Edição 77

Arte

Íamos ver as mais diferentes personas, mas só chegava Geninha, ou Esperando Maria Eugênia da Rosa Borges

Joel Passos

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O ambiente é mais para uma feira de bairro, onde todos falam bem alto e ao mesmo tempo. Entretanto, esse cenário de feira popular não é tão popular assim, se bem que a responsável por essa atmosfera seja mais popular do que se pensa.

A conjunção de pessoas, configurada pelos mais diferentes tipos, promove uma interatividade espontânea. Faz gosto de se ver desde as indumentárias simples aos jeans surrados — tão preciosos à juventude descolada —, às toaletes das senhoras empoadas sobre saltos à altura de sua elegância. Os aromas se misturam provocando suave embriaguez pelos toques, não se sabe se de Caron, Givenchy, Chanel ou Seiva de Alfazema. Sim, pois cada ser usa o perfume que lhe está ao alcance. Porém, para se ver Maria Eugênia da Rosa Borges no palco, o alcance é de todos. Discretamente, os cavalheiros fumam, alimentando diálogos sobre os acontecimentos do País e do mundo.

A um sinal convencionado, a agitação se duplica. Os lugares previamente escolhidos parecem não valer mais. Onde fica a finesse da tão esmerada educação?

As luzes começam a esmaecer. À medida que desaparecem, desaparecem também as falas, dando lugar aos murmúrios para, finalmente, o silêncio dominar, juntamente com a escuridão, o ambiente sagrado. Um ponto de luz nasce da silhueta da cortina grená, que, também silenciosamente, abre-se dando a entender que algo surgiria dali. E surge, de fato, como convém a uma estrela, em meio aos sons orquestrais e ao avolumar de cores e luzes. É ela: Maria Eugênia da Rosa Borges, que, ao incorporar qualquer personagem, como em um gesto hipnótico, faz com que a plateia se sinta o próprio personagem. Sabendo moldar as emoções humanas, como num transe, abandonamos nossa personalidade e, emocionalmente, aquele que é vivido no palco.

Sim, estamos numa encenação no suntuoso palco do Santa Isabel, território de inteiro domínio dessa fada do bem, que tão bem sabe moldar as emoções humanas. Deixamos nossa personalidade para nos tornarmos a Francisca de Henry Bordeaux, a Adela de A Casa de Bernarda Alba. Mas quer se envenene ou se purifique, Geninha nos transforma em tia Marta de Arsênico e Alfazema. E quanto a Alaíde do maldito Nelson Rodrigues em Vestido de Noiva? Nem pensar em não permitir que Pirandello se envaidecesse ao saber que Maria Eugênia encarnava a senhorita Sirelli em A Verdade de Cada Um.

Ao saberem que a escolha da encenação tinha caído sobre Pirandello, juntaram-se Waldemar de Oliveira, García Lorca, Ariano Suassuna, Luiz Marinho e José Pimentel, anunciando desautorizar qualquer outra atriz a encenar seus textos. Fassbinder foi mais longe! Tomando às pressas uma aeronave em Berlim, a essas plagas aportou exigindo que As Lágrimas Amargas de Petra von Kant fosse incluída no repertório futuro a ser encenado. Mais ameaças! Caso não o fosse, o autor afirmou negar toda a sua obra cinematográfica e dramatúrgica. Como se vê, a fada Maria Eugênia da Rosa Borges tem poderes.

“Quanto tempo leva a gestação de uma criança? Quanto tempo se leva para formar uma atriz?”, já se perguntava o diretor Adriano Cabral.

Assim, confundindo-se com a própria história do teatro pernambucano, envolvida na paisagem desse lendário Recife de Capiba, “de pretas de engenho cheirando a banguê”, esse Recife sempre coquete e sedento demais, que sempre se duplica ao se refletir nas águas dos seus rios.

Assim também é a atriz Maria Eugênia da Rosa Borges. Ela é mais que Geninha. Ela não só se duplica, como se triplica e se quadruplica nas diferentes personas que encara; emergindo da mais recôndita lembrança da boemia, das brisas que abrem as noites cálidas sob os olhares de uma lua cobiçosa e plena de fetiches e feitiços, toca nossas emoções fazendo com que encarnemos também os papéis vivenciados por ela nos palcos.

Assim é a atriz Maria Eugênia da Rosa Borges.

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