Edição 61

Ambiente-se

É hora de pensar e mapear

Vanúzia Brito Lima

Aula de Campo – Um aporte para o ensino da Geografia na cidade de Sobral (CE): uma contribuição para a educação moderna

Aula de campo é uma das modalidades do trabalho de campo e se configura como um dos recursos metodológicos de ensino-aprendizagem que vem sendo revalorizado no ensino da Geografia escolar para despertar o maior interesse dos alunos pela aprendizagem em especial.

Portanto, destacamos a relevância da preparação e contextualização das aulas de campo para que possamos propiciar aos alunos produtividade e apreço pelo estudo do seu lugar de vivência, compreendendo as contradições socioespaciais existentes. Daí o emprego da observação empírica no decorrer do percurso da aula em campo, permitindo um olhar especial sobre os elementos da paisagem — fundamentados numa teorização prévia — dando autonomia para a produção do conhecimento (in loco) e despertando o senso crítico e investigativo dos alunos. É nessa perspectiva que as aulas de campo se inserem na educação moderna.

Além do tratamento didático-pedagógico, outros valores de grande importância são acrescidos, como: cooperação nas realizações do trabalho em equipe; o gosto pelo estudo e pela investigação pessoal; o desenvolvimento da sociabilidade e fraternidade, melhorando a relação professor-aluno e aluno-aluno.

Caracterização geográfica da área em estudo na região norte do Ceará:

Sobral localiza-se na porção noroeste do Estado do Ceará e dista 230 km de Fortaleza, tendo como principal via de acesso a BR–222. (ver mapa). Está situado entre as coordenadas geográficas de 3° 41’ 10” de latitude sul do Equador e a 40° 20’ 59” de longitude oeste de Greenwich.

A cidade se apresenta como um “laboratório a céu aberto” a ser explorado nas aulas de campo no processo de ensino-aprendizagem da Geografia. Nela, as paisagens humanizadas revelam as transformações que a sociedade imprimiu na natureza ao longo do tempo, revelando verdadeiros contrastes socioespaciais em meio aos fatores físicos marcantes do sertão semiárido nordestino.

A Serra da Meruoca e o Vale do Acaraú são seus principais condicionantes hidrotérmicos, apresentando um clima quente e seco (com médias térmicas variando entre 27 °C e 28 °C) e um regime pluviométrico de 800 mm/ano, com duas estações bem definidas (uma seca e outra chuvosa); e revestidos pela vegetação de caatinga (espécie xerófita), em destaque a presença de carnaúbas — bioindicador de água, registrando a influência dos índices de umidade do Rio Acaraú, que recorta a cidade e desemboca no Oceano Atlântico.

De porte médio, com uma população de 181.010 habitantes (IBGE – 2010), é tida como uma das cidades mais importantes do interior do Estado, por ser um polo econômico que influencia cerca de cinquenta municípios da região norte. Os aspectos da Geografia na cidade são, sem sombra de dúvida, elementos instigantes para as aulas de campo no ensino da Geografia e um convite para um trabalho interdisciplinar envolvendo as demais áreas do conhecimento.

A seguir, apresentamos alguns recortes da paisagem para o trabalho de campo sob forma de aula de campo na cidade de Sobral (CE) como propostas desenvolvidas para aplicabilidade prática no intuito de associar uma breve reflexão sobre o papel da aula de campo no ensino de Geografia a um exercício prático em qualquer espaço de vivência. O professor em sua autonomia poderá ordená-los como assim desejar.

Primeiro recorte: Margem esquerda do Rio Acaraú (área urbana).

O professor deverá apresentar aos alunos os objetivos da aula de campo, ressaltando a sua relevância para o conhecimento construído a partir do meio de vivência dos estudantes. De início, deverá solicitar uma pesquisa sobre a evolução da cidade e a montagem de um acervo de fotos antigas e informações que retratem a formação e a expansão da cidade.

Na margem esquerda do Rio Acaraú, ao dar início à aula de campo, o professor pedirá aos alunos que façam uma breve leitura da paisagem, destacando a relação homem-natureza, os contrastes socioespaciais existentes, a importância da água para a manutenção da vida; levando os alunos a imaginarem como era esse trecho da cidade no passado — início da ocupação e por que a mesma surgiu a partir do rio; e convidando-os a sentirem a temperatura local e compará-la com a de outras partes da cidade (ver foto a seguir).

