Edição 83

A fala do mestre

Empreendedorismo para Crianças

Nildo Lage

Quando crianças, colorimos o mundo com os tons da fantasia que flui, que nos conduz por uma turnê pelo mundo. Fortalecemos as asas, exploramos o universo e, nessa viagem, ampliamos a gama de conhecimentos, esboçamos formas para ornarmos a existência com pinceladas que colorem, enfatizam um mundo onde todas as coisas são possíveis, permitidas, pois o querer é tudo…

Ao chegarmos à juventude, retonificamos as cores, refazemos sonhos, planos e, como as águias, ganhamos novas garras, revitalizamos as asas, voamos alto. Tão alto que acreditamos ter forças para pousarmos no topo do mundo…

Quando adultos, tomamos ciência do quanto fomos imprudentes e, somente então, visualizamos os erros. Como o alvo é seguir adiante, fazemos de tudo para apagarmos as marcas das decepções e cicatrizes dos fracassos. Se tivéssemos orientação, uma base, tudo seria diferente. Essa nova ótica de mundo nos recomenda que é preciso amortizar o ritmo para retocarmos os tons, apagarmos sinais e predelinearmos uma rota que aporte num porto seguro. Tais alertas são sinalizações para referenciarmos os desacertos, recomeçarmos com acertos e, inevitavelmente, confrontá-las com a realidade, que estabelece pés no chão para desenharmos projetos ambiciosos para satisfazer o ego, que inflama.

Para atingirmos ideais, acabamos nos escravizando para termos aquele automóvel de último modelo, um apartamento naquele condomínio de luxo, uma casa na praia… Casamos, temos filhos, novos ideais e, como os nossos pais, perdemos, nesse percurso, valores incalculáveis, por administrarmos indevidamente o nosso maior patrimônio: a família.

Uma olhadela para trás e a imprecisão: como anda a instituição família? Como estamos administrando as filiais — nossos filhos? Quanto investimos naqueles que geramos e por cujo futuro somos responsáveis? Muito pouco. Investimos tão pouco que, em vez de arquitetarmos cidadãos empreendedores, lançamos no mercado — sociedade — consumidores compulsivos, indivíduos egocêntricos. Audaciosos, contudo desprovidos de valores; ambiciosos, todavia sem perspectivas de vida.

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Filhos S.A.

Como arquitetos responsáveis pela edificação de cidadãos do amanhã, somos, simplesmente, inábeis: espargimos fantasias, semeamos sonhos e não plantamos um plano de vida para longo prazo nem resguardamos a empresa Filhos S.A. das ininterruptas crises no mercado familiar.

Ainda que envolta em desafios, conflitos, problemas, fracassos e novos padrões familiares, não há segredos para o sucesso na administração do holding Família, principalmente quando o alvo é a gestão da mais importante empresa do grupo Filhos S.A.

Temos ciência de que todos os caminhos — Sociologia, Psicologia, a própria Palavra — convergem para os mesmos pontos: FAMÍLIA e EDUCAÇÃO. A Sociologia, na sua mais genuína astúcia proporcionada pela vastidão da experiência, assinala: “O homem é produto do meio”. Essa teoria evoluiu, tornou-se norte, chegou ao patamar de se converter em lei de responsabilidade fiscal que regulamenta o gerenciamento da instituição família, cujos impostos — amor, respeito, envolvimento — se tornaram preceitos invioláveis aos que almejam conduzir suas crias por caminhos seguros, anteparando-as das investidas sociais — drogas, violência, prostituição, crime. A Psicologia dá um passo além, aborda o íntimo, a mente do humano e aponta: “A primeira infância é o período mais fértil, e, por ser uma trajetória de buscas, explorações, descobertas e formação, sobretudo da personalidade, o que for semeado nesse percurso estabelecerá a conduta do indivíduo enquanto adulto”.

