Edição 45
Profissionalismo
Educação sexual
Nildo Lage
Ainda há quem diga que a melhor escola é a escola da vida. Que o grande mestre são os tropeços, as emboscadas arquitetadas pelo destino. O método mais eficaz é a prática, que ostenta, com uma pitada de dor, a realidade da vida… Já a experiência, sempre precavida, salienta que o caminho mais seguro é o do conhecimento, da sapiência… Enquanto a consciência, sempre em estado de alerta, prenuncia, prepotente, que é ela quem deve sugerir a direção, por ter uma visão do que somos e do que podemos exigir de nós mesmos.
Mas a mesma experiência “fracassada” nos ensina que existem coisas que, se não praticarmos, ou cuja prática adiarmos, podem ser uma segunda via. Entre essas “coisinhas” da vida, está o sexo. Quando se manifesta, incendeia o corpo, domina a alma e queima todas as defesas, instigando-nos a embarcar numa nave que nos arrebata para além-mundos… Planetas repletos de labirintos, de emoções alucinantes, indescritíveis.
Apesar de maravilhoso e condicionado, o sexo é uma fonte de maledicência, apinhado de incertezas… Se o prazer é um momento sublime que liquefaz carne, espírito, emoções, sentimentos; altera as estruturas fisiológicas do corpo e recebe influências familiares,religiosas e culturais; qual a parcela de responsabilidade da família, da sociedade, da escola, das igrejas e dos meios de comunicação na educação sexual do indivíduo?
No turbilhão de influências, os adolescentes, vulneráveis, sequiosos por emoções e de desvendar o novo, se perdem entre encontros e desencontros, amores, desamores e desenganos. E, ao atravessarem o portal do éden escolar, sentem-se em casa, completamente à vontade com a sua tribo, e a sensibilidade exaspera, flui e transita à flor da pele.
A vulnerabilidade é tamanha que um toque, um gesto, uma palavra, um mero olhar já é suficiente para transportá-los para orbes de ilusão, onde meninos e meninas que deveriam brincar de carrinhos e bonecas brincam de “fazer meninos”.
Sem orientação, o problema se agrava, porque as vítimas (os adolescentes) se deixam guiar pela influência de uma mídia tendenciosa, que vende fantasias para satisfazer a cobiça dos patrocinadores e orgulha-se ao bradar em horário nobre que é um instrumento de cultura, educação e cidadania, influenciando o comportamento de uma geração que, cada vez mais cedo, manifesta as suas opções e intenções sexuais.
Nessa transição entre a inocência do carinho e a descoberta do corpo como fonte de prazer (porque a puberdade chega cada vez mais cedo), basta bater uma “química”, um olhar impregnado de intenções, para tudo se despertar: o olfativo, o visual, o tátil, a fantasia… Mãos e bocas entram em cena, pênis e vaginas selam, num gozo alucinante, o momento máximo do prazer.
A partir de então, os hormônios, neurotransmissores, poderosos mensageiros químicos, entram em ebulição, despertando os feromônios para proporcionarem um momento sublime de amor, lançando por terra barreiras culturais, familiares, sociais, religiosas… Naquele instante, são os corpos que estabelecem as regras, o íntimo embriagado pelas emoções é que determina os ritmos, quando os agentes químicos secretados pelos testículos e ovários exalam a essência do prazer e deixam de ser crianças, adolescentes, para ser, simplesmente, macho e fêmea, que, envoltos num clima de magia, obedecem aos sentimentos e desejos.
Nesse extremo, todos os impulsos primitivos já foram despertados, e o ato sexual é inevitável, porque os instintos estão em alerta para experimentar o gozo maior: o do ego, que nunca sacia a sua fome de possuir, de sentir e, principalmente, de ser, porque a teia que forma o emaranhado do bel-prazer já foi formada, e tudo é esquecido: circunstâncias, consequências… Até as barreiras da própria personalidade deixam de existir.
No instante seguinte, o adolescente volta-se para o mundo interior e silencia ante a impaciência dos pais, a intolerância do mundo que não entende que os seus hormônios estão em pé de guerra, deixando a sua cabeça em redemoinho, buscando na prática as respostas para as suas dúvidas.
Em meio à instabilidade, pais e filhos não falam a mesma língua, a escola não dispõe da disciplina Educação Sexual no seu currículo nem consegue reduzir a distância entre o ser e o existir, traduzida em um silêncio que só é rompido quando se chega ao inevitável. Porque a geração do futuro não assimila a diferença entre “namorar” e “ficar”. O importante é beijar, e beijar muito, deixar fluir a adrenalina. E, como não há tempo para refletir sobre perdas e consequências, a maioria é transportada pelos atalhos do amadorismo que conduzem a gravidezes precoces, e muitos desabam no abismo e chegam ao “paraíso” das Doenças Sexualmente Transmissíveis (DSTs), principalmente da tenebrosa Aids.
