Edição 122

Como mãe, como educadora, como cidadã

Geração sem noção

Zeneide Silva

São tantos anos dedicados à educação, e eu ainda não consigo me acostumar com os atos de violência e agressividade que os noticiários mostram praticamente todo dia na televisão. Já faz um tempo que me deparo com situações absurdas, protagonizadas por adolescentes e jovens adultos desta geração atual, conhecida como geração Z. E, toda vez que presencio essas cenas, fico pensando que palavras como respeito, compromisso e gratidão parecem não significar nada para eles. Isso não só em casos extremos de brigas ou crimes que aconteceram dentro de escolas, por exemplo, mas também no desrespeito do dia a dia com os pais, professores ou qualquer pessoa das gerações anteriores. Além disso, como retratou uma novela, muitos desses jovens se enquadrariam na geração nem-nem, que foi o nome usado para definir aqueles que nem trabalham nem estudam, demonstrando uma espécie de apatia social, uma falta de atitude e interesse pela vida.

Mas eu não quero que você pense que vim aqui somente me queixar ou relatar os sintomas de um evidente conflito geracional. Estou compartilhando este desabafo para refletirmos juntos e buscarmos algo que possa nos ajudar a entender melhor e até reverter esse processo. Então, para começar, podemos olhar para as possíveis origens, para o contexto histórico. E, aí, não é difícil constatar que a vida em família, a partir do século 20, ganhou novos contornos, pautados por demandas econômicas que absorvem a força de trabalho dos pais em período integral. Assim, o processo de educação de crianças e adolescentes passou a ser mediado (ou até transferido) por outros fatores e pessoas, sejam familiares, sejam trabalhadores domésticos, no caso de famílias com maior poder aquisitivo. O que a gente vê, muitas vezes, é a substituição do convívio familiar e social por um mundo onde cada indivíduo vive imerso no seu universo particular, seja por meio da televisão, do computador ou do celular. Isso me lembra do alerta do escritor e ativista indígena Ailton Krenak, no seu livro A vida não é útil (2020, 102):

Os pais renunciaram ao direito, que deveria ser inalienável, de transmitir o que aprenderam, a memória deles, para que a próxima geração possa existir no mundo com alguma herança, com algum sentimento de ancestralidade. Hoje, quem fala em ancestralidade é um místico, um pajé, uma mãe de santo, porque “as pessoas de bem” saíram de um MBA em algum lugar e não vão ficar falando esse tipo de coisa. São como uns ciborgues que estão circulando por aí, inclusive administrando grandes grupos educacionais, universidades e toda essa superestrutura que o Ocidente ergueu para manter todo mundo encurralado.como-mae-como-educadora-como-cidada

Uma fala incisiva que escancara a “robotização” de uma sociedade cada vez mais desumana e que me trouxe um ponto importante para debater essa questão. Precisamos falar sobre a “presença”. Quando comecei este texto, elenquei as tantas faltas da geração Z e a ausência de valores generalizada que vejo no comportamento dela. Agora percebo que, para tratar esse adoecimento social, não podemos somente combater os sintomas, temos que conhecer as causas, ter um diagnóstico correto. E, nessa busca, entendi que eles refletem uma realidade em que as relações são marcadas por ausências. Ausência dos pais, que precisam trabalhar cada vez mais; ausência de brincadeiras com amigos reais, sem serem mediadas por eletrônicos ou ambientes virtuais; ausência de compromisso com o outro, já que foram ensinados que a vida é uma competição; ausência de propósito, pois aprenderam que trabalhamos para ter sucesso e que só é bem-sucedido aquele que alcança a fama e possui muito dinheiro e bens materiais.

Mas eu não estou querendo eximir essa “geração sem noção” da responsabilidade nem dizer que não tem mais jeito. Pelo contrário, quero afirmar que, se sabemos as causas e nos dedicamos a transformá-las, podemos ter esperança de dias melhores e da construção de uma sociedade mais humana. Pode soar como um discurso saudosista ou até conservador, mas não é um caminho de volta, porque hoje temos outros materiais e ferramentas para construir nossas relações. Essa transformação é tão grande que pode parecer utopia se a gente pensar em escala mundial; mas, se começarmos pelo “nosso quintal”, vamos conseguir ver os efeitos se espalhando como onda. Presença é a palavra-chave que pode dar a partida nesse processo. Diálogo e afeto completam o trio de conceitos/atitudes que tem força suficiente para criar um novo horizonte.

Existe um provérbio africano que diz que “É preciso uma aldeia inteira para educar uma criança”. E só o envolvimento de todos, mesmo de quem não tem filho e não trabalha como educador, será capaz de dar novos rumos à geração Z e às que virão. De hoje em diante, eu escolho estar presente.

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