Edição 104

Campanha da Fraternidade 2019

Fraternidade e Políticas Públicas

Nildo Lage

Articular políticas públicas num país que faz farra com o dinheiro público é tocar na ferida de uma das maiores democracias que agenciam recursos públicos para atender a interesses de grupos. Correlacioná-las com fraternidade é semear num terreno infestado, que desestimula até os que persistem no propósito de um mundo melhor… Afinal, em tempos de lutas, de batalhas perdidas, de desejos contidos, sonhos reprimidos… Direitos arrebatados… O mundo se curvou para o novo, permitindo ser sobrepujado pela sua eficaz ferramenta: a tecnologia… Todavia, esse instrumento não impetrou alterações de pensamentos ao transformar uma área primordial: o “democratismo”.

Que democracia é essa onde o voto é obrigatório? Que obrigação é essa para a qual o eleitor elege o velho como conceito, que dilacera valores, assola direitos e mantém milhões encurralados pelos corredores da miséria, no contexto de uma vida miserável?10

Fraternidade e políticas públicas transitam na contramão de um país cuja população não vislumbra perspectivas de vitória. O que falta? Fraternidade? Justiça? Políticas públicas? A humanidade perdeu a sua essência? Não! O humano se permitiu ser corrompido. Voto é trocado por cesta básica, uma cerveja no boteco da esquina… Permuta de benefícios. Dessa forma, a esperança de um futuro melhor acaba no cerrar das urnas… Expiram-se sonhos, podam-se direitos, esquece-se de deveres… Restringe-se a liberdade… Honestidade e compromisso fluem pelo canal da corrupção.

Brasileiro? Tão somente o cidadão TECLA VERDE, torna-se astro. Brilha até o momento CONFIRMA… Após o toar da urna eletrônica, um novo duelo se inicia para a sobrevivência. O silêncio predomina no Planalto, o motim granjeia consistência no Senado, e atos infames avivam-se na Câmara dos Deputados.

No toar da trombeta… O desafio do novo governo: inserir, no sistema, fraternidade e respeito, para que o cenário político vislumbre obrigações como cumprimento de leis, para que direitos do cidadão não sejam parcelados com migalhas na fila do SUS, onde vítimas esperam por uma cirurgia durante semanas, meses, anos… Expiram na carteira das escolas, onde alunos e professores são arremessados num ambiente hostil. O desafio de aprender é sobrepujado pelo descomprometimento do sistema e das famílias, pois, para sanar problemas históricos na educação, é necessário desmoronar tudo, essencialmente as políticas públicas para educação… É preciso um despertar. Despertar o senso de justiça, de responsabilidade, para que fraternidade e direitos sejam executados em planos cujas metas atendam os que necessitam dos serviços públicos para existir.

Em meio ao caos, que caminho trilhar?

Sabemos que implantar políticas públicas estabelece ousadia para romper reptos, entre eles trabalhar com sustentabilidade. Sustentabilidade é primordial para edificar um presente que afiance o amanhã das novas gerações. Todavia, se a base não focar no amparo e no desenvolvimento humano, para que fraternidade? Para que fraternidade num país sem políticas públicas? Para que fraternidade num Brasil cujos representantes brincam de ser governo, inventariam o dinheiro público entre empresas e partidos políticos, posicionando a nação numa realidade que impele milhões pelas veredas da miséria?

Sejamos coerentes… Os novos gestores terão que restringir custos, atenuar uma realidade que afeta desde a saúde ao social… Os desígnios se constituem em provocações, como a superação por uma gestão focalizada na massa, por meio de políticas públicas capazes de recolocar uma sociedade esfacelada pela heterogeneidade, sem podar iniciativas, assolar valores, pois as últimas eleições salientaram que o brasileiro aprendeu que seu voto pode decidir a trajetória da sua nação. As mudanças na Câmara e no Senado foram a resposta. Assim, é primordial descartar as velhas ferramentas — que trabalham para grupos minoritários — para atender um todo, e esse todo é nada além de uma sociedade disposta a gritar para aliciar um novo sistema de governabilidade.

As mudanças foram gritos de socorro de uma sociedade que não suporta mais os coronéis decidindo o que fazer com o dinheiro público. Uma sociedade que se descompactou para vislumbrar novos horizontes e não permite vegetar sob migalhas espargidas pelos gestores como milhos atirados aos pombos numa praça… Exigem políticas públicas que atendam a demandas. Demandas que supram necessidades, e, para tal, é primordial gerir estados, municípios, cidades, pois o eleitor desvendou que o seu voto vai além de um risco na formação de um gráfico que marca a trajetória do seu país. Seu voto é a sua voz, a sua arma mais poderosa… De tão letal, foi capaz de deixar na berlinda os vilões da democracia.

“Despertar o senso de justiça, de responsabilidade, para que fraternidade e direitos sejam executados em planos cujas metas atendam os que necessitam dos serviços públicos para existir.”

O brasileiro se conscientizou de que o “jeitinho” só beneficia os facínoras… A onda é passar o rodo. Essa consciência o fez entrever a arma mortífera que tem nas mãos e que, apontada para o alvo, basta tão somente dispará-la: o voto.

Os que foram eleitos e que não queiram ser encalçados na próxima temporada de caça, devem obedecer a parâmetros para atingirem intentos coletivos, como a caracterização dos atendimentos, para que necessidades básicas — como educação, saúde, social e segurança — sejam executadas a favor dos que pagam uma lista infinita de impostos na expectativa de receberem serviços públicos de qualidade. Qualidade que supra as ambições de uma formação sólida por meio da educação… Qualidade que atenda às necessidades de uma casta da sociedade que grita por reconhecimento, direitos sociais… Qualidade que ofereça uma saúde, que não ceife vidas em corredores de hospitais por deficiência de atendimento e, porque não, uma segurança que ampare e resguarde a própria vida.