Percebe-se que, apesar dos avanços, sendo o sexo discutido de forma natural na televisão, na internet e na própria sala de aula, são alarmantes os casos de gravidez precoce, as dúvidas, o medo, as Doenças Sexualmente Transmissíveis e a ansiedade nos adolescentes e jovens — uma prova de que as informações estão surtindo efeito contrário ou de que o que se diz não é levado a sério.
Talvez porque os pais, a primeira base do indivíduo, não preparam os seus filhos para encararem o sexo como um segmento natural do ser humano. Por mais liberais, jamais dirão para a filha que acaba de despertar para a vida sexual que deve praticar o sexo livremente para descobrir os prazeres da carne e, nesse oceano de emoções, adquirir experiência e maturidade.
Muitas vezes, abordam o assunto, mas não avançam o bastante para despertar a consciência. Ao passo que outros, considerados conservadores,simplesmente se fecham e deixam que a natureza se encarregue das responsabilidades.
Quando se volta para a escola da era digital, à procura de uma saída, ela está com foco direcionado para erradicar um único problema que incomoda o sistema educacional — o analfabetismo —, para atingir as metas do governo, as quais, nos últimos tempos, seguem as tendências, evoluções tecnológicas e adequações na estrutura física. O humano que “se vire” para transitar entre os labirintos do saber a fim de cumprir o seu papel.
Não se dispõe de recursos para acompanhar a evolução de uma geração que caminha a passos largos e tem pressa de chegar ao lugar-comum. Como já previa José Antônio Klaes Roig, “Modernas devem ser as ideias e suas práticas libertárias e emancipadoras, e não apenas os equipamentos e as máquinas controladores de tudo e de todos…”.
Com esse pensamento puramente tecnológico, num ambiente onde ciência e realidade se chocam com o descompromisso, a escola se tornou a maior aliada da mídia e, ao usar inadequadamente os seus recursos, instiga crianças, adolescentes e jovens a se prostrarem ante uma janela cibernética, se perdendo na rede e criando um círculo vicioso, propiciando a descoberta de novos atalhos (como em alguns sites de relacionamentos nos quais a pedofilia se tornou uma praga).
É necessário que os pais, os professores e as próprias entidades de ensino e religiosas abram os olhos para um problema que não tem idade, nível social, credo… Sexualidade é uma realidade que está na pele, no sangue e deve ser discutida, esclarecida de forma racional. É justo que se respeitem culturas, conceitos e tradições. O que não pode ser permitido é que esses tabus proporcionem a proliferação de gravidezes precoces e das Doenças Sexualmente Transmissíveis, interrompendo sonhos e projetos de crianças, adolescentes e jovens que abandonam tudo para criar as suas crianças.
Já que a sexualidade não tem idade nem regras, é preciso que as famílias, os meios de comunicação, a escola preparem essas “crianças crescidas” para a vida sexual, através da consciência de, pelo menos, métodos contraceptivos, porque uma gravidez muito precoce pode acarretar males incalculáveis que marcarão vidas, como toxemias gravídicas, anemia, partos prematuros, desproporção pélvica ou cefálica e contrações uterinas exageradas, lesões cervicais e outros.
É indispensável que os estabelecimentos de ensino assumam o seu papel de transformadores sociais e lubrifiquem as suas engrenagens, que estagnaram no tempo à espera de um milagre que realize o sonho da escola ideal. Quando se trata de relação sexual, mesmo com a geração mais informada da história da humanidade, tudo muda de cor: timidez, insegurança, vergonha, “grilos”, fantasias, medo de não ser o momento certo para se iniciar a vida sexual.
Mas qual o momento exato para se iniciar uma vida sexual? Ninguém sabe. O desejo é ardiloso, algo tão extraordinário que desperta de um toque… Nasce de um olhar… Apesar de termos ciência de que nenhum dispositivo tem forças para conter a fúria do desejo quando este incendeia nosso corpo,precisamos ter responsabilidade e consciência dos riscos e das perdas na corrida pelo prazer.
O diálogo aberto, franco, pode ser uma saída, porque uma abordagem inoportuna, uma punição, pode provocar danos, ao invés de benefícios. Os objetivos devem atingir uma única meta: a consciência de que o prazer é um momento que nunca se prolonga, mas a vida continua na busca de novos sonhos, de novos prazeres e, principalmente, de novas conquistas… Por isso, ao expor o corpo ao prazer, disponha-se dos dispositivos contraceptivos. Quem vê cara não vê Aids.