E não é necessário recorrermos a especialistas para compreendermos que, se permitimos aos nossos filhos que cresçam num ambiente hostil onde pai agride mãe, mãe agride pai e ambos agridem os filhos, o ambiente familiar se converterá num hodierno laboratório para desenvolver embriões de agressores que infestarão o espaço escolar. Posteriormente, a escola devolverá modelos de delinquentes à sociedade. A Palavra decreta: “Ensinai ao menino o caminho em que deve andar e, mesmo depois de velho, não se desviará dele”.

Essas referências que norteiam a formação humana são alertas de que, como pais, fazemos muito pouco ou quase nada para formar as nossas crianças com valores, limites e princípios. Muito menos fazemos para subsidiar o gerenciamento de sua própria vida.

O foco da crise

O declínio social, impactado pelo esfacelamento dos valores familiares — amor, afeto, respeito, cumplicidade, carinho —, impele os criadores — pais — a se perderem no processo de formação, a ponto de não saberem o que fazer para redirecionar suas crias ao caminho da coerência, e, sem alternativas, terceirizam esses serviços — uma parte é atribuída a empregados e babás; a outra parcela das obrigações, à escola, que se converteu num palco que apresenta os reflexos do não atuar da família. Tais resultados são declarados numa contabilidade simples, cuja fórmula os educadores e o sistema de ensino conhecem de cor, pois não é preciso ingressar numa faculdade de Ciências Contábeis para entender o balanço final de não termos instruído os nossos filhos para gerenciarem a liberdade.

A falha é palpável. De tão abominável, não percebemos que preparar os filhos para administrarem recursos para superar crises, respeitar limites, respeitar o outro, é empreendedorismo; termos oferecido a nossa parcela de valores — familiares, culturais e religiosos — é empreendedorismo; cada vez que dizemos não, negando aquele brinquedo, um jogo, conscientizando-os de poupar e gerenciar recursos, é empreendedorismo. Esse agir no cotidiano da criança é o gesto para promover a sustentabilidade social.

Sem sabermos o que fazer para domarmos as próprias crias, convocamos a escola. Esta, como receptora dos detritos familiares, é obrigada a refugiar as crias deixadas pelo caminho, fruto da relação turbulenta, dos amores rompidos pelas crises existenciais, de pais destruídos passionalmente.

Como alguém tem que “pagar o pato”, o professor, sem o mínimo de subsídios — da família, do governo, do próprio sistema — para transformar as crias do hibridismo familiar em empreendedores, acua impotente, é bombardeado pelo dilúvio de problemas e submerge no caos, pois, no processo de formação da empresa Filhos S.A., seus gestores — os pais — não inseriram no contrato social valores, limites, respeito, e aquela, inevitavelmente, caiu na malha fina — sociedade — e converteu-se num “laranja” nas mãos dos caloteiros — traficantes —, cujo preço é a dependência, a perda da liberdade e, nos casos mais críticos, da própria vida.

É nesse ponto que todos levamos as mãos à cabeça num ato de desesperação e clamamos: “Onde erramos?”. A resposta ressoa como eco: “O que fizemos para desenvolvermos a capacidade empreendedora dos nossos filhos?”.

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No impacto do eco, os olhos se abrem e vislumbramos nosso empreendimento ser destruído pela brutalidade alimentada no próprio lar, onde pais, filhos, esposa se agridem para esvaírem fracassos, desamores. Somente então reconhecemos — tarde demais — que deveríamos ter tomado mão da predisposição dos filhos — quando crianças — para aprender e os ensinado, com aquela brincadeira de final de expediente, a administrarem recursos, inserido valores e regras para entenderem que viver é uma contabilidade de lutas, conquistas e, por que não, de derrotas. Que, assim como falar, andar, correr, há tempo de aprender. Aprender a dividir, aprender a ser, aprender a gerir o tempo, para a chegada do tempo em que devem abrir os próprios caminhos para originar o desenvolvimento humano.