Tais serviços devem reter ingredientes indispensáveis à vida humana, e o nível de qualidade deve proporcionar o mínimo para que vidas sejam resgatadas dos valões sociais. Essa qualificação, de tão imperativa, estabelece aos órgãos públicos presteza na atuação, para, assim, sairmos do caos que ceifa vidas todos os dias.

Do contrário, continuaremos cometendo crimes contra a vida, pois a injustiça, excepcionalmente a social, é um vírus cuja dieta alimentar são direitos do outro, devastando obrigações, descartando comprometimentos e ostentando a população no contexto de uma vida mesquinha. Situação que delineia em retas marcantes a pobreza de um país que se debate entre emendas e programas.

“O brasileiro se conscientizou de que o “jeitinho” só beneficia os facínoras… A onda é passar o rodo. Essa consciência o fez entrever a arma mortífera que tem nas mãos e que, apontada para o alvo, basta tão somente dispará-la: o voto.”

Temos que admitir: a política é uma ferramenta sórdida e desbriada… Gestor é humano, está sujeito a falhas e erros… Todavia, é possível abandonar o paternalismo e inserir no sistema doses de ética, honestidade… Olhar de lado, pensar no outro, na coletividade… Deixar a quebra de braços, adjetivos pejorativos… O fato é que ninguém olha para a frente, programa o amanhã… Assim como o eleitor, os nossos gestores têm a memória curta. Tão curta que não conseguem pensar em longo prazo, tampouco esboçar um plano de ação para que ocorra crescimento progressivo para romper as barreiras burocráticas que se convertem em entraves a fim de sanar problemas simples.

Ou o novo gestor assume as rédeas do País com a elaboração de políticas que erradiquem problemas centenários ou “vai dar com os burros n’água”, pois o bem comum aguarda sua vez desde o Brasil Império, sonhando com o dia em que direitos e deveres se convertam nos pilares que sustentam uma sociedade cujo cidadão dá “seus pulos” para existir.

“Ajustar o comportamento dos gestores públicos é fundamental para que respeitem o dinheiro do povo.”

 

O passo crucial

Ajustar o comportamento dos gestores públicos é fundamental para que respeitem o dinheiro do povo, pois milhões oriundos das verbas públicas são investidos em propagandas fúteis para içar nomes no cenário político, numa dissimulada propaganda eleitoral… Enquanto pacientes morrem nos hospitais do País por deficiência de atendimento devido à insuficiência de recursos financeiros.

De tal modo, é impossível erradicar o trabalho infantil… Pois sem políticas públicas de educação, saúde e assistência social, reina o “Salve-se quem puder!”. Entre o ser e o existir, impera o viver! Viver no submundo de uma sociedade angariando recursos nas fontes mais acessíveis: prostituição, tráfico… crimes… E o fruto? Milhares de vidas ceifadas.

No nosso sistema, tudo é camuflado, repleto de reentrâncias… E a tecnologia se encarrega de içar muralhas… O acesso digital avança até onde o gestor permite… A partir daí, o sistema trava… É abismo… Quando deveria ser a ponte… E como é simples para o governo ser ponte, basta desenvolver um sistema automatizado para desburocratizar os serviços… Como é simples desobstruir caminhos para promover a transição de mudanças… E como é importante para o cidadão um sistema eficiente. O fato é que, sem gestão participativa, é impossível progredir. Todavia, não podemos mais esperar. É preciso sistematizar as necessidades da população. Automatização é a palavra de ordem para atingir a eficiência por meio de aplicativos que conectem gestor e cidadão, para que decisões do gestor atendam a um todo.

Esse todo é igualdade social. Do contrário, políticas públicas persistirão na contramão de uma sociedade que evoluiu com novos perfis familiares. Se o Estado não cumprir o seu papel no suprimento de necessidades coletivas, para assim restringir a distância entre as classes, imperará a jogatina de interesses para favorecer grupos e setores da sociedade, cujos governantes maquiam a realidade com números forjados para cumprir exigências de órgãos internacionais.

É preciso serviço público de qualidade ao cidadão… Infelizmente, em plena era digital, não temos suprimentos para gerar canais que aproximem gestor-cidadão. Tudo se resolve com um clique para abrir aquela janelinha denominada “canal de discussões” para que haja compartilhamento de opiniões e tomadas de decisões por meio de altercações entre sociedade civil e poder público.

Não é preciso fazer contas… Políticas públicas são ações do poder público e da sociedade, que se unem para o bem comum. Poder público e sociedade devem chegar a um consenso de que justiça, excepcionalmente na distribuição de rendas, vai além de programas para atenuar problemas, é a base para promover a sustentabilidade social.

Os eleitos nesse despertar deverão maximizar olhares para visualizar que a gestão participativa é a saída… Se ambicionarem atingir finalidades terão que dilatar um vetor lateral para dar acesso à população que grita por um espaço onde possa, ativamente, decidir o que fazer com o dinheiro destinado para esse e aquele setor, definindo onde e como será aplicado. Esses “onde e como” devem ser canalizados por caminhos retos para atingir a meta prioritária.

Nossos gestores têm plena consciência: se fomentarem uma gestão participativa, o Brasil avança. Só que esse grito pode despertar um monstro adormecido: a consciência política. E quem quer consciência política? Qual é o governo que se sente seguro tendo o cidadão consciente dos seus direitos, gritando, dando “pitaco” na sua gestão?

Mas há um grito que não pode ser contido:

11

cubos