Edição 72
Professor Construir
E como fica o professor?
Celso Antunes
Com outubro, implanta-se definitivamente a primavera, anunciam-se dias escaldantes do verão e comemora-se o Dia do Professor. Não é simples coincidência que integra esses eventos: o Dia do Professor, que simboliza a data da morte de Freinet, mais que afirmação da primavera, escalda-se em intenso verão. Explica-se.
A primavera é por essência a estação do nascer, do criar, do inventar, do reproduzir. É a ocasião que a natureza escolhe para o perpétuo renascer, e não há ação profissional que a esse ciclo biológico mais se identifique. O que é, afinal, lecionar se não criar, propor, desafiar, plantar? Existe, por acaso, algum professor que não seja um agricultor de amanhãs? Mas, se outubro consolida a primavera, que em setembro começou, esse mês também traz as noites quentes dos trópicos, não poucas vezes molhadas por aguaceiros colossais. E não é, por acaso, a vida do mestre um perpétuo verão?
Verão, pelo calor do desafio de ensinar apesar dos pesares; de enfrentar a classe ainda com paixão, apesar do salário; de buscar plantios, mesmo que com o risco de vê-los cobertos pelas tempestades das indiferenças, pelos temporais da omissão. E, se o ensinar é desafiar os rigores do verão, ainda mais o é agora, quando desaba sobre todos nós a certeza da corrupção, o ícone da mentira, a política, que, mais que revoltar, nos envergonha e nos humilha. Não há professor sincero, ao assistir essa calamidade, que não se pergunte: “Onde será que errei?”. Valeu a pena plantar amanhãs para essa vergonha se colher?
Mas, assim como toda culpa traz sempre o perdão, é importante que a vergonha que nos enxovalha sirva para que pensemos. Se tudo quanto se buscou fazer antes de nada adiantou, se a ética pela qual sempre se brigou foi suplantada pelo desvario da prepotência e da facilidade da corrupção, outros motivos ainda tornam essencial reinventar e outra vez plantar. É no desafio que se constrói a esperança, é quando todos desanimam que é ainda mais essencial prosseguir. Se, neste cenário de desatinos políticos, no qual se incendeiam escandalosas transações, o professor calar, quem, meu Deus, falará?
É por isso que é importante saudar o professor em seu dia. Se toda coragem parece que se apaga e se se acredita que é mais fácil nos habituarmos com isso tudo que aí está, alienando-nos dos fatos e acomodando-nos à vergonha, resta ao menos a voz do mestre em seu insólito protesto.
Que em seu mês falem os professores, ainda que muito poucos os ouçam…
Revista Abc Educatio. São Paulo: Criarp. Ano 6. N. 50. Outubro/2005