Todavia, como pais, preocupamo-nos em alimentar o físico, que cresceu desproporcional ao psicológico, emocional, social e humano e se tornou vítima de um raquitismo que vem ceifando o crescimento humano no seio familiar: a violência.

Assim como uma empresa precisa de planejamento, investimentos e logística para se projetar no competitivo mercado globalizado, formar um cidadão empreendedor exige os mesmos requisitos. O fracasso ou a vitória dependerá das escolhas e atitudes que determinarão o ponto que se espera abordar.

E, em meio às crises mundiais, guerras de valores que impelem a sociedade para uma escalada de franco declínio, ser exemplo é pouco, é preciso atitude e investimento contínuo para trabalhar o Eu da criança até que sonhos e desejos se convertam em propósitos e, na sequência, num plano de vida.

Se o individualismo, o egoísmo, o desrespeito prevalecerem, ostentando a vã filosofia: “O meu mundo e nada mais!”, a concordata da corporação Família será inevitável, pois seremos, terminantemente, massacrados pela crise da decomposição do gênero humano, pois não teremos mais entusiasmo para projetarmos nossos filhos ao mundo do sucesso. A Educação romperá, definitivamente, o seu elo com a sociedade por não ter mecanismos para explorar o potencial da criança de “construir o próprio conhecimento”, graças à deficiência de sonhos — por ter a inocência roubada pelo tráfico, pela própria violência doméstica. Sem essa fertilidade que aflora exclusivamente na infância, o empreendedorismo será antônimo de ideais, propósitos e projetos para o futuro, pois esse negócio de ser alguém — que nos impulsiona a lutar — será asfixiado pela impotência da escola para desenvolver, em seus educandos, habilidades e competências para gerarem ideais que transformem o mundo num lugar melhor para se viver.

O desafio para oferecer uma educação empreendedora

empreededorismo_img_3O desafio maior é alimentar projetos de vida para uma geração que vive alheia ao mundo à sua volta por permanecer 24 horas por dia plugada na Internet. Essa febre atingiu nível de pandemia a ponto de as vítimas se sujeitarem aos mesmos tratamentos de dependentes químicos, desafiando a escola a competir com o poderoso sistema empresarial Sociedade que estabelece o holding Família, resistência para não sofrer lapsos em meio às constantes crises de valores.

Para atingir esses propósitos, o educador tem uma gama de opções, como jogos disponíveis na Internet, e estes, à medida que evolucionam, instigam a ir além, e é esse convite para ir além que aguçará a criança a se arremessar. Tudo que o educador deve fazer é adotar dinâmicas que conduzem à culminância, por meio de feiras ou oficinas, e, de forma lúdica, trabalhar valores, conceitos de mercado, comportamentos, até atingir o alvo: atitudes empreendedoras.

Nesse procedimento, que poderá gerar conflitos de valores, a atuação da escola por meio de projetos direcionados é fundamental, pois o empreendedorismo cultivado desde a infância — a partir da alfabetização — definirá a ótica de mundo da criança, que aprenderá a se relacionar com dinheiro, honestidade, respeito e, nessas transações, irá compreender, numa ótica global, a importância das conquistas e as consequências das perdas se fizer escolhas erradas.

Explorar as habilidades empreendedoras da criança não exige muito do educador, pois a própria fase é um convite à aprendizagem e, como ela não receia errar, não teme riscos e desafios. Os processos devem obedecer a metodologias da reaprendizagem, que devem ocorrer espontaneamente, envolvendo colegas, educador e, por que não, os próprios pais, para que, nessa interação, explorem a coparticipação, a reciprocidade, as responsabilidades, o respeito e, quando a brincadeira evoluir, valores como ética e cidadania, para que, numa competição franca, despontem líderes, desenvolvendo, assim, habilidades empreendedoras.

