tardiamente — após 2 anos —, e os especialistas explanaram que, quando o tratamento ocorre depois do processo de alfabetização, além de reduzir as chances de reverter o quadro, gera transtornos psicológicos, pelo fato de o indivíduo não conseguir acompanhar o ciclo dos colegas. E o caso de Joãozinho ainda se agravou, pois já era vítima de outro transtorno, o depressivo, provocado pelo bullying. A perseguição foi tamanha que colegas e até funcionários não sabiam o seu nome: era chamado, em toda a escola, de “radar desnorteado”.
Após idas e vindas a especialistas, a mãe de Joãozinho entendeu que as vítimas do DPAC são afetadas, principalmente, com a redução da capacidade de entendimento e encontrou a resposta para as baixas notas — provocadas pelas dificuldades de leitura, escrita, compreensão de textos — e as reprovações… Entretanto, era tarde demais. O filho, transtornado pelo bullying, desistiu dos estudos.
O espaço escolar, palco do exercício da cidadania, deve ampliar os horizontes da aprendizagem, com a exploração da fertilidade da criança, para que aprenda por meio do exercício da dicção e, assim, possa expandir a memória auditiva. Esse passo agenciará a superação do humano por meio da educação.