Em seguida, solicitará aos alunos que comentem algumas das suas observações e registros in loco para instigar o olhar atento durante a atividade. Porém, o professor não deverá emitir juízo de valor sobre eles.

Outra sugestão a ser tomada posteriormente é convidar uma pessoa da terceira idade (dotada de conhecimento histórico vivenciado) e/ou parentes de uma família que tenham registros de épocas da área estudada. Concluída essa etapa, o professor poderá orientar os alunos para o fechamento da parte teórica com uma pesquisa via internet, jornais locais e outras fontes que discutem a cidade no presente.

Avaliação: Participação e engajamento nas atividades propostas; observações e questionamentos; anotações de cunho pessoal sob forma de relatório; apresentação e/ou exposição e debate.

Possibilidades para o trabalho interdisciplinar com: História, Ciências, Língua Portuguesa e Artes.

Segundo recorte: Bairro do Junco e sopé da Serra da Meruoca.

O professor deve reforçar continuamente os objetivos da aula de campo e averiguar com os alunos os seus conhecimentos sobre esse trajeto. Quando em sala de aula, formará grupos e solicitará uma entrevista com alguns agentes imobiliários da cidade para identificar quais os bairros que mais cresceram, quais os terrenos mais valorizados e quais os critérios para aquisição da casa própria. Os resultados dessa pesquisa subsidiarão as observações de campo.

Ao parar na Lagoa do Javam, no Bairro do Junco – algumas observações podem ser feitas pelos alunos, como a presença da carnaúba nas proximidades da lagoa como um bioindicador da degradação ambiental, a especulação imobiliária que a área vem sofrendo recentemente, o conforto ambiental e a qualidade de vida das pessoas que moram nas proximidades da lagoa – área semiperiférica – (ver foto a seguir).

No sopé da Serra da Meruoca (a partir da Ermida São José), o professor deverá solicitar a leitura da paisagem sob várias direções da vista panorâmica da cidade e, em seguida, convidar os alunos para exporem as suas observações.

Ao concluírem, o professor deverá ficar atento para acrescentar, se necessário, as suas considerações, como as práticas de “antecipação espacial” (infraestrutura: água, energia e calçamento) para venda de lotes em áreas que estão sofrendo intensa especulação imobiliária; as interferências no curso da natureza, como de lagoas e cursos de água para a construção de residências nessas áreas; as políticas de habitação para a construção dos conjuntos habitacionais e das casas populares aliadas ao comprometimento dos condicionantes hidrotérmicos da encosta da Serra da Meruoca para o clima urbano.

Avaliação: Participação e engajamento nas atividades; observação e questionamentos; anotações sob forma de relatório; apresentação, debate e/ou exposição.

Possibilidades para o trabalho interdisciplinar com: História, Ciências, Língua Portuguesa e Artes.

Terceiro recorte: Bairro Alto do Cristo (semiperiferia).

Destacados os objetivos da aula de campo, o professor deverá, a partir do bairro Alto do Cristo, com uma vista panorâmica desse recorte urbano, solicitar aos alunos que façam uma leitura da paisagem a partir das várias direções geográficas, percebendo os elementos (naturais/sociais) que os diferenciam no contexto socioespacial.

Do “alto”, é possível perceber as unidades do relevo (depressão bordejada pela serra), sob a qual se assenta a cidade de Sobral, e associá-las às condições climáticas da cidade; observar os cursos de água, dentre eles o Rio Acaraú e a vegetação; e provocar indagações sobre o crescimento da cidade: como está a relação sociedade-natureza na área urbana? E ainda: pedir aos alunos que observem a imponência das indústrias e das igrejas, o traçado das ferrovias e das rodovias e o processo de verticalização no centro da cidade e de horizontalidade com a expansão das periferias.

Avaliação: Participação e engajamento nas atividades; observações e questionamentos; debates sobre o conteúdo trabalhado; relatórios; apresentações do que foi observado, sob forma de redações, fotos, mapas mentais e croquis.

Possibilidades para o trabalho interdisciplinar com: História, Ciências, Língua Portuguesa
e Artes.