O lúdico é uma rota sem turbulências que deve ser traçada por pais e educadores. Afinal, brincar é tudo de bom para uma criança, e, quando essa brincadeira desafia, aguça os sentidos, iça a fertilidade da mente, sempre pronta para receber, e, por estar aberta para a aprendizagem, basta seduzi-la com o novo e, nesse universo de exploração e desafios, acirrar a competição, com negociações financeiras, em que o marketing deve ser a ferramenta basilar para promover a sustentabilidade por meio de uma formação educadora.

Em pouco tempo, escola e educador se surpreenderão com a legião de executivos que despontarão com visão ativa, cujas ideias arredarão a escola, a educação, o próprio País das garras da crise mundial.

De volta à realidade, é fato que, como formadores de humanos — pais, educadores —, temos nossa parcela de responsabilidade para inserir conteúdos na formação de crianças empreendedoras. Os resultados positivos dependerão de como os conduzimos da infância à fase adulta. É nesse percurso que influências, exemplos e preceitos moldam personalidades, e essa canalização deve promover a transição entre escola e família. Afinal, a mente da criança é um solo fecundo lavrado para receber o novo. É esse novo que refletirá na sociedade, no mercado de trabalho. A semente que for difundida deve ser regada com incentivo, cultivada com regras para explorar a capacidade empreendedora na criança, que aflora com tamanha dimensão que muitas salientam, nos primeiros passos na escola, a desenvoltura para agir, infiltrar-se, liderar, ter opiniões de mundo, projetar-se no próprio futuro como personagem central no enredo viver.

Tudo que a escola tem que fazer é lançar mão de metodologias e ferramentas que explorem esses potenciais, pois a criança domina competências para desenvolver conceitos e explorar conteúdos com uma destreza espantosa, por ser da geração do clique e por ter acesso a jogos que instigam a ir além; nestes, ela se posiciona num cruzamento que a provoca a abrir novos caminhos para encontrar alternativas de como edificar cidades e protegê-las de possíveis ataques ou a gerenciar recursos para que educação, saúde, sociedade, segurança funcionem graças às habilidade adquiridas para contornar conflitos.

Os princípios de Blended Learning podem ser um caminho a trilhar, pois essa rota conduzirá aluno, educador e Educação por trilhas empreendedoras, uma vez que o preceito dessa tendência é o alvedrio para construir o próprio conhecimento e, por que não, inserir nessa plataforma inovadora uma Educação ativa, atraente, para formar com objetivos definidos e, assim, projetar a criança numa trajetória de conquistas.

Não temos tempo para relutarmos, agafinharmos com picuinhas, nem espaço para ruminarmos o que não deu certo… É hora de olharmos para a frente e avançarmos, mesmo entre pedras, espinhos e abismos… Se ambicionamos uma Educação empreendedora, é fundamental cumprirmos os desígnios da Educação e sermos pontes. Pontes para interligarmos sonhos de propósitos e livre-arbítrio, pois, a partir do instante em que a liberdade estabelecer um elo entre os envolvidos — educador, educando e família —, na escolha de conteúdos e formas de aplicação, daremos saltos abissais. Esse modelo pronto — e arcaico — não seduz, muito menos estimula a busca.

É realidade: a nossa educação apresenta uma formação desproporcional, fruto dos conflitos entre conteúdos e resultados. O que temos de real são números que envergonham. Educação tem que competir para existir qualidade; desafiar para suplantar o conformismo que equivoca a aplicação de conteúdos com desenvolvimento humano; cumprir calendário, com execução de metas. Comprimida nessa quebra de braços, a geração alfa navega em águas profundas e não necessita de intercessor para ter acesso às informações, mas de educador que converta informação em conhecimento para fortalecer as suas bases de humano. Afinal, empreendedorismo é a arte de transformar comportamentos por meio da ação consciente que impele à decisão coesa, independentemente da situação. Pois, assim como os sonhos, que abrolham de um desejo, o empreendedorismo na vida da criança deve despontar como rota para conduzir ao crescimento humano.

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