Edição 127

Matéria Âncora

Gordofobia nas escolas: precisamos falar sobre isso

Christianne Galdino

Baleia, elefante, hipopótamo, bolo fofo, rolha de poço, balofo: eram os apelidos habituais direcionados aos alunos gordos na minha época de escola. E estavam na boca de praticamente todos, geralmente acompanhados de risos e zombarias. Havia (e ainda há) uma naturalização desse tipo de comportamento discriminatório, considerado “só uma brincadeira inofensiva” e muitas vezes praticado até por funcionários e professores. A criança que está acima do peso considerado ideal aprende, da pior maneira, que ela não cabe no mundo e que ele não está preparado para acolhê-la ou recebê-la. A gordofobia é uma realidade que pode ter graves consequências, como o desenvolvimento de transtornos alimentares (bulimia, anorexia, compulsão), a depressão e até o suicídio. Na maioria das unidades de ensino, essa questão é tratada como mais uma atitude de bullying.

Nos últimos anos, o combate a esse tipo de agressão tem ganhado mais espaço, com intensas campanhas de conscientização; porém, no caso da gordofobia, existe uma especificidade que requer uma atenção especial, pois, além da perseguição e de insultos típicos do bullying, há ainda uma exclusão social por conta do estigma que associa pessoas gordas a sujeira, desleixo, burrice, etc.

Valdelice Cruz da Silva Souza, durante sua pesquisa de Mestrado, realizada na rede municipal do Mato Grosso do Sul, no ano de 2018, relatou:

Manifestações gordofóbicas ocorrem, principalmente, nas aulas de Educação Física, que exigem mobilidade e agilidade. Gordos são estereotipados como incapazes e raramente escolhidos pelos colegas nas atividades coletivas, além de serem diariamente constrangidos e ofendidos.

Se isso já é um grande problema para um adulto, imagina o impacto dessas atitudes para uma criança? A pedagoga Ellayne Pereira Ramos, em pesquisa na rede de Ensino Básico do Jaboatão dos Guararapes/PE, em 2019, constatou que:

A própria vítima de segregação, estigma e deboche não se vê como tal, culpando-se por se considerar “fora do padrão”. Muitos docentes são violentos e tratam também esse corpo de forma pejorativa.

Muitas vezes, querendo amenizar, acabamos por reforçar o estigma, quando chamamos as pessoas gordas por “apelidos carinhosos”, como “fofinhas”, por exemplo; ou dizemos que elas são fortes, cheinhas ou outra palavra considerada não ofensiva. O que não percebemos é que, se escolhemos essa forma de comunicação, é porque consideramos que o termo gordo seria um xingamento. A verdade é que não fomos preparados para lidar com nada que fuja às regras e aos padrões impostos pela sociedade. E aí acabamos reproduzindo comportamentos discriminatórios como a gordofobia, sem nem notarmos.

Mas como podemos mudar isso, já que as estatísticas mostram um aumento da população gorda e obesa, cuja tendência é continuar crescendo? Evitar as generalizações é um bom começo, entendendo que a obesidade é, sim, uma doença, mas nem toda pessoa acima do peso está doente e nem todo magro é saudável. Outra coisa importante é entender que ninguém é gordo porque quer ou porque não liga para isso, de uma forma consciente. Então, dizer que a pessoa não emagrece porque não tem força de vontade ou chamá-la de preguiçosa e fraca só tendem a piorar a situação e a baixar mais a autoestima do indivíduo, assim como entrar no sistema de chantagem, punição e recompensa com crianças e adolescentes considerados “fora do padrão” também não funciona. “Se fizer dieta, ganha tal coisa!”, “Pratique esporte que eu libero um refrigerante no final de semana!” Esse tipo de estratégia de negociação pode ter o efeito contrário, porque acrescenta uma pressão extra àquele que já está vivendo uma condição de inadequação.

127-materia-ancoraAssumindo nosso próprio índice de gordofobia (que sempre existe em maior ou menor grau) e vigiando para que não continuemos reforçando o estigma, podemos construir uma outra relação mais acolhedora com a diversidade de corpos que nós temos. Você achar feios todos os que estão acima do tal “peso ideal” pode até parecer só uma questão de gosto, mas como você acha que esse gosto é formado? Não se engane, esses valores estão impregnados na nossa cultura há muito tempo. Trazer esse tema para o dia a dia da sala de aula é fundamental, assim como promover hábitos alimentares mais saudáveis e prática de exercícios também, porém para todos, e não só para os alunos gordos.

Enfim, fazer da escola um lugar de inclusão e acolhimento da diversidade de verdade parte do entendimento de que ser/estar gordo ou magro não é um defeito, e sim uma caraterística que constitui aquele indivíduo, mas não o define. E é sempre bom lembrar que incentivar a prática da gentileza e do afeto no ambiente escolar é um caminho potente para enfrentar todos os desafios que o processo educacional nos apresenta.


Christianne Galdino é produtora, jornalista, pesquisadora e doutoranda em Antropologia pelo Programa de Pós-graduação em Antropologia da Universidade Federal de Pernambuco (PPGA-UFPE).

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