Quarto recorte: Bairro – Centro (na Estação da Companhia Ferroviária do Nordeste (CFN), ex-RFFSA (Rede Ferroviária Federal S.A.).

O professor deve deixar claros os objetivos da aula de campo. Portanto, ainda em sala de aula, iniciará a proposta solicitando aos alunos que façam uma pesquisa sobre as ferrovias e a política de privatização adotada no Brasil.

No local, orientá-los a observar os aspectos marcantes da Geografia e da História na cidade, atentando para a leitura da arquitetura e dos trilhos e para o traçado das ferrovias sobre a área urbana, percorrendo vários bairros da cidade.

Mediante as observações dos alunos, caso haja necessidade, o professor poderá fazer suas considerações sem juízo de valor sobre o papel do trem como meio de transporte, em parte, responsável pelo crescimento econômico de Sobral ao longo de sua história; traçar um paralelo entre os meios de transporte – ferrovia e rodovia –, no tocante aos desenvolvimentos econômico e tecnológico.

Avaliação: Engajamento nas atividades de pesquisa bibliográfica, observações e questionamentos, anotações sob forma de relatório, apresentação e/ou exposição de fotos e debates.

Possibilidades para o trabalho interdisciplinar com: História, Ciências, Língua Portuguesa e Artes.

Quinto recorte: Bairro – Centro (Corredor Cultural: Teatro São João, Museu Dom José e Casa da Cultura).

Deixando claros os objetivos da aula de campo, o professor poderá solicitar aos alunos que façam uma breve leitura da paisagem de modo que as observações possam instigar um olhar atento durante o trajeto.

A fim de explorar melhor o objeto de estudo, o professor deverá se posicionar, de preferência na esquina da Praça São João, obedecendo à forma de triângulo com a Casa da Cultura e o Museu D. José, onde deverá reforçar as observações feitas pelos alunos, ressaltando que a paisagem do corredor cultural é um bom exemplo da coexistência do passado e do presente, dos velhos sobrados e casarões que mantêm as suas fachadas, mas que já apresentam diferentes usos; a paisagem em suas formas possibilita um breve resgate de parte da história local e a influência da arquitetura e da cultura europeia na sociedade local a partir do aquecimento da economia dos séculos XVIII ao XIX, destacando o processo de tombamento do corredor cultural e a sua finalidade.

Em seguida, orientá-los para as visitas guiadas à Casa da Cultura e ao museu. Neste último, os alunos devem estar atentos para observarem o acervo: as pratarias oriundas da Europa na fase áurea da economia local baseada na agropecuária, tendo como principais registros os utensílios de couro, a cera de carnaúba, os instrumentos de guerra utilizados no século XX, e os objetos sacros de Dom José.

Avaliação: Participação e engajamento nas atividades; observação e questionamentos; anotações sob forma de relatório; apresentação, debate e/ou exposição de fotos.

Possibilidades para o trabalho interdisciplinar com: História, Ciências, Língua Portuguesa e Artes.

Acreditamos que, através do estudo do seu espaço de vivência (in loco), o aluno desperte mais interesse pelo conhecimento desenvolvido em sala de aula, de modo que consiga compreender a importância do estudo da disciplina Geografia no seu cotidiano, bem como das demais.

E, por fim, compreendemos que atitudes cognitivas como as aulas de campo favorecem a reflexão, a criticidade e outras habilidades consideradas de maior relevância para o ensino da Geografia escolar no contexto de educação moderna.

Referências bibliográficas

LIMA, Vanúzia Brito. Mapeando Alguns Roteiros de Trabalho de Campo em Sobral (CE): Uma Contribuição ao Ensino de Geografia. 2005. Monografia (Graduação em Geografia) – Universidade Estadual Vale do Acaraú – UVA, e Centro de Ciências Humanas – CCH. Sobral/CE, 2005. p. 22–31.

PONTHUSCHKA, Nídia Nacib. O Conceito de Estudo do Meio Transforma-se… Em Tempos Diferentes, em Escolas Diferentes, com Professores Diferentes. In: VESENTINI, José William. O Ensino da Geografia no Século XXI. Campinas: Papirus, 2004, p. 249–288.

Vanúzia Brito Lima é bacharel e licenciada em Geografia, com pós-graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente pela Universidade Estadual Vale do
Acaraú (UVA).

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