Edição 68

A fala do mestre

Fraternidade e juventude

Nildo Lage

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Enveredar pelo universo da juventude é acarear um mundo de questionamentos, cujas respostas chegam — na maioria das vezes — pela prática, pois os pais, que devem ser a primeira referência do indivíduo, omitem-se e adotam a educação moralista, que conduz aos desapontamentos… O que quero? Sexo? Família? Droga? Amor? São perguntas que ecoam e silenciam sem respostas. A inexperiência induz a práticas errôneas, e, assim, muitos se perdem nos caminhos.

O silêncio dos progenitores e a omissão da escola originam um clima de isolamento, e muitos partem para a busca de respostas que povoam, tumultuam cabeças de uma multidão de dezenas de milhares de meninas entre dez e quatorze anos que engravidam por ano e outras tantas de meninos que enveredam pelos caminhos da criminalidade e das drogas para preencherem vazios existenciais.

Sem guarida, refugiam-se nas tribos, e, longe dos pais, a regra é alterada e passa a imperar o “Quem decide a minha vida sou eu”. Praticam excessos que, posteriormente, resultam em sequelas que marcam vidas. Nas últimas décadas, o mundo deu passos impelido pela evolução tecnológica, expondo o homem às intempéries de um tempo que não consegue acompanhar.

Ante o colapso, é impossível calar: Por que fraternidade? Por que juventude, e não juventudes? Qual a necessidade de relacionar uma com a outra? Quais os perigos que rondam as juventudes da atualidade? Qual o papel dos segmentos sociais: Igreja, escola, governo e família nesse contexto para que se atenda ao chamado de Isaías 6,8?

Será que tamanha deficiência de amor ao próximo é consequência do corre-corre da vida moderna, que rouba o tempo do amor, boicota o espaço do carinho, eleva barreiras que evitam um gesto, um olhar, um toque? É certo que os tempos mudaram, mas o ser humano é o mesmo… Pelo menos, deveria ser assim… Os reflexos não estão distantes. Décadas atrás, ainda existia companheirismo. Hoje, predomina o Eu, mesmo consciente de que o Outro é tão único que não pode ser substituído, subestimado… Mas Eu estou no topo dos direitos… O Outro que se vire; mesmo sendo uma fórmula única, resultado da adição de valores, princípios, sonhos e sentimentos, devo ser o primeiro da fila.

Portanto, falar para a juventude é um desafio. Se fosse há algumas décadas, bastava voltar a cabeça e reviver momentos dourados, em que o peito palpitava com emoções que explodiam com um toque, um gesto, um olhar… Mas a juventude da geração Z já nasceu faminta de novo. Tem tanta energia quanto as anteriores, mas vive a fase na mais pura adrenalina… Droga, sexo… Violência… O superávit de energia é um convite para romper tabus e tudo que falta é direção, compreensão, limites… pois a família permitiu que as muralhas de valores fossem demolidas.

pag_32_RyFlip_shutterst_fmtSem referências, a imaturidade se converte na maior armadilha, impelindo muitos a enveredarem por caminhos que deixam marcas, cicatrizes. Assinalando um período na vida do ser humano em que a identidade é condensada pelos paredões de um meio que determina resistência para não ser esmagado pelos mecanismos que transfiguram geração após geração.

Para inserir a fraternidade nesse meio tão infestado e suavizar o clima dos relacionamentos, é preciso persuadir muitos a renunciarem de propósitos pessoais e voltarem o olhar para o coletivo. Afinal, conciliar fraternidade e juventude é um repto que, muitas vezes, excede a capacidade da família e determina como auxílio a estrutura educacional para acumular os ingredientes básicos que proporcionam o crescimento humano.

A escola necessita de suporte para atrair as novidades e de liberdade para que o dinamismo desperte a inventividade para usar as tecnologias a favor da educação… Se a Internet fascina os jovens, por que não usar essa ferramenta e transformá-la em instrumento de discussão em sala de aula? São tantas opções de endereços alternativos que o professor pode oferecer para desenvolver a inteligência e turbinar o cérebro. Pode utilizar as redes sociais para promover intercâmbio com outras escolas, dentro e fora do País, e em regiões que estejam sendo estudadas — a interdisciplinaridade —, sem poupar imagens e vídeos. Ou a escola se alia às tecnologias ou ficará cada vez mais monótona.

O “Eis-me aqui! Envia-me” (Is 6,8) é incitação ao jovens, pois tudo que ambicionam é ir, buscar, sentir… Para, simplesmente, viver. Se não tiverem uma base familiar, princípios religiosos, valores sociais, desconhecerão o sentido de fraternidade, e a passagem bíblica acima citada, cujo profeta Isaías atende ao chamado do Senhor, terá o sentido invertido. A geração do prazer atenderá ao chamado do mundo, que expõe num painel luminoso suas delícias: bebidas, drogas, sexo… Badalações… Para, em seguida, apresentar a conta: violência, tortura… Desespero e morte. O “Ide e fazei discípulos entre as nações” (Mt 28,19) formará uma legião de seguidores nas cracolândias, praças, que, consequentemente, elevarão o número dos discípulos da violência, que superlotam os presídios.

Influências da mídia e das novas tecnologias — redes sociais — no comportamento dos jovens de hoje em dia

Não teve alternativa. O mundo se curvou ao coercível poder da tecnologia, e o ser humano tornou-se dependente dessa ferramenta. Muitos já não sobrevivem sem Internet, celular; e, na era do Android, só não se conecta ao mundo quem não ousa baixar, na rede mundial, um simples dispositivo que captura sinais, pois a indústria de celulares, smartphones e tablets evolui com tamanha agilidade que os lançamentos do mês anterior já se tornam ultrapassados.

É preciso admitirmos que a tecnologia facilita a vida do homem em todos os momentos, inclusive na hora das compras, pois celulares possuem aplicativos com recursos para escanear o código de barras dos produtos, comparar os preços, apresentar a melhor oferta em todo o País e orientar o consumidor a dar aquela tradicional “pechinchada”. Se o cliente desejar evitar embaraços na hora de passar o cartão, pode acessar com extrema segurança a sua conta bancária, checar o saldo e fazer transferências.

Não adianta nos esquivarmos… A sentença já foi decretada. E a juventude já está cadastrada nesse sistema, pois a geração da era tecnológica está plugada e atenta às tendências. A televisão, com seu poder de disseminar influências, altera comportamentos, mira no alvo e dispara a sua possante arma engessada na grade de programação que atrai aos milhões e que, no dia seguinte, está refletida nas ruas e, principalmente, na escola, a exemplo da novela Carrossel.

A influência é de uma dimensão que, em salas, pátios e corredores, crianças se incorporam nas personagens, e o que mais se vê é bullying, racismo e preconceito camuflados nos “Cirilos”, “Jaimes” e “Lauras”, pois as crianças chegam a assinar nas provas o nome e, na frente, o do personagem que incorporou. Essas atitudes são sinais de que a geração alfa, que já é educada pela televisão, romperá o laço de afeto com a família se a mesma não reassumir o seu papel na Educação.

Barreiras que impedem a conexão entre Educação, tecnologia e redes sociais.

O universo virtual tornou-se o ponto de encontro de jovens. Entre plataformas e salas de relacionamentos, muitos constroem dupla identidade, viajam, sonham… Materializam sonhos… As opções são tantas que entre MSN, Orkut, Twitter, Facebook, Flickr, Myspace, HI-5… Vidas se encontram, complementam-se, formam-se comunidades, pessoas se expõem pela necessidade de existir e, assim, se aproximam, fazendo com que a comunicação — essencial entre os homens — converta-se em moda. Estar conectado é uma necessidade tão urgente que muitos se desligam da vida para se manter plugados, transformando as redes sociais na sua segunda pele, fazendo da atividade online no Brasil uma das maiores do planeta.

Mas a Internet não é só emoção, “Prazer em conhecer”, pois, como todo terreno fértil onde cada um planta o que ambiciona, rega e ornamenta o próprio mundo, pode enriquecer muitos, como estudantes e professores, com abastados conteúdos visuais e audiovisuais que facilitam a aprendizagem.

Tudo o que se deve ter é cuidado, pois é nesse território de armadilhas que muitos são atraídos pelo magnetismo negativo e cometem descuidos fatais ao deixarem pistas como endereços, número de telefone, dados pessoais… Fotos que se tornam ingredientes das receitas dos que transitam rastreando cada milímetro do universo virtual à caça de uma vítima — os hackers — com mero intuito de lesar.

O uso das redes sociais no espaço escolar é mais do que plugar alunos e professores… As redes sociais promovem o envolvimento entre as culturas, traduzem as línguas, delineiam geografias… Histórias desvendam os segredos do mundo por meio da interação que aproxima, envolve, compartilha experiências de uma geração que se relaciona com o mundo por meio do Orkut, do Twitter, do Facebook… Esses recursos são tão importantes para promover a Educação da era digital que o professor Edvaldo Couto, da Universidade Federal da Bahia, questiona: “Se as pessoas estão cada vez mais conectadas, o que se pode fazer conectado na Educação?” Se Governo e sistema ainda não despertaram para conscientizarem os profissionais da Educação, é fundamental que adotem as sugestões do professor, que remata: “Onde há mais pessoas conectadas, há mais inteligência coletiva. Assim deveria ser”.

Como evitar riscos nas redes sociais

pag_35_ andrea michele _fmtÉ preciso cautela, atenção redobrada, principalmente no ambiente escolar, ao inserir no seu sistema a moderna Educação da era do “Clico, já encontro você”, pois usar as redes com fins educacionais é o caminho para tornar as aulas mais atrativas, mas se desviar do foco poderá ter resultados negativos. Isto porque as redes de relacionamentos, como o Facebook, MSN, Orkut, promovem o intercâmbio, mas, por outro lado, influenciam a ponto de atingir a autoestima e provocar desvios comportamentais, entre eles o narcisismo, que usa a rede como plataforma de autoprojeção, em que dotes físicos, intelectuais e até mesmo personalidades marcantes transformam “sapos” em príncipes, “pererecas” em princesas; reis e rainhas assumem o trono, pois a seção “Sobre mim” aceita tudo, inclusive fotos de rostos belos — na maioria, falsos —, e, por ser uma forma de relacionamento superficial, muitos usam esse instrumento como arma para atingir pessoas.

Pais, professores e sistema de ensino precisam despertar e não permitir que seus filhos se tornem instrumento de manobras da tecnologia. Esse canal, que nos conecta ao mundo, pode ser usado de maneira pedagógica e pessoalmente correta. Compartilhar é o melhor método para crescer e podemos compartilhar sonhos por meio de arquivos, ideias, projetos, intenções, sentimentos, conhecimentos e até imagens na busca de soluções. Afinal, as redes sociais são responsáveis por 62% do uso da Internet no Brasil, portanto não podem ser encaradas como caminhos que levam ao abismo.

Nas redes sociais, todos são perfeitos — pois as virtudes dos sonhos são inseridas no perfil —, lindos — afinal, o Photoshop chegou para fazer lipoaspiração, dar cor, brilho —, fazendo desses locais de encontro não pontos de descobertas, mas de contradições, onde linguagens são invertidas para traduzir intenções, satisfazer egos, vaidades… Sonhos, devaneios, que levam muitos a se apartarem de pessoas queridas da vida real e se transformarem em verdadeiros “Platões” de plantão ao assumirem pseudoautoria, principalmente no Twitter e no Facebook.

Como todo uso excessivo, a dependência é inevitável, e a geração Y já se tornou subordinada à tecnologia. Milhares de pessoas não conseguem sobreviver sem Internet e celular, pois a necessidade de sair do mundo real é tamanha que muitos se evadem pelos caminhos do mundo virtual e não sabem a hora de desplugar nem o momento de voltar para casa… Provocam o pesadelo de pais que não conseguem controlar seus filhos, mesmo com terapias e tratamentos clínicos.

Equívocos da mídia sobre a juventude brasileira

Esses equívocos são históricos, pois a visão da mídia é fazer crianças tendenciosas, jovens dependentes para, assim, formar adultos consumistas.

O reflexo está na histórica propaganda dos cigarrinhos de chocolate Pan, que marcou os anos 1980. Nessa época, o tabagismo estava em alta e a mídia explorava essa tendência em comerciais de tirar o fôlego. Como o monopólio imperava, criou-se a moda dos fumantes… Um glamour reservado aos descolados. Acender um cigarro num restaurante e até mesmo em aviões era um gesto de extrema elegância.

Como todo mercado tendencioso, o fabricante dos cigarrinhos de chocolate ao leite Pan investiu pesado, apresentando, em suas embalagens, crianças com poses de fumantes, devorando os “saborosos cigarros”, com o slogan “O que não mata, engorda”.

Juventude no plural, não no singular

Essa fase fantástica do ser humano — a juventude — não pode ser no singular, mas no plural, em função dos diferentes tipos de pessoas, de tribos urbanas e de etnias. O homem sempre viveu em tribos, e é exatamente por ser um animal social que é impossível “ser uma ilha”, portanto, individual é um termo que não se enquadra a uma espécie que, desde a criação, o próprio Criador certificou de que não devia sobreviver sozinha, ou seja, no singular. Necessita de um complemento que faça da sua vida “um plural” e esse plural é a junção que dá sentido à existência, complementa-se com o outro, mesmo com o nascimento de exemplares raros que adotam a solidão como filosofia de vida ou se agarram ao egoísmo como proteção pessoal a ponto de cultuar o Eu para satisfazer o ego.

Iniciar uma conversa sobre juventude exige óticas modernas, porque juventude não pode ser encarada isoladamente, pois essa singularidade assassina o plural… São vidas que buscam uma identidade, sonhos que necessitam de uma base para edificarem um presente, desejos diferentes, mas de fundamental importância para a formação da identidade. Portanto, juventude deve ser encarada no plural para que as diversas tribos encontrem a identificação sem que seja necessário entrar em conflito com os diferentes grupos étnicos, sociais e religiosos.

Portanto, ao falar de juventude é preciso ter cuidado para não atropelar contrastes de uma sociedade multicultural, na qual o jovem não tem horizontes definidos, pois o acesso a projetos, principalmente à formação, são bloqueados, provocando a interrupção de planos de vida numa fase em que a autodeterminação é uma passagem obrigatória à formação da identidade.

Encarar a juventude no singular é generalizar o humano como um todo e permitir que a complexidade que provoca transformações psicológicas, políticas, biológicas, sociais, culturais e, principalmente, ideológicas não seja respeitada, porque juventude é a fase da busca de identificação, do reconhecimento do Eu… Juventude no singular é simplesmente uma fase, mas juventude no plural é uma trajetória de reconhecimento, de crescimento pessoal, em que experiências tornam-se rotas; situações, lições de vida. Por isso deve ser expressa no plural, para Nós nos encontrarmos, trocarmos conhecimentos, dividirmos sonhos, compartilharmos fantasias e para nos desenvolvermos como ser humano.

Pois é exatamente o confronto das diferentes personalidades que promove o amadurecimento; é do relacionamento das tribos, principalmente urbanas, que geram a aprendizagem, graças às diversas situações que propiciam o fortalecimento cultural e o respeito pelo outro.

Se essa fase tão vulnerável do humano for singularizada, nossa sociedade, já fragmentada pelos conflitos, estará cada vez mais desprovida de jovens politicamente ativos e socialmente corretos, tendo tão somente sujeitos passivos aos problemas coletivos por imperar a individualidade.

Porque a família já não encara tais conflitos com a mesma responsabilidade, a escola não tem estruturas para oferecer suporte, e assim a juventude segue na vanguarda de uma sociedade repleta de labirintos que levam a universos que não auxiliam os jovens na trajetória de transformações e escolhas, em que decisões são tomadas na flor da sensibilidade, impelidas pelos hormônios, que conflituam com valores e sentimentos, desejos e princípios. E o jovem, como sujeito do seu próprio tempo, não se sujeita à concepção do tempo daqueles que acreditam conhecer o caminho para traçar a rota mais segura.

Esses conflitos entre imaturidade e maturidade são a ponta do iceberg que provoca o naufrágio de muitos que buscam ajustar a ótica para adquirir uma visão de mundo, das coisas, das pessoas, como acredita Peralva (1997), p. 23: “Enquanto o adulto vive ainda sob o impacto de um modelo de sociedade que se decompõe, o jovem já vive em um mundo radicalmente novo, cujas categorias de inteligibilidade ele ajuda a construir”.

Por isso, juventude deve ser encarada no plural, para que a pluralidade valorize, acate as particularidades étnicas e culturais das tribos para auxiliá-las na superação das disparidades socioeconômicas, principalmente no espaço escolar, e assim amortizar, no gráfico, uma vergonha nacional: a discriminação sociorracial, para que a juventude, tão mal-entendida, torne-se poesia escrita e reescrita todos os dias e seja inspiração para as novas juventudes, que, com certeza, farão o mesmo pedido: deixe-me ser Eu… Porque preciso de autonomia para fazer escolhas, enveredar pelas minhas trilhas, cultivar o meu mundo e desvendar o meu ser no tempo do meu Eu.

Por isso, deixe-me ser Eu… Como ato de respeito à minha liberdade, porque é essa liberdade que fortalece as minhas asas para voar, tocar o céu… Chegar ao infinito e conquistar o mundo… Sei que vou errar até encontrar o que busco, vou bater com a cara no muro, brigar para proteger as minhas conquistas… Mas não vou desistir… Vou tentar, errar… Tentar e errar de novo… Mas esses fracassos são necessários para que eu cresça.

E, já que meus atos são mal interpretados, ouçam o meu silêncio, que fala por mim: deixe-me ser Eu… Mas do meu jeito, no meu espaço, no meu tempo, pois tudo o que quero é somente uma chance para experimentar se meu Eu quer, se meu Eu não quer… Mas preciso ser Eu… Meio desajeitado, um tanto rebelde… Mas não louco nem drogado… Pois não mudei de nome, de identificação… Sou apenas um jovem que busca a construção da identidade… A existência numa sociedade de selvagens… Tudo de que necessito são referências, valores e princípios que me ajudem a crescer como ser humano para ampliar o meu leque de oportunidades… Não quero que sejam fraternais, apenas coerentes para que… “deixem-me ser Eu